Opinião

Gás da Bolívia – qual a sustentabilidade da oferta?

Por Redação

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As importações de gás natural correspondem atualmente a 51% da oferta total de gás no Brasil, com a Bolívia respondendo por 32% do total.  As distribuidoras de gás canalizado de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul dependem do gás boliviano para abastecer o mercado consumidor. O estado de São Paulo possui outros pontos de abastecimento de gás nacional, através da planta de gás natural de Caraguatatuba, que processa gás dos campos marítimos de Mexilhão e Lula e do gasoduto Rio-São Paulo, que transporta gás da bacia de Campos.  Os estados do Sul não dispõem de outras fontes de suprimento.

Em 2013, de acordo com a empresa canadense GLJ, a Bolívia detinha reservas provadas de 10.4 trilhões de pés cúbicos (Tcf), suficientes para sustentar a produção em 2013 por mais 15 anos até 2025. As reservas de gás boliviano têm permanecido estagnadas nos mesmos patamares desde 2009, uma queda brutal do volume anteriormente conhecido, de 28.9 Tcf, após rumoroso processo de recertificação. Em 2013 a reposição de reservas foi de 0.5 Tcf, inferior ao volume total produzido de 0.8 Tcf.
Em 2013, a produção bruta média de gás natural na Bolívia foi de quase 60 Mm3/dia. Para manter os volumes atualmente produzidos, de modo a atender o mercado local e as exportações para o Brasil e Argentina, a Bolívia precisaria adicionar reservas de aproximadamente 15.4 Tcf nos próximos 20 anos.

O governo boliviano trabalha com uma previsão de crescimento para 65 Mm3/dia em 2014 e 68 Mm3/dia em 2015. Nesse ritmo, o país necessitaria acrescentar cerca de 18 Tcf para manter seus compromissos com o Brasil e a Argentina e o mercado doméstico por 20 anos. A estatal boliviana YPFB anunciou no ano passado que as reservas atuais só seriam suficientes para o horizonte de 2023. Outros analistas mencionam o horizonte de 2020.

Após a nacionalização da indústria petrolífera em 2006, houve uma queda drástica do investimento em exploração e produção e das reservas de gás bolivianas. No período 2006-2010 foram investidos US$ 1,2 bilhão. Em constraste, o Peru atraiu investimentos de US$ 5,8 bilhões no mesmo período.  Uma pesquisa do Fraser Institute com 864 empresários do setor de petróleo e gás elencou a Bolívia entre as dez regiões menos atraentes para investimento, por conta das expectativas sobre o risco político.
A YPFB tinha a expectativa de investimentos de US$ 3 bilhões na cadeia de valor do gás natural em 2014, dos quais US$ 1,8 bilhão por parte da YPFB e US$ 1,2 bilhão das operadoras, Petrobras, Total e YPF. O investimento quinquenal para repor e aumentar as reservas seria da ordem de US$ 12 bilhões, com as empresas internacionais contribuindo com a metade, dedicados exclusivamente às atividades de exploração e produção.

Em 2013 a Petrobras anunciou  seu retorno ao investimento em E&P na Bolívia, sete anos após a nacionalização, após  vencer  uma licitação para explorar um campo de produção de gás no Departamento de Santa Cruz, por meio de um contrato de prestação de serviços com a YPFB.  Na ocasião a YPFB anunciou que Petrobras, Total e Repsol investiriam US$ 670 milhões de um total de US$ 818 milhões em projetos de exploração e desenvolvimento de gás natural.

Existem dois fatores conspirando contra o plano de investimentos da YPFB e portanto de crescimento das reservas de gás da Bolívia. Os principais investidores estrangeiros, a Petrobras e a YPF, passam por conhecidas dificuldades financeiras e devem priorizar escassos recursos financeiros no desenvolvimento da produção de hidrocarbonetos  em seus próprios países, Brasil e Argentina. Além disso, a queda no preço do petróleo vai ocasionar uma redução no preço da commodity gás nos contratos da Bolívia com o Brasil e Argentina.

Estima-se que o preço do gás na fronteira, antes de chegar ao gasoduto Gasbol, caia de US$ 8/MMBtu para US$ 5/MMBtu, o que reduzirá a disponibilidade de investimentos da YPFB.

O vencimento do contrato de importação de gás boliviano em 2019 poderá colocar o Brasil em uma situação de risco de suprimento e também numa situação de risco de preço, porque, se a Bolívia conseguir negociar um aumento do suprimento para a Argentina, terá uma posição de barganha mais forte com relação ao Brasil.

As alternativas para o Brasil são a importação de GNL, que no médio e longo prazo deverá continuar mais caro do que o gás da Bolívia, ou definir políticas de encorajamento à produção de gás natural, sobretudo nas bacias em terra. Em um cenário pessimista, a Bolívia poderia tentar impor preços de gás em paridade ligeiramente inferior aos preços internacionais de GNL, o que encareceria enormemente os custos da indústria e dos consumidores no Brasil.

O Brasil não dispõe de muito tempo para definir ações estratégicas que garantam o suprimento de gás natural a preços competitivos.  Projetos de gás natural e GNL levam de 3 a 5 anos para entrar em operação e a economia brasileira não pode se dar ao luxo de esperar até 2018. Em 2019 o contrato boliviano já deverá ter sido renegociado e assinado em novas bases e, dependendo das condições comerciais e dos volumes realmente disponíveis, poderá afetar a indústria e os consumidores das regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Ieda Gomes
ieda@energixstrategy.com

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