Opinião
A saga da construção/montagem de FPSOs no Brasil
Não há razão de ordem pública que impeça que as partes privadas em contratos do setor de petróleo prevejam renúncias
Obviamente, construir e/ou montar um FPSO para operar em qualquer lugar não é tarefa simples, ainda mais no mercado atual.
Todos nós respondemos melhor a incentivos e desincentivos. Sem incentivos não há sentido em empreender em projetos que podem custar bilhões de dólares. Com desincentivos, partimos para outros projetos e os desincentivos, infelizmente, continuam a afugentar investimentos do Brasil.
A questão da exigência de conteúdo local irrealista é um bom ilustrativo de desincentivo para a construção de FPSOs no Brasil. Certamente a ANP tem interesse em fomentar o setor no Brasil e a própria ANP encontra restrições de variadas naturezas. E como resolver a demora de waivers para conteúdo local? Sem dúvida não é pela via de penalizar potencialmente a contratada que seja escolhida para construir e operar o FPSO. Penalidades contratuais impostas a contratadas sinalizam, negativamente para o mercado, inclusive de crédito, que não está na hora de investir no Brasil.
E não é só a questão do conteúdo local, defendido com vigor por interesses de curto prazo, inviabilizadores de soluções de médio e longo prazo, que desestimula.
Há também a questão das “garantias contratuais”, em sentido amplo. Dentro da categoria pode-se citar, por exemplo, as indemnities contratuais, ou promessas de indenização em casos previstos contratualmente, que precisam ser lógicas. Indemnities permeadas por exceções e/ou lastreadas em princípios subjetivos (como razoabilidade, boas práticas internacionais, cumprimento de toda uma legislação vaga de qualquer natureza, etc.) apenas servem para reforçar a percepção de alto risco no investimento em projetos de FPSOs no Brasil, inviabilizador desses projetos.
Padrões contratuais internacionais são essenciais para incentivar, inclusive os que preveem o sistema knock-for-knock, em que cada parte será responsável pelos danos patrimoniais e danos pessoais sofridos por ela própria, suas parceiras, seus empregados, contratados e subcontratados, independentemente da causa. Ausentes tais padrões, há significativo desincentivo.
O sistema knock-for-knock comporta exceções, sobretudo com relação a catastrophic damages. Informações a respeito de geologia, pressão e outras a respeito do campo são altamente sigilosas e são obtidas pela empresa de petróleo direta e indiretamente. Há espaço para interpretação dessas informações e, a rigor, muitas das contratadas não têm corpo técnico para tal interpretação, eis que não faz parte do objeto delas. Daí que evitar ou mitigar certos riscos depende, essencialmente, de informações que a empresa de petróleo passa para suas contratadas. Se faltam essas informações e corpo técnico porque não faz parte do serviço, não é possível obter cobertura securitária e não faz sentido econômico-contratual que essas contratadas sejam responsabilizáveis por danos de difícil ou impossível reparação (os tais catastrophic damages), inclusive por poluição advinda do poço, custos de limpeza por vazamentos, danos ao reservatório ou ao poço, ainda mais num sistema de responsabilidade objetiva por danos ambientais. Nesses casos, é prática recorrente internacionalmente que a responsabilidade das contratadas seja excluída, independente da causa. Na ausência de linguagem clara, protegendo a contratada contra catastrophic damages, há desestímulo.
Da mesma forma, uma reciprocal waiver of consequential losses clause é vital, para que fique mais claro que lucros cessantes e danos emergentes de parte a parte não serão contratualmente indenizáveis, independente da causa.
Não há razão de ordem pública que impeça que as partes privadas em contratos do setor de petróleo prevejam renúncias e limitações a direitos patrimoniais disponíveis, como são os direitos de indenização, em geral. Com algumas melhorias documentais, as tratativas para construção de FPSOs no Brasil teriam um benefício enorme, com impacto positivo na atração de concorrentes competentes.
Roberto di Cillo é advogado
pela USP e LLM pela University
of Notre Dame (EUA)