
Opinião
Desafios e oportunidades para o Leilão de Reserva de Capacidade
Há quem diga que o cancelamento do LRCap foi um típico episódio de uma "tragédia dos comuns". Mas, felizmente, o cenário atual difere muito do apagão de 2001, quando havia escassez de energia e o sistema de transmissão era frágil

Para aqueles que vivenciaram os problemas ocorridos no país em 2001, o anúncio feito pelo Ministério de Minas e Energia (MME) no início de abril - com o cancelamento do Leilão de Reserva de Capacidade na Forma de Potência de 2025, também conhecido como LRCap 2025 - gerou extrema preocupação, pois decorreu de uma guerra judicial entre grupos econômicos contrários à modelagem desse leilão de energia.
Há quem diga até que esse foi um típico episódio de uma "tragédia dos comuns", fenômeno em que cada grupo empreendedor, na busca de maximizar o ganho máximo para seu portifólio, acabou por conjuntamente derrubar o leilão que já estava sendo esperado pelo mercado há pelo menos 2 anos.
Por outro lado, talvez mais felizmente, o fato é que o cenário atual difere profundamente do de 2001, na crise denominada “apagão”, quando havia escassez de energia e o sistema de transmissão era frágil diante das demandas de despacho do Sistema Interligado Nacional (SIN).
A atual realidade é diferente por contar com uma oferta de energia relevante e com uma capacidade de planejamento, inexistente à época, graças à criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) além do fortalecimento das estruturas técnicas da Aneel e do ONS.
Por outro lado, houve uma concentração muito elevada de geração flutuante (intermitente) ao longo do dia, especialmente em razão do crescimento exponencial da geração por fonte solar e eólica no Nordeste. Isso trouxe uma grande complexidade à operação de um sistema interligado em um país de dimensões continentais, pois, ao final do dia, ocorrem fluxos significativos de energia entre subsistemas, algo inimaginável no passado.
Para mais que isso, há uma dificuldade técnica na representação dos transientes eletromagnéticos dos geradores renováveis, que foram inseridos no sistema com inversores fora de padrão. Isso gera uma dificuldade na modelagem e operação do sistema, provando episódios como o pequeno apagão de 2023, e o que certamente levou a um legítimo conservadorismo posterior do ONS.
Esse é um momento em que o sistema precisa de potência e inércia. Assim, o MME seguiu todo o processo de forma bastante participativa para realizar o LRCap, desde as consultas públicas - MME nº 160, de 8 de março de 2024, e MME nº 176, de 27 de setembro de 2024 - passando pela Portaria Normativa GM/MME nº 96, de 31 de setembro de 2024, até a atualização em 5 de janeiro, por meio da Portaria Normativa MME nº 97.
Houve também um esforço para adequação às demandas de todo o mercado e para evitar a judicialização contínua, que infelizmente culminou no cancelamento.
As demandas por essa capacidade adicional não foram eliminadas e, até certo ponto, são mitigadas por termelétricas antigas, já descontratadas, que operam como merchants. Essa situação requer nova discussão que envolva o estabelecimento de contratos temporários até a realização de um novo leilão.
Aliás, seguir todas as fases desde o início - com a publicação de novas consultas públicas com prazo útil para comentários - impõe um desafio extremamente difícil de programação para esse leilão, previsto anteriormente para junho, de modo que ocorra ainda em 2025.
Da mesma forma, o mercado de turbo máquinas para as novas termelétricas certamente enfrenta desconforto em relação à demanda nacional por reserva de slots e à contratação do EPC, diante das incertezas das novas regras e prazos.
A expectativa é grande por uma rápida solução dessa situação, bem como pela realização de leilões específicos voltados ao armazenamento (baterias, gravitacional e hidrelétricas reversíveis) que, na prática, mitigarão os impactos do “curtailment”.
Estes serão, de fato, um dos principais alavancadores da transição energética, especialmente no subsistema Sudeste-Centro-Oeste, onde se concentra a maior carga e as maiores tendências de crescimento da demanda, em função de novas necessidades, como os data centers.
É um debate importante, que servirá de base à discussão do setor energético neste final de primeiro semestre, e que merece toda atenção, rigor técnico, busca da modicidade e para evitar uma nova e indesejável batalha judicial.