Opinião
O sinal das termelétricas a carvão
O crescente processo de dolarização dos insumos para a ampliação da base de geração térmica brasileira parece um alerta no longo prazo, sobretudo quanto aos vetores voltados à inflação e ao custo final para consumidores
Uma das características do sucesso do Sistema Interligado Nacional foi, quando de sua criação, ter sido sustentado por um planejamento de longo prazo, de forma coordenada, com o envolvimento de atores experientes. Muitas vezes esse planejamento era complementarmente amparado por parlamentares que também possuíam experiência e vivência no setor.
Tal planejamento foi refinado do ponto de vista institucional com a criação, em 1997, do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), no qual atuei como Conselheiro, que conta com instituições como o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Já como Secretário de Estado de Energia do Rio de Janeiro atuei fortemente para, por meio de emendas apresentadas pelos então parlamentares fluminenses Márcio Fortes e Eduardo Paes, instalar suas sedes no Rio de Janeiro.
Independentemente disso, os sinais do setor em 2021 foram bastante preocupantes, não somente no sentido de serem resultado de interferência externa, mas também por se alinharem a uma lógica de governança em escala macro. É importante que haja uma harmonia com as condições geoelétricas, e a ausência dessa característica resulta na ampliação dos custos da energia elétrica para o consumidor final.
A aprovação da Lei 14.182, que permite a desestatização da Eletrobras, foi feita com artigos inseridos em seu escopo pelo Congresso Nacional, um sinal preocupante, já que, por interesses particulares, se estabelecerá a compulsoriedade de compra de energia térmica em regiões que não guardam lógica elétrica e econômica para instalação desses novos empreendimentos, até pela ausência ou pouca disponibilidade do próprio insumo: o gás natural nacional. Isso sem falar na distância dos principais centros de demanda e na falta de critérios de economicidade para a sua seleção.
Em paralelo, o crescente processo de dolarização dos insumos para a ampliação da base de geração térmica brasileira - base que, aliás, é extremamente importante para funcionar amortecer as flutuações das reservas hídricas da geração hidrelétrica nacional - parece um alerta no longo prazo, sobretudo quanto aos vetores voltados à inflação e ao custo final para consumidores, em especial para o setor industrial e mesmo para outros segmentos, como o próprio Gás Natural Veicular (GNV).
Sem explicitar todos os ganhos econômicos, o Projeto de Lei 712/2019, aprovado em dezembro do ano passado pelo Senado Federal a partir de um substitutivo da Câmara dos Deputados, criou um inesperado subsídio custeado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) que, historicamente, estaria destinada a outros fins. Com isso, criou o Programa de Transição Energética Justa para a região carbonífera do Sul brasileiro, especialmente Santa Catarina, inserida, aliás, no subsistema interligado Sul, não tão estressado pelo nível das hidrelétricas como é o subsistema elétrico Sudeste/Centro-Oeste.
Esse incentivo, que está prioritariamente voltado para a renovação da contratação de energia proveniente do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, se faz na modalidade de energia de reserva, por um período que pode chegar a 15 anos. Na prática, é um subsídio que será pago por todos os brasileiros. Além disso, estamos falando de carvão e do sinal ambiental negativo que se coloca para a comunidade internacional no que diz respeito aos princípios da redução de emissões reiterados na COP 26.
Claro que é válido buscar medidas e soluções que possam até incentivar de alguma forma a geração de energia elétrica a partir do carvão mineral nacional, mas é oportuno destacar que esse setor já conta com subsídios desde 1973, que são, na prática, também pagos e custeados na tarifa de energia elétrica, inicialmente através da Conta de Consumo de Combustível (CCC) e atualmente pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) - esta última, com previsão para se encerrar em 2027.
Tal contratação compulsória de energia oriunda do carvão, como já apontado, é feita dentro do conceito da não lógica econômica elétrica tal qual a Lei 14.182/2021, que estabelece também a compulsoriedade de contratação de termelétricas a gás na eventual e futura venda da Eletrobras. Essa sequência de fatos concebidos pelo Legislativo traz sinais preocupantes, que merecem reflexões efetivas.
Dados do Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (Conacen) mostram que, com o novo subsídio às termelétricas a carvão do Sul, haverá uma ampliação de custos anuais, e ainda não se pode perceber claramente um ganho de “externalidades econômicas” por conta dessa geração que, como disse, ainda traz sinais ambientais desfavoráveis.
Fica claro que se essa contratação fosse feita de forma competitiva poderia restabelecer, ainda segundo dados do Conacen, uma economia anual de R$ 840 milhões para os consumidores de energia elétrica. Sem isso, na prática, se tornará mais um “Custo Brasil”, e não um elemento vinculado à busca de modicidade tarifária.
Os dados do Conacen também apontam que esse conjunto de termelétricas a carvão para o Complexo Jorge Lacerda representa um conjunto de emissões anuais da ordem de 4,43 milhões de toneladas ao ano, o que é algo bastante significativo, pois é uma externalidade ambiental negativa que, vale frisar, não é promovida por outras fontes também polêmicas, como a própria geração de energia nuclear que, pelo menos, traz benefícios econômicos e tecnológicos para todo ciclo da Indústria Nuclear no Brasil.
Esses são fatos do ano que encerrou que demandam reflexão e que certamente também encontrarão suas teses de defesa, que devem ser respeitadas, mas que estarão amparadas em realidades econômicas locais. Logicamente, o tema e sua evolução deveriam ser trabalhados dentro de um sistema amplo, plural e de planejamento.
Questões impositivas derivadas de projetos de lei têm desarmado a lógica técnica e econômica de inserção da energia térmica na matriz energética nacional.
Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, Ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo e Ex-Conselheiro do CNPE