Opinião

Energia Geotérmica: uma nova perspectiva no Brasil

Mesmo com vácuos regulatórios, poucos dados e condições menos favoráveis às de países localizados em divisões de placas tectônicas, o Brasil oferece oportunidades que devem ser consideradas em nosso planejamento futuro.

Por Wagner Victer

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Ao final da década de 1990, já como Secretário de Estado de Energia, Indústria e Petróleo, recordo-me das discussões que eu mantinha com um dos parlamentares mais atuantes da Bahia no setor de Energia no Congresso Nacional, José Carlos Aleluia. Debatíamos sobre como deveríamos buscar incentivos a novas fontes de energias renováveis, na ocasião ainda de tecnologia incipiente, como a eólica, a biomassa e as pequenas centrais hidrelétricas (PCH). Essas reflexões embasaram a criação do Proinfra, que estabeleceu, como política indutora, a compra compulsória de 3.300 MW dessas fontes. Esse programa impulsionou, de forma determinante, a realidade que vivemos hoje, em que tais fontes têm amplo sucesso em bases competitivas.

A energia geotérmica é uma fonte renovável e sustentável de energia, obtida a partir do calor natural da terra, e tem desempenhado um papel importante e crescente na transição energética global, sendo utilizada para a geração de eletricidade e para aquecimento direto em diversas regiões do mundo. Em países como os Estados Unidos, onde existe o chamado “cinturão geotérmico” na Califórnia e em Nevada, o campo “The Geysers” é considerado o maior complexo geotérmico do mundo, onde a geração já é relevante.

Também nas Américas, países como o México possuem grande capacidade. Na Europa, a Itália é considerada o berço global da energia geotérmica moderna, com a usina de Landerello, além de países como Alemanha e Turquia, que utilizam tecnologias de bomba de calor. Para o público, o caso mais conhecido é o da Islândia, onde cerca de 25% da energia elétrica deriva dessa fonte, em contraste com seu clima e ambiente gelados. Na Ásia e na Oceania, as maiores participações são nas Filipinas e na Indonésia. Já na África, destacam-se as usinas do Quênia.

Os benefícios da energia geotérmica são diversos, especialmente por ser de caráter renovável, sustentável e inesgotável dentro da escala de consumo humano, além de apresentar baixa emissão de carbono. É, sobretudo, uma fonte confiável, por fornecer “energia de base” independentemente de condições climáticas.

Segundo o Relatório “The Future of Geothermal Energy”, publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA) em dezembro de 2024, as perspectivas para o crescimento global da geotermia são extremamente promissoras. Com contínuas melhorias tecnológicas e reduções nos custos de projeto, essa fonte de energia poderia suprir até 15% do crescimento da demanda global de eletricidade até 2050. Isso significaria a implantação economicamente viável de aproximadamente 800 GW de capacidade de geração geotérmica em todo o mundo, produzindo quase 6.000 terawatt-horas por ano, o que equivale à demanda elétrica atual somada dos Estados Unidos e da Índia.

Outro ponto destacado pela IEA é o fato de a geotermia proporcionar eletricidade ininterrupta, bem como calor e até armazenamento de energia. Por ser contínua, as usinas geotérmicas podem operar em sua capacidade máxima o dia inteiro, ao longo de todo o ano. Em 2023, a taxa média de utilização da capacidade geotérmica global superou 75%, comparativamente a menos de 30% para a energia eólica e menos de 15% para a solar fotovoltaica. Além disso, essas centrais podem operar de forma flexível, contribuindo para a estabilidade das redes elétricas, garantindo o atendimento à demanda em todos os momentos e apoiando a integração de fontes renováveis variáveis, como a solar e a eólica.

O mesmo relatório aponta que até 80% do investimento necessário em um projeto geotérmico envolve habilidades e capacidades comuns à indústria de óleo e gás. Essa similaridade inclui dados, tecnologias e cadeias de suprimento, o que torna as empresas desse setor centrais para a adoção de soluções geotérmicas de última geração. A diversificação para a energia geotérmica pode gerar grandes benefícios para a indústria de óleo e gás, abrindo oportunidades para o desenvolvimento de novas linhas de negócio na crescente economia de energia limpa, além de servir como uma forma de proteção contra riscos comerciais decorrentes de eventuais quedas na demanda por óleo e gás no futuro.

Apesar de, no Brasil, ainda existirem vácuos regulatórios em relação à exploração geotérmica e pouca disponibilidade de dados em muitas regiões, além de não contarmos com condições semelhantes às de muitos países que têm maior potencial de geração por estarem localizados em divisões de placas tectônicas, surgem oportunidades que devem ser consideradas em nosso planejamento futuro, visando a uma maior diversificação de nossa matriz energética no processo de transição.

Nesse cenário, surge a discussão do Novo Plano Decenal de Expansão de Energia 2035 (PDE 2035), que já foi objeto de consulta pública e está em fase final de consolidação pelo MME, em conjunto com a EPE. Possivelmente, esse plano deve considerar essa fonte, em especial em seu Capítulo 11.3, onde estão apresentadas discussões sobre as perspectivas de novas tecnologias para compor a futura e diversificada matriz energética brasileira.

Para isso, serão necessários investimentos relevantes em pesquisa, desenvolvimento e inovação para mapear os recursos geotérmicos potenciais no território nacional. Nesse sentido, já existem estudos que apontam gradientes térmicos com potencial no semiárido nordestino, na Bacia do Paraná, no Sul do país, e até na região amazônica. Em um evento recente, em novembro de 2024, intitulado “1° Workshop de Aproveitamento e Armazenamento Geotérmico da Petrobras”, realizado no Cenpes, com a participação de especialistas de todo o mundo, esse tema foi amplamente e profundamente debatido.

As condições geológicas brasileiras, segundo muitos especialistas — conforme conversei recentemente com a diretora de Exploração e Produção da Petrobras, geóloga Sylvia Anjos —, podem requerer técnicas avançadas de perfuração e materiais especializados para lidar com altas temperaturas, pressões e profundidades. Isso seria possível somente para empresas que já dominam tais técnicas, como a indústria de óleo e gás, que tem maior capacidade de adaptar suas tecnologias a novos desafios.

Outra barreira identificada para o início consistente desse processo é a inexistência de um marco regulatório para o segmento, que envolva incentivos fiscais e até subsídios ou programas de apoio à pesquisa para desenvolver essa fonte.

Sempre é bom destacar que a energia geotérmica, por ser de base, não compete com as fontes solar e eólica, que são intermitentes e contam com tecnologias e marcos regulatórios já existentes e mais consolidados.

Nesse cenário, e diante da próxima publicação do texto final do PDE 35 e das contribuições que já foram remetidas, há a expectativa de que surjam indicativos para a energia geotérmica como uma nova oportunidade de fonte dentro do cenário decenal, o que poderá inclusive induzir o desenvolvimento de plantas-piloto no país, apoiadas por fundos de P&D, geridos por agências reguladoras do setor de energia.

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