Opinião
STF e a competência técnica para definição sobre campos eletromagnéticos
Artigo de Erika Breyer e Maria Alice Doria, sócias do Doria, Jacobina e Gondinho Advogados
No início deste ano o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou audiência pública para discutir possíveis impactos dos campos eletromagnéticos gerados por linhas de transmissão sobre o meio ambiente e a saúde humana. A audiência pretendia colher subsídios à decisão que deverá ser tomada nos autos do Recurso Extraordinário 627189/SP, interposto pela Eletropaulo, e do qual o ministro Dias Toffoli é relator.
No recurso, a Eletropaulo contesta decisão não unânime da Câmara de Meio Ambiente do TJSP, que determinou a redução para o menor nível possível – 1,0 mµ (microtesla), adotado pela legislação suíça – para campos eletromagnéticos gerados por linhas localizadas em dois bairros de São Paulo, em razão de alegado potencial cancerígeno da radiação produzida por elas. Os desembargadores valeram-se do “princípio da precaução”: na dúvida sobre a periculosidade de determinada atividade para o meio ambiente, deve-se decidir favoravelmente a este e contra o potencial poluidor.
A solução estaria isenta de maiores questionamentos não fosse o seguinte ponto: seria o Poder Judiciário legitimado para decidir tal matéria? Ou seja, decidir sobre um critério de caráter eminentemente técnico, que repercutirá não apenas no setor elétrico, o qual deverá se adaptar ao novo limite, mas também em todos os consumidores, pelo inevitável repasse dos custos incorridos na adaptação das estruturas, mesmo que a decisão esteja respaldada por informações técnicas prestadas por especialistas?
Tais questionamentos são ainda mais relevantes se considerarmos que a Lei 11.934/09 determinou a adoção dos limites fixados pela Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP) – recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – para a exposição humana a campos eletromagnéticos gerados por sistemas de energia, atribuindo à Aneel a competência para editar regras sobre a matéria. Isso foi feito pela Resolução Aneel 398/10, que fixou valor de 83,3 mµ como limite máximo de exposição da população a campos magnéticos.
No caso da Eletropaulo, porém, o TJSP se afastou da regulação estabelecida pela entidade legal e tecnicamente habilitada – a Aneel –, sob o argumento de que o critério não era suficientemente seguro. Mais do que isso, determinou a aplicação do limite de exposição humana a campos eletromagnéticos em patamar por ele considerado confiável. E com um agravante: o TJSP entendeu que a Aneel não era parte legítima a integrar o polo passivo da demanda. Assim, a agência nem sequer foi ouvida sobre a questão.
Até o momento, a legitimidade do Poder Judiciário para decidir sobre o limite de exposição humana a campos magnéticos não tem sido o foco das discussões. A atuação da Corte Suprema tem se voltado à coleta de informações técnicas, indicando que talvez seja sua intenção determinar o nível de exposição considerado seguro. Entretanto, em situação semelhante, na qual eram contestados judicialmente os critérios técnicos utilizados pela Anatel para a definição do conceito de área local para efeitos de cobrança da tarifa, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não poderia invadir as atribuições da agência reguladora, pois feriria o princípio da separação de poderes.
Ressalte-se que o parâmetro adotado pela Lei 11.934/09 e pela Resolução 398/10 segue o padrão internacional de segurança estabelecido pela OMS, conforme limites de campos eletromagnéticos definidos pela ICNIRP, adotados em mais de 30 países. Esta, inclusive, com base em estudos recentes, revisou sua diretriz, aumentando o limite máximo de exposição admitido de 83,3 mµ para 200 mµ. A legislação brasileira, contudo, manteve o limite já fixado.
A opção pelo padrão internacional fixado pela OMS, em vez do índice mínimo de 1,0 mµ do ordenamento suíço, pode até ser questionável. No entanto, de forma alguma pode ser rechaçada pelo Judiciário sob o argumento de ser inadequada. Tal avaliação caberia, em princípio, ao administrador, nos limites da lei.
Erika Breyer e Maria Alice Doria são sócias do Doria, Jacobina e Gondinho Advogados