Opinião

As mudanças climáticas e a produção de energia hidrelétrica

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

É difícil fazer previsões cientificamente seguras sobre o que acontecerá com o clima e em particular com as chuvas e vazões fluviais devido ao aumento da concentração na atmosfera de gases que causam efeito estufa. Entre muitas razões, porque o aumento da temperatura causa também aumento de evapotranspiração e maior retenção de vapor de água na atmosfera. Como o vapor de água é o principal gás de efeito estufa, à primeira vista haveria um feedback positivo. Entretanto, o aumento de concentração de vapor de água também causa aumento de nebulosidade. E as nuvens causam simultaneamente um efeito de incremento ainda maior de temperatura (aprisionam as ondas longas oriundas da Terra) e um efeito contrário (refletem as ondas curtas oriundas do Sol).

Há controvérsia sobre qual dos dois efeitos associados à formação de nuvens prevalecerá. Se o efeito “tipping point” – como uma esfera que atinge o cume de uma montanha e desce ladeira abaixo – ou o efeito “joão-bobo” – como uma esfera que atinge o ponto mais baixo de uma bacia e, por mais que seja deslocada, sempre retorna ao ponto de equilíbrio. O fato é que os modelos de circulação da atmosfera adotam diferentes enfoques para representar os fenômenos relacionados ao aumento da concentração de vapor de água e da nebulosidade. Consequentemente, é grande a variabilidade de resultados.

Todavia, há convergência de resultados no que diz respeito à disponibilidade de água para a produção de energia hidrelétrica no Brasil. Lamentavelmente, vai diminuir. A Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável (FBDS) utilizou um cenário de evolução de temperatura obtido da média de 15 modelos globais de circulação (Estimativas da Oferta de Recursos Hídricos no Brasil em Cenários Futuros de Clima 2015-2100; Estudo Econômico das Mudanças Climáticas no Brasil).

Eneas Salati, o cientista que liderou o estudo sobre balanços hídricos futuros, calculou a evapotranspiração potencial e a real a partir da previsão de temperatura média e da precipitação média em quadrículas de 2 graus de latitude por 2 graus de longitude. A calibração foi feita para o período 1961-1990, levando-se em consideração medições de precipitação e de escoamento superficial disponíveis na Agência Nacional de Águas (ANA).

Entre os muitos resultados do estudo, destaco apenas a previsão da vazão média para o período de 2011 a 2040, quando comparada ao período de 1961 a 1990: deverá diminuir na ordem de 20% na bacia do rio Paraná e de 30% na bacia do rio São Francisco. Segundo Salati, “os estudos indicam que praticamente em todas as bacias hidrográficas do Brasil a tendência é de uma diminuição das vazões dos rios, cujos valores quantitativos dependem da bacia hidrográfica considerada. Esta observação é válida inclusive nas regiões em que os modelos indicam um aumento das precipitações. Nestes casos, a diminuição das vazões é decorrente das perdas por evapotranspiração causada pelo aumento da temperatura. (...) É importante relembrar que cenários futuros do clima apenas são projeções prováveis de mudanças que possam vir a acontecer como produto do aumento nas concentrações dos gases de efeito estufa. O nível de incerteza ainda é grande em relação ao que de fato possa acontecer”.

Apesar desse alto grau de incerteza, a tendência geral é de redução da produção de energia hidrelétrica. Nesse cenário, será necessário revisar para baixo os certificados de energia assegurada das usinas existentes – até o limite de 10% permitido pelo Decreto 2.655/98 –, bem como a contratação de uma maior quantidade de energia de reserva.

Adicionalmente, aqueles que se opõem de forma sistemática à construção de reservatórios contíguos às novas hidrelétricas e só admitem, ainda que com relutância, a construção de usinas a fio d’água, terão de reexaminar suas crenças. Serão chamados a examinar os prós e contras em cada caso específico, sem preconceitos. Nesse processo, é provável que cheguem à conclusão que em alguns casos é preferível, sob a estrita ótica ambiental, não desperdiçar a água durante as cheias, e sim armazená-la para uso nas estiagens.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses

Outros Artigos