Opinião

Todos no Rio de Janeiro precisam de gás, livre e barato

A regulação do mercado do RJ está atrasada frente a SP e outros estados onde já existem indústrias contratando no livre mercado

Por Bruno Armbrust

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No último dia 10 de abril foi realizada uma Sessão Regulatória Extraordinária pela Agenersa para apreciar o CUSD – Contrato do Uso do Sistema de Distribuição de gás canalizado para o Rio de Janeiro. No entanto, o que se viu foi uma proposta do “case do CUSD CSN-Shell”, conforme denominado pelo relator do referido processo, baseado numa “Regulação Flexível (Temporária)”. A conclusão do processo foi adiada pelo pedido de vista de um dos conselheiros.

Caso a proposta do relator seja aprovada, a CSN seria a única indústria a acessar o mercado livre na CEG RIO. Isso porque, na CEG RIO, somente a CSN e Guardian estariam elegíveis, por consumirem acima de 100 mil m3/dia, conforme previsto no contrato de concessão e aceito como parâmetro pela concessionária.

No caso da Guardian, não haveria motivação para a migração ao mercado livre, na medida em que seu custo do gás é subsidiado pelas demais indústrias (prática denominada de custo alocado), fazendo o custo do gás repassado na sua tarifa ser equivalente a 11,5% do Brent contra 13,5% do Brent equivalente que pagam as demais indústrias da CEG RIO, incluída a CSN. No caso da CEG, o custo do gás publicado pela Agenersa, que baliza os preços desse trimestre, se situa em torno de 14,3% do Brent para as indústrias.

No caso da migração de 100% do volume da CSN para o mercado livre, estima-se que as demais indústrias que continuarão no mercado cativo, como Nestlé, Michelin, Votorantim, Sal Cisne, GE, Ambev Piraí, IBR Lam, Greenpeople, dentre outras instaladas na área de concessão da CEG RIO, terão o seu custo do gás incrementado entre 2% e 3% em relação ao já alto custo atual. Ou seja, poderá alcançar 14% do Brent. Nesse momento, em que o gás europeu TTF, está a menos de 10% do Brent estamos falando de um custo do gás 40% mais caro no RJ.

Nessa conjuntura, considerando que a CSN representa, em volume, mais de 50% da CEG RIO, a pergunta que fica é: por que a Naturgy não adquiriu para o mercado cativo da CEG RIO, o gás que agora é oferecido pela Shell à CSN? Tal aquisição, além de diversificar seu portfólio de comercializadores, como acontece com outras distribuidoras, possibilitaria compor um mix de gás mais barato, beneficiando a todos os consumidores da CEG RIO.

Surpreende que, na referida Sessão, nada foi mencionado em relação aos demais consumidores. Inclusive, o representante da Firjan, que também representava o Sindirepa, defendeu e elogiou a proposta que prejudica quase a totalidade das indústrias do Rio de Janeiro e mencionou que o mercado veicular não era objeto daquela Sessão Regulatória.

O case CSN-Shell segue a singularidade da decisão regulatória da Agenersa como no caso da térmica Marlin Azul, que permitiu a construção, pela própria, de um gasoduto direto (by pass físico e comercial à CEG RIO, criando um precedente preocupante ao sistema de gás canalizado, inclusive para outros estados).

Aprovar um CUSD é sem dúvida importante, mas deveriam ser respeitados os princípios da generalidade, da impessoalidade e do trato não discriminatório. Cabe lembrar que a Agenersa realizou duas audiências públicas sobre o mercado livre, sem resultado até o momento. Logo, aprovar um CUSD com as lacunas regulatórias que estão sendo deixadas para decisão futura mantêm, entre outros, barreiras discriminatórias e prejudicam a coletividade.

Resta esperar que o voto de vista traga aperfeiçoamentos e corrija as falhas existentes. O voto de vista deveria buscar um caráter amplo, não restritivo e que permita as indústrias e postos de GNV se tornarem elegíveis. Tal voto deveria, dentre outros, observar os impactos da Conta Gráfica e da manutenção de prática discriminatória de alocação de custo do gás que torna o gás mais caro para 99,9% das indústrias e para o GNV como comentado acima.

Vale destacar que a regulação do mercado livre do RJ está incompleta e pendente de definições prévias à definição do CUSD, como: 

  1. aprovação prévia de metodologia de quitação dos saldos da conta gráfica para os consumidores que migrem para o mercado livre ou retornem ao cativo;

  2. definição da TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição), de forma não aleatória como está previsto, mas a partir da separação contábil dos custos de distribuição e comercialização da concessionária de forma a evitar subsídios entre o mercado livre e cativo; 

  3. eliminação da prática de alocação do custo do gás que beneficia a indústria vidreira, comércio e residências que não tem aderência ao contrato de concessão;

  4. possibilidade do comercializador firmar o CUSD permitindo a esse realizar a gestão integral do consumidor o que simplificaria a vida do consumidor;

  5. garantia dos prazos de migração em alinhamento aos prazos de descontratação de gás previstos nos GSAs firmados pelas concessionárias; 

  6. eliminação das barreiras volumétricas para os segmentos de GNV e Industrial assim como já ocorre em SP e nas boas práticas internacionais, dentre outros.

No Rio de Janeiro, as vendas de gás de 2023 caíram 14,5% em relação à 2022. Na CEG, a queda das vendas foi de -13,8%. Esta redução é ocasionada, principalmente, pela baixa competitividade do GN.  Para ilustrar, em 2023 na CEG, houve uma retração das vendas de gás do mercado residencial de 7,2%, em relação a 2021. O volume de vendas do mercado residencial em 2023 foi o mesmo que o de 10 anos atrás.

Nos segmentos comercial e industrial da CEG, somente em 2023 ocorreu uma perda de mais de 100 consumidores. No caso do comércio as vendas atuais da CEG, em relação ao quinquênio passado, apresentam uma queda de mais de 37%. Na indústria, frente ao quinquênio passado, o tombo das vendas de gás na CEG chega a 18%.

O mercado de gás veicular - GNV também passa por momentos difíceis, com uma retração nas vendas em 2023 de 10% frente a 2022.  As vendas médias por posto está em cerca de 4 mil m³/dia o que não torna esse segmento elegível ao mercado livre, considerando a proposta do relator do processo do CUSD que não é aceita pelas concessionárias.

Observando esse quadro, fica clara a importância de uma correta, moderna e inclusiva regulação do mercado livre no RJ. Já se perdeu muito tempo e a regulação do mercado do RJ está atrasada frente a SP e outros estados onde já existem indústrias contratando no livre mercado.

Os contratos de concessão no RJ têm previsão expressa de consumidores livres desde Julho de 2007, inclusive com quatro consumidores de geração com contratos no mercado livre. Assim faltando cerca de três anos para o final da concessão, não parece razoável a adoção de uma solução temporária.

Apesar da importância do CUSD e da proposta do relator conter alguns pontos de avanço, está aquém das diretrizes fixadas na resolução 03/2022 do CNPE e das boas práticas internacionais.

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