Opinião
Os desafios mundiais do gás natural
No Brasil a indústria aguarda com certo grau de ansiedade os resultados do programa Gás para Crescer
Tive a oportunidade de participar recentemente de três eventos importantes para a indústria mundial de gás natural: as reuniões do Comitê Executivo da International Gas Union, em Omã, e do Comitê de Programa da LNG 2019, em Tóquio; e ainda da Conferência Gastech, também em Tóquio.
Um tema unificador desses eventos diz respeito ao papel cada vez mais importante do GNL no comércio mundial de gás. Embora apenas um projeto de liquefação tenha sido objeto de Decisão Final de Investimento (FID) em 2016, a indústria vive sob o impacto dos grandes volumes oriundos de projetos em construção nos EUA e na Austrália, e que estarão disponíveis até 2018/2019.
Apesar da perspectiva de excesso de suprimento, um grupo de empreendedores se propõe a desenvolver novos projetos de liquefação nos EUA baseados na premissa de que existem campos de gás não convencional que podem produzir economicamente a custos de US$ 1,0/MMBtu. As atividades de desenvolvimento de shale gas nos EUA estão sendo retomadas gradualmente, embora muito abaixo dos níveis 2013-2014, com um número recorde de 396 sondas adicionais de perfuração em 7 de abril de 2017. O que conduz à expectativa de que os preços do petróleo serão impactados negativamente pelo aumento progressivo da produção nos EUA.
Um segundo tópico relevante diz respeito ao impacto do desmantelamento pela administração Trump da legislação anticombustíveis fósseis do governo Obama. Além de aprovar a construção de dois oleodutos, prometeu revitalizar a indústria do carvão e do gás natural nos Estados Unidos. Seu governo também revisou diversas políticas relativas ao controle de gases que contribuem para o efeito estufa.
Um terceiro ponto, em particular nos mercados emergentes, diz respeito a como incentivar a produção doméstica de gás em um contexto de baixos preços de petróleo e de subsídios ao consumidor final. Países do Oriente Médio, Sudeste Asiático e América Latina têm encarado esse dilema por meio de aumentos graduais e lentos dos preços ao consumidor, como no caso, por exemplo, de Omã, Malásia e Argentina (na verdade um tarifaço), de política de preços mais elevados ao produtor , como no caso da Argentina, onde os produtores de shale gas têm um preço especial de US$ 7,50/MMBtu, e ainda de restrição aos volumes disponíveis para certos setores. Em Omã, por exemplo, o governo implementou uma moratória para os volumes supridos ao setor elétrico e alertou as empresas do setor a buscarem soluções alternativas. Nesse contexto, o crescimento de energias renováveis tem sido palpável.
Finalmente, a constatação da situação de preços baixos e demanda estável ou negativa nos mercados desenvolvidos tem levado as empresas de petróleo a diversificar sua clientela, incluindo em seu portfólio mercados com rating de crédito baixo, a investir no mid e downstream, por exemplo, em terminais de GNL de menor porte e em usinas termelétricas, e a buscar novas fontes de demanda além dos setores tradicionais (indústria e geração de eletricidade), por exemplo, no setor de transporte e de bunkering.
Por outro lado, no Brasil, a indústria aguarda com certo grau de ansiedade os resultados do programa Gás para Crescer. O programa terá sido vitorioso se conseguir implementar medidas que realmente impulsionem o crescimento da demanda e do mercado brasileiro de gás, que por sua vez impulsionará a diversificação e crescimento da oferta. Os desafios são enormes, porque, além de todos os obstáculos regulatórios e tributários, é preciso ter uma visão de longo prazo sobre o papel do gás na matriz energética, em um momento em que a economia brasileira se encontra estagnada.
Apesar dos desafios comerciais e regulatórios, a indústria do gás mundial natural voltou a crescer em 2016, e, como diria Mark Twain, os rumores de sua morte ou decadência foram grandemente exagerados.
A coluna de Ieda Gomes
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