Opinião

Temos que focar no ótimo agora. O bom não está sendo suficiente

A liberalização não é sinônimo de desregulação e sim uma mudança de filosofia rumo a uma regulação orientada à concorrência

Por Bruno Armbrust

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Tenho lido alguns comentários com críticas à aprovação pela superintendência do Cade da operação de compra da Gaspetro pela Compass e não poderia me furtar em externar minha opinião.

Entre os anos de 2004 e 2007 fui CEO do grupo Naturgy na Itália, com operações em distribuição e comercialização de gás, e pude acompanhar o processo de liberalização do mercado de gás na União Europeia onde constatei a importância da atuação dos órgãos reguladores e de concorrência para o êxito da efetiva abertura do mercado de gás e energia na UE.

No caso específico da decisão da superintendência do Cade em aprovar, sem restrições, a operação de compra da Gaspetro, entendo que a mesma não traz nenhum efeito negativo à tão esperada abertura do mercado de gás no país.

Em primeiro lugar, existe uma grande diferença entre a Petrobras e a Compass. Apesar da Lei do Gás, a Petrobras ainda detém parcela muito significativa da comercialização do gás natural e das capacidades de transporte no país.

Em segundo lugar, estamos falando de uma atividade de rede que é um negócio sujeito a regulação. Nessa parte da cadeia da indústria do gás natural, a existência de um único operador de redes de distribuição no país, poderia até obter eficiências, que se capturadas por uma correta regulação, contribuiria sobremaneira para a modicidade tarifária.

Portanto o Cade, ao contrário da ANP, faz uma leitura correta ao indicar que poderá aprovar a operação de compra da Gaspetro pela Compass e que tal operação não traz nenhum efeito negativo ao processo de abertura do mercado de gás no país.

Cabe nesse contexto ressaltar que estamos assistindo a um princípio de abertura do mercado de gás no país, mas que está ocorrendo de forma falha e desordenada e é nesse aspecto que o Cade e a ANP deveriam centrar suas ações, de forma a garantir a efetiva concorrência e máxima transparência na comercialização do gás de forma que todos possam ter acesso às capacidades de transporte e aos clientes finais.

Até o momento não ocorreu a tão esperada concorrência na oferta de gás no país. A máxima usada para justificar o texto da lei aprovada de que “o ótimo é inimigo do bom” se confirma agora não ter sido novamente uma boa escolha para a reforma da lei do marco legal do gás. Prova irrefutável disso é a confusão que estamos assistindo, que está levando a uma excessiva judicialização do setor e que os comercializadores estão fechando contratos com as distribuidoras e não com os clientes livres, o que seria o desejável.

Fica evidente, portanto, que é preciso urgentemente introduzir ações para corrigir os rumos da liberalização do mercado de gás, em especial, dando condições para ampliar a concorrência na comercialização.

A partir da separação societária entre as atividades de comercialização e de redes e a efetiva introdução da regra de “Usar ou Ceder”, combinada com reguladores voltados para a concorrência do mercado, tudo funcionaria muito bem.

Usar ou Ceder significa que, no caso de um comercializador vir a contratar o fornecimento de um cliente específico em substituição a outro, o direito de uso das capacidades de transporte, assim como já ocorre na distribuição, passaria automaticamente para o novo comercializador.

Nesse contexto, a separação societária do negócio de comercialização do negócio de redes das concessionárias de distribuição de gás canalizado é fator fundamental.

Ao invés da ANP estar opinando desfavoravelmente à compra da Gaspetro pela Compass, deveria estar trabalhando para agilizar a democratização do acesso ao transporte, como também, estabelecendo um nível máximo de concentração de mercado desejável e o prazo em que se pretende alcançar.

A ANP junto com o Cade deveriam, nessa primeira etapa, centrar seus esforços principalmente no acompanhamento de eventuais práticas anticoncorrenciais, como por exemplo, da Petrobras buscar firmar contratos de longo prazo com as distribuidoras.

Seria fundamental que os novos contratos de fornecimento de gás que viessem a ser firmados com as distribuidoras, em especial, pela Petrobras, tivessem prazos não superiores a dois anos. É preciso incentivar a oferta de gás ao mercado livre.

O principal objetivo de um processo de abertura do mercado de gás é o de possibilitar ao cliente final um fornecimento seguro a preços competitivos, ampliando a possibilidade real dos consumidores elegerem seu fornecedor, com reais ganhos de eficiência.

O Cade e a ANP precisam estar direcionadas nesse objetivo e com sentido de urgência. A liberalização não é sinônimo de desregulação e sim uma mudança de filosofia rumo a uma regulação orientada à concorrência.

Bruno Armbrust é sócio fundador da ARM consultoria,  ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019. Também foi vice-presidente da Assogas – Associação dos Comercializadores de Gás Natural na Itália período do processo de liberalização do mercado de gás

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