Opinião

A premência de uma política para a oferta de gás natural no Brasil

Ao longo da última década, vários setores da economia foram se tornando gradativamente dependentes do gás natural

Por Redação

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A oferta de gás natural competitivo representa um dos maiores desafios da política energética brasileira atualmente. A partir da década de 2000, o consumo de gás natural no país foi estimulado, de forma que a participação do combustível na matriz energética nacional saltou de 4,1% em 1999 para 11,5% em 2012. 

Ao longo da última década, vários setores da economia foram se tornando gradativamente dependentes do gás natural. No setor industrial, a participação do energético saltou de 3% em 1990 para 11% em 2012. No transporte rodoviário, cerca de 1,7 milhões de motoristas acreditaram no gás natural e converteram seus veículos para o GNV. No segmento de geração elétrica, a participação do gás natural saltou de menos de 1% em 1999 para 10% em fevereiro de 2014, sendo atualmente a principal fonte de complementação hidráulica.

No entanto, o acelerado crescimento da demanda de gás natural não foi acompanhado pela expansão da oferta nacional, de forma que nossa dependência externa em relação ao energético se manteve elevada, atingindo 39% em 2012. Em 2013, o déficit da balança comercial de gás natural atingiu o recorde de 6,96 bilhões de dólares.

O crescimento das importações de gás natural não apenas afeta a balança comercial brasileira, mas também impõe um custo elevado para a indústria e para o setor elétrico nacional, uma vez que os preços do gás importado estão bastante elevados. O valor médio pago pelo gás boliviano e pelo GNL em 2013 foi de 10,1 US$/MMBtu e 12,85 US$/MMBtu, respectivamente (preços de referência no city gate). Os problemas relacionados ao elevado custo do gás natural para o setor industrial brasileiro se agravam no cenário atual pelo reduzido preço do energético na América do Norte (4,9 US$/MMBtu em março de 2014), que, associado a outros diferenciais de custos, reduzem a competitividade dos setores energo-intensivos no Brasil.  Os preços elevados do gás natural importado afetam também a própria Petrobras, já que a empresa nem sempre consegue repassar para os consumidores finais todo o custo de importação. 

Se atualmente a situação da indústria de gás natural brasileira desperta grandes preocupações, para os próximos anos as perspectivas não são muito reconfortantes. Segundo a Petrobras, o cenário de oferta doméstica continuará desfavorável, pelo menos até 2020. De acordo com a empresa, a oferta adicional de gás nacional proveniente dos investimentos na área do pré-sal não será suficiente para atender ao crescimento da demanda, de forma que o balanço entre a oferta e a demanda dependerá do aumento das importações de GNL.

O cenário de escassez de gás natural mostra-se ainda mais preocupante porque o déficit de gás previsto pela Petrobras não considera um aumento significativo do consumo no setor elétrico. Entretanto, as dificuldades crescentes de construção de hidrelétricas com grandes reservatórios na região Amazônica exigem uma participação cada vez mais ativa do segmento de geração térmica a gás natural.

Os motivos citados deixam claro que é estratégico para o país uma agenda de políticas públicas para incrementar a oferta de gás no curto e médio prazo.
Nesse contexto, é essencial que se estimule o investimento e a competição no upstream, viabilizando a entrada de novos agentes no setor. O aumento do número de players, sobretudo nas etapas de exploração e produção, mostra-se essencial para o aumento da oferta doméstica de gás natural, uma vez que o programa de investimento da Petrobras para os próximos anos está comprometido com o pré-sal e com a expansão do parque de refino nacional.

Tendo em vista as menores exigências de capital e os menores custos de escoamento, a produção onshore deveria constituir um segmento prioritário para a expansão da produção de gás no país. As barreiras à entrada na atividade de produção em bacias terrestres mostram-se significativamente menores, o que favorece a entrada de novos agentes nesse segmento. Contudo, para que a produção onshore aumente sua importância no Brasil, é preciso: i) promover rodadas de licitação mais frequentes para blocos em terra; ii) um forte investimento da ANP em sísmica terrestre de modo a criar novos prospectos exploratórios a serem leiloados; iii) uma atuação do BNDES que busque alternativas no mercado de capitais para reduzir o custo de capital para operadoras independentes; iv) livre acesso às infraestruturas de transporte existentes; v) o desenvolvimento de leilões de compra de gás pelas distribuidoras e pelos novos projetos térmicos; e vi) o desenvolvimento de um mercado livre de gás natural.

A segunda questão que merece atenção é a reformulação dos objetivos do Pemat (Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário). É importante que os estudos realizados pela EPE sejam indicativos e não determinativos, possibilitando o surgimento de novas propostas de gasodutos, mesmo que estes não respeitem os critérios de viabilidade impostos pelo Pemat. Ademais, é importante que os investimentos em gasodutos estruturais sejam financiados pela compra antecipada de capacidade pelos estados e o Governo Federal.
Por fim, o último ponto a ser tratado é a mudança na regulação do setor elétrico. Em algumas regiões do interior do país, a produção de eletricidade representa a única opção de monetização para o gás natural. Ou seja, dados os grandes volumes descobertos, somente novas termelétricas poderiam criar um mercado com volume suficiente para justificar os investimentos em produção e transporte. Para isso, contudo, é fundamental revisar a regulação do setor elétrico.

Atualmente, o arcabouço regulatório da indústria de eletricidade dificulta o aproveitamento de reservas de gás natural. Isto ocorre porque as termelétricas operam de forma complementar à geração hidráulica com um despacho médio de 30%. Nessas condições, as térmicas não podem dar garantias de compra de gás e, portanto, não conseguem ancorar projetos de desenvolvimento de reservas de gás natural.

Assim, verifica-se que o desenvolvimento de uma agenda de políticas positiva para a indústria de gás natural no Brasil depende de um grande esforço de coordenação institucional para buscar uma convergência entre os diferentes órgãos do governo envolvidos no processo de planejamento do setor de gás natural (EPE, Aneel, MME, Petrobras e ANP). O planejamento deverá ser realizado pelo Estado, mas deverá levar em conta os interesses dos produtores e dos consumidores de gás natural, já que são estes que, em última instância, estarão mobilizando os recursos para viabilizar a expansão da produção.

Portanto, será necessário que o Governo tenha capacidade de estabelecer um diálogo com o setor produtivo, resguardando a sua independência para perseguir seus objetivos de política energética.

Edmar de Almeida é professor associado (IE-UFRJ) e Membro do Grupo de Economia da Energia - GEE

Marcelo Colomer é professor adjunto (IE-UFRJ) e Membro do Grupo de Economia da Energia - GEE

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