Opinião
Se faz urgente implantar o Mercado Livre de gás no Rio de Janeiro
Diante da perspectiva dos consumidores cativos do estado terem um gás mais caro que os estados vizinhos nos próximos anos, dar a liberdade, principalmente às indústrias, grande comércio e ao GNV, para contratarem gás no mercado livre poderá significar a sustentabilidade desses mercados
O recente anúncio da assinatura de um acordo de fornecimento de gás natural entre a Comgás e a Petrobras para fornecimento de gás, a partir de 2024, nos faz lembrar que o estado do Rio de Janeiro se encontra sem contrato de fornecimento de gás desde 01/01/2022, sendo o único estado da União, salvo engano, ainda nessa condição, pendurado apenas numa liminar, obtida pelo estado e pela Alerj, que impediram a Petrobras de praticar sua política de preços no Rio de Janeiro. A mencionada liminar perdura já por 18 meses, o que acaba gerando preocupação e insegurança.
Ocorre que, ao final de 2021, com a mudança de cenário mundial, a Petrobras apresentou uma nova política de preços para renovação de contratos a vencer, que consistia em contratos com prazo de quatro anos com preços de 16,75% e 14,4% do Brent, em 2022 e 2023 respectivamente, ao invés da condição contratual de 12% do Brent que vinha sendo praticado em 2021 à Naturgy no Rio de Janeiro.
Diante da perspectiva de um significativo aumento do custo do gás em razão do vencimento dos contratos de suprimento, a Naturgy recorreu ao Governo do Estado e à Alerj, que ingressaram com ações na justiça e obtiveram uma liminar que impediu a prática da nova política de preços no Rio de Janeiro a partir de janeiro de 2022.
No estado, nesse momento, por força da liminar supramencionada, as concessionárias Ceg e Ceg Rio ainda pagam 12% do Brent. A diferença a pagar à Petrobras desses 18 meses, no caso de queda da liminar, já estaria superando a cifra dos R$ 3 bilhões e ainda não se sabe qual preço a Petrobras cobraria numa situação sem liminar e sem contrato. A solução negociada desse litígio é, portanto, mais que necessária para afastar esses riscos e se buscar, ao menos, diferir o montante acumulado do passado no maior prazo possível, de forma a mitigar ao máximo o impacto ao mercado.
Cabe destacar ainda que qualquer acordo entre a Naturgy e a Petrobras terá que passar pelo convencimento do Governo do Estado e da Alerj a retirarem as ações na justiça. Um elemento complicador para as concessionárias do Rio firmarem contratos com prazos muito superiores a quatro anos, que tem menor custo, estaria relacionado ao vencimento dos contratos de concessão da Ceg e da Ceg Rio que finalizam em julho de 2027 e que poderia vir a ser questionado futuramente, o que torna a solução da questão do suprimento de gás no estado ainda mais complexa.
Chama a atenção que todas as demais concessionárias de distribuição de gás do país estão avançando nas chamadas públicas de compra de gás e na diversificação de seus portfólios de contratos de fornecimento de gás, com contratos de curto e longo prazo, inclusive de biometano, obtendo menores custos médios. No Rio, até o momento, nenhum contrato de gás foi firmado desde o final de 2021, mantendo um cenário de insegurança quanto ao suprimento de gás do estado.
Assim, as diferenças entre os valores a maior do custo do gás fornecido em 2022 e 2023 não pagos pela Naturgy em razão da liminar deverão ser compensados nos próximos anos, conforme percebido em contratos assinados com outras concessionárias. Um acordo favorável às concessionárias do Rio de Janeiro fariam, por equidade, que a Petrobras estendesse a mesma condição às demais distribuidoras. Quanto mais essa situação sem contrato no Rio perdurar, maior a probabilidade de perda de competitividade futura do gás no estado e de atração de novos projetos.
Diante desse grave cenário, uma das formas de proteger o consumidor final no Rio seria o estado eliminar, imediatamente e por completo, todas as barreiras volumétricas para um consumidor poder contratar gás diretamente no mercado livre. Isso possibilitaria ao consumidor final a busca de contratos de gás mais econômicos que o da Naturgy com a Petrobras, cujo preço é passthrough ao consumidor final.
O Governo teria ainda instrumentos na regulação, como a utilização de conta gráfica com pagamento de saldo remanescente para diferir o impacto ao mercado do aumento do gás que deverá ocorrer, mas os efeitos seriam marginais. A retirada das barreiras volumétricas para um consumidor ser livre aqui no Rio, como já ocorre em São Paulo e na maioria dos países, seria o mais efetivo e poderá significar a sobrevivência dos mercados nos quais o custo do gás têm maior peso na composição de suas tarifas.
Além disso, outra questão que precisa ser tratada urgentemente pelo Governo e Regulador do Rio de Janeiro é a eliminação da prática de Custo Alocado do GN, que penaliza os segmentos industrial e veicular (GNV). Esse último vem perdendo bastante espaço nos últimos tempos para a gasolina e o etanol no estado e a contínua redução das vendas terá efeito prejudicial à modicidade tarifária.
A mudança na regulação estadual deveria ocorrer, concomitantemente, com a solução do litígio da Naturgy e Petrobras, através de um aditivo ao contrato de concessão retirando as barreiras ao mercado livre do gás, além da eliminação da prática de alocação diferenciada do custo de gás entre os distintos segmentos de mercado (Custo Alocado), que não encontra aderência ao Contrato de Concessão.
Diante da perspectiva dos consumidores cativos do Rio de Janeiro terem um gás mais caro que os estados vizinhos nos próximos anos, dar a liberdade, principalmente às indústrias, grande comércio e ao GNV, para contratarem gás no mercado livre, poderá significar a sustentabilidade desses mercados e, em consequência, o desenvolvimento econômico do estado e a manutenção de empregos.
Importante ressaltar que garantir o fornecimento de gás aos consumidores por meio de contratos de suprimento de gás é uma obrigação contida no Contrato de Concessão do Rio de Janeiro, e permitir o acesso dos consumidores ao mercado livre se faz mais que necessária, principalmente, nesse cenário de insegurança de suprimento percebida há 18 meses.
Não se pode perder mais tempo em adotar uma política moderna para o mercado de gás natural no Rio de Janeiro, seguindo as melhores práticas mundiais e as já adotadas pelo estado de São Paulo.
Bruno Armbrust é sócio fundador da ARM Consultoria, ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019. Escreve na Brasil Energia a cada dois meses.