Opinião

Ponto de encontro

Por Redação

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A aposta na popularização dos veículos elétricos (VE) é segura. Basta ver os anúncios das grandes montadoras sobre lançamentos de VE previstos para os próximos anos. Ou refletir porque o valor de mercado da Tesla já supera o da Ford, ainda que a venda de veículos e o faturamento seja bem menor. É a aposta no mercado futuro, diferente do atual. E constatar que, curiosamente, este futuro repete o passado, afinal os VE vieram antes, mas foram logo dominados pelos movidos a gasolina ou diesel com o avanço da indústria do óleo. Não foi à toa: o óleo mostrou-se então um combustível abundante e com alta densidade energética.

Análises recentes, como a do banco UBS, indicam que, no curto prazo, os VE devem igualar os custos finais ao consumidor dos veículos tradicionais. É importante observar que a análise envolve tanto o valor de compra - ainda maior para os VE - como custos de operação e manutenção - menor para os VE. A queda de custos depende de um componente central: as baterias, que estão para os VE como módulos fotovoltaicos estão para a Geração Distribuída (GD). Com a queda destes componentes principais, a tecnologia se populariza.

Para baixar custos há muita pesquisa em novas tecnologias e materiais. E aposta massiva em ganhos de escala, como no caso da Gigafactory (Tesla/Panasonic), que produzirá 35 GWh/ano de baterias a partir de 2020. Para avaliar esta escala, fiz um exercício simples com a curva de carga do dia de maior consumo do Sudeste do Brasil de 2014 (dados do ONS). Se estivessem à disposição do setor elétrico brasileiro, os 35 GWh tornariam constante o perfil diário de carga. Haveria uma redução de 5 GW da demanda de ponta e – claro - aumento de consumo espalhado pela madrugada quando ocorreria a recarga das baterias.

Armazenamento e GD andam junto, com ganhos sinérgicos às concessionárias. A GD solar reduz a carga durante o período diurno. Ao final da tarde, com pôr do sol, há rápida queda da produção solar que precisa ser compensada por outras fontes. A curva de demanda é conhecida por “duck shape”, com o rápido aumento da demanda sendo o pescoço do pato. Os sistemas elétricos precisam dispor de fontes de resposta rápida, como as hidrelétricas, para compensar. Mas nem todos os países têm este recurso, como o Brasil. Aí está um espaço interessante para integrar as baterias dos VE às redes elétricas. Até porque na maior parte dos casos os VE não estão em uso, como nas cidades, que servem para muitos de leva e traz entre casa e trabalho. Aliás, é por esta razão que a Tesla tem uma empresa de geração solar, além das fábricas de VE e de baterias.

Em resumo, os negócios VE e GD se fundem com “recursos distribuídos” que podem ser potencializados com maior digitalização das redes e automação. Estes recursos têm um grande valor econômico na gestão da demanda, como a injeção de energia (previamente carregada nas baterias de VE) nos momentos de maior consumo das redes elétricas e outros mecanismos. Como o termostato de sistemas de ar condicionado: clientes que aceitam reduzir aumento em condições controladas, por exemplo, de até 3oC nos eventos críticos recebem vantagens. O efeito no atacado é o de um “gerador virtual” à disposição da rede. O mercado elétrico da PJM (EUA), por exemplo, já contratou mais de 14 GW de resposta da demanda em leilões de empresas agregadoras, como a Tesla, e acionou este mecanismo vezes em anos recentes, em momentos de carga crítica, como nas tardes de forte calor.

A flexibilidade reduz custos operativos e de compra de novos equipamentos, principalmente aqueles que operam poucas horas por ano. É mais uma manifestação de novos sistemas econômicos e modelos comerciais que otimizam os recursos existentes, como Uber ou Air BnB. A Internet das Coisas turbina as coisas, seguindo o exemplo dos termostatos: gestão por terceiros do uso de mais dispositivos, como lâmpadas, baterias de VE, máquinas de lavar, etc. É o ponto de encontro das redes elétricas com as novas tecnologias.

Rafael Kelman é diretor da PSR

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