
Opinião
Os PLs da indústria naval nos EUA e seus efeitos globais
Restrições impostas a outros países podem fechar caminhos críticos da construção naval brasileira, sobretudo de unidades de produção de petróleo no exterior

A entrada do novo presidente norte-americano, Donald Trump, em seu segundo mandato, já é acompanhada de um conjunto de medidas que questionam a globalização, muitas de caráter protecionista, e de forte fomento à sua indústria local. A indústria naval americana certamente ganhará dinamismo, o que repercutirá na indústria de construção para o setor de petróleo e de logística, além de lançar um movimento para rediscutir cadeias produtivas globais.
O fato é que, desde o século passado, o Marine Merchant Act de 1920, também conhecido por “Jones Act”, já estabelecia quatro condições restritivas, ainda em vigor, para a navegação entre portos americanos: a obrigatoriedade de tripulação americana, o registro do navio em bandeira americana, a propriedade do navio ser de um americano e, principalmente, a construção ter sido em estaleiros americanos. Esse arcabouço que perdura até hoje torna, nesse setor, as práticas brasileiras um exemplo de liberalismo pleno e inconteste.
Na esteira dessa tradição histórica, e já na perspectiva do governo Trump, o senador norte-americano Mark Kelly, acompanhado de outros, introduziu em 19/12/2024, em duas Câmaras do Congresso, a proposta legislativa denominada “Ships for America Act”, que objetiva a revitalização da Marinha Mercante do país. Essa iniciativa impacta não só localmente, mas traz potenciais reflexos para outros países, entre eles o Brasil, e pode ser resumida conceitualmente nos seguintes princípios:
- A Indústria Naval Americana precisa de ajuda.
- A base industrial americana de construção naval carece de capacidade industrial para produzir navios mercantes oceânicos na escala requerida.
Nesse cenário legislativo, foram estabelecidos pontos adicionais na referida proposta, os quais destaco por seu impacto no mercado naval global:
- O Presidente deve indicar um Conselheiro Especial – Conselheiro de Segurança Naval (Maritime Security Advisor).
- Sugere-se a criação de um novo Fundo Fiduciário para a Segurança Naval (Maritime Security Trust Fund) para financiar programas navais críticos.
- A proposição estabelece uma frota estratégica de bandeira americana, capaz de atender à segurança nacional e econômica do país.
- Criação de um novo programa naval, o Strategic Commercial Fleet Program, para apoiar o desenvolvimento de frota construída no país e de bandeira americana para o comércio internacional/
- Estabelecimento de frotas de segurança para reparo de cabos submarinos e de navios-tanque.
- Proposta de aumentar de 50% para 200% a taxa paga por empresas para reparo de embarcações em estaleiros estrangeiros.
- Busca de um novo programa de incentivos financeiros para a construção local de embarcações navais ou investimentos qualificados em infraestrutura industrial naval (estaleiros ou fábricas que produzem componentes críticos).
- Busca de um programa de assistência financeira para pequenos estaleiros.
- Estabelecimento de um programa nacional incubador de inovação naval para acelerar P&D de tecnologias e processos de fabricação.
- Incentivos para a força de trabalho naval, com possibilidade de perdão de financiamentos públicos.
- Criação de campanhas de recrutamento de público-alvo, com promoção de oportunidades e benefícios para carreiras na indústria naval.
O movimento de reestabelecimento da indústria naval norte-americana é, sem dúvida, uma tendência de nova política pública que deve se acentuar no Governo Trump. Nesse contexto, o recente bloqueio de estaleiros chineses - ainda que oficialmente justificado por manterem relações comerciais com a Rússia - já indica uma ação convergente com esse direcionamento.
No caso do Brasil, onde a construção de navios e plataformas, bem como a aplicação dos princípios contratuais de conteúdo local para atividades petrolíferas, é relevante, esse movimento merece atenção especial. Em particular, as restrições impostas a outros países podem fechar caminhos críticos de construção naval, sobretudo de unidades de produção de petróleo no exterior, que voltaram a ocorrer com intensidade a partir de 2018.
Tal movimento nos Estados Unidos tenderá a se intensificar, provocando a reação natural de outros países. Portanto, revisar as cadeias produtivas internas por meio da retomada da mobilização de canteiros e estaleiros nacionais, a remobilização de diques já existentes, a requalificação de mão de obra, o investimento em tecnologia e o fortalecimento e agilização de fundos específicos como o Fundo de Marinha Mercante (FMM), certamente são pautas a serem rapidamente revisitadas em nosso país.