Opinião

Subida da Serra, ou qualquer projeto, merece tratamento isonômico

A continuidade da discussão sobre o gasoduto Subida da Serra esta tirando o foco do que é realmente importante para a efetiva abertura do mercado de gás no país

Por Bruno Armbrust

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A decisão recente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de impedir a operação do Terminal de Regasificação de GNL da Compass, em São Paulo (TRSP), posteriormente derrubada na justiça, reacendeu os debates sobre o gasoduto de distribuição Subida da Serra.

O surpreendente nessa discussão é que ela acabou focada no possível impacto que o Subida da Serra poderia ter nas tarifas de transporte da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e não na questão da legitimidade da construção de gasoduto de distribuição e da competência da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) em autorizar o projeto e sua operação no âmbito da 4ª Revisão Tarifária Ordinária da Comgás.

Cabe reafirmar que o Subida da Serra foi aprovado no ano de 2019 pela Arsesp, nos limites de sua competência e inteiramente dentro dos termos da legislação aplicável naquele momento e em linha com a autonomia concedida pela Constituição Federal de 1988 aos Estados para regular os serviços de distribuição de gás canalizado.

A Lei nº 14.134 (Lei do Gás) foi aprovada em março de 2021 e sancionada em abril de 2021, ou seja, dois anos depois da autorização concedida ao projeto do Subida da Serra. Em seu artigo 7°, inciso 1°, a própria Lei do Gás resguarda projetos anteriores de qualquer regulamentação que venha a ser estabelecida pela ANP: "Fica preservada a classificação do gasoduto enquadrado exclusivamente no inciso VI do caput deste artigo que esteja em implantação ou em operação na data da publicação desta Lei."

O Subida da Serra tem total aderência regulatória e foi devidamente submetido a consulta e audiência públicas, quando nada foi questionado. O projeto, pelas suas reais características e propósitos, não se configura como uma infraestrutura para realização do serviço de transporte de gás, mas sim de distribuição. Inclusive, seu trajeto é paralelo a outro gasoduto previamente existente da Comgás, o que reafirma seu perfil de reforço metropolitano da rede de distribuição local de gás canalizado entre a Baixada Santista e a Região Metropolitana de São Paulo.

Cabe questionar: se o atual sistema de distribuição da Comgás tivesse capacidade para absorver o fornecimento adicional de gás proveniente do TRSP, essa discussão estaria ocorrendo?  Ou iriam pleitear que a Comgás vendesse seu duto antigo para o transportador?

Também se faz importante ressaltar que a ANP, que está com o Subida da Serra ainda sob análise, não se manifestou em relação à construção de dois gasodutos no Estado do Rio de Janeiro. Um deles conecta um terminal de GNL a uma UTE (GNA) e o outro liga a UPGN Tecab a uma UTE (Marlim Azul), ambos com “by-pass” ao sistema de transporte.

Ficam as perguntas:

1.  Por que será que a Marlim Azul optou por não conectar sua UTE ao sistema de transporte? Será que as tarifas de transporte, em razão do impacto dos contratos legados, inviabilizariam a competitividade do projeto?

2. Um agente privado pode conectar sua indústria ou UTE a um terminal de GNL ou a uma UPGN, mas uma distribuidora não?

É de conhecimento dos agentes do mercado de gás que uma das justificativas que vêm sendo utilizadas pelas UTEs para se buscar uma conexão direta com uma fonte de suprimento é exatamente não pagar tarifa de distribuição e/ou transporte para reduzir o custo final do gás da usina.

De fato, não há uma obrigação legal para que a molécula de gás natural seja exclusivamente movimentada por gasodutos de transporte. Tanto a Lei 11.909, a primeira lei do gás, quanto a Lei 14.134 (a chamada Nova Lei do Gás, que revogou a primeira), não vedam a conexão de city gates de distribuição com unidades de processamento, estocagem ou terminais de GNL.

Os dois casos anteriores, das UTEs GNA e Marlim Azul, somam volumes de 8,3 milhões de metros cúbicos/dia (superiores aos 3,1 milhões de metros cúbicos/dia que a Comgás receberá de gás fora da malha de transporte) e conferem um impacto na tarifa de transporte aos demais consumidores estimados em 7%. As duas UTEs têm previsto uma expansão que poderá alcançar uma capacidade total de cerca de 18 milhões de metros cúbicos/dia – todo esse volume fora do sistema de gasodutos de transporte. Em nenhum dos dois casos se viu qualquer manifestação contrária da ANP ou dos transportadores.

Adicionalmente, vale lembrar que o processo de contratação de molécula, para o caso da Comgás, passa por uma chamada pública, sempre em busca da modicidade tarifária, o que não acontece nos casos das UTEs. No caso da Comgás, os comercializadores, para ofertarem ao mercado paulista, terão que competir com o GNL do TRSP e necessitarão ter um “net back city gate price” competitivo com o GNL que não tem transporte, o que introduz um componente concorrencial novo num país onde a Petrobras ainda é o “price maker”.

As UTEs GNA e a Marlim Azul e UTE de Sergipe abriram um precedente para que outras UTEs existentes como Macaé, Termorio e Norte Fluminense 1 decidam construir seus dutos diretos com “by pass” ao transporte e/ou à distribuição. O resultado disso seria um incremento na tarifa de transporte em 28% sem nenhum benefício ao mercado convencional. Ao contrário do Subida da Serra, que traz grandes benefícios aos consumidores finais.

Pela localização geográfica, as UTES Norte Fluminense e a Macaé Merchant poderiam, futuramente, buscar o mesmo caminho da Marlim Azul, se conectando direto ao Tecab. Já a Termorio poderia se conectar ao terminal da Guanabara, retirando do volume da NTS um total de 14,2 milhões de metros cúbicos/dia (NF, com 3,7 milhões de metros cúbicos/dia; Macaé, com 5,0 milhões de metros cúbicos/dia e Termorio, com 5,5 milhões de metros cúbicos/dia), tudo isso num contexto de finalização dos contratos legados da malha sudeste em 2025. Qual seria o posicionamento da ANP em eventuais casos dessa natureza num futuro próximo?

Não é cabível que o Subida da Serra, que é um importante ativo pertencente ao Poder Concedente de São Paulo e, em última instância, à sociedade paulista, seja tratado de forma diferenciada e que seja subutilizada, gerando ineficiência e deixando de contribuir para a modicidade tarifária dos consumidores paulistas.

Curioso que a ANP esteja preocupada, no caso da Comgás, com a redução da movimentação do gás no gasoduto de transporte, enquanto existem tantos outros exemplos de “by pass” no transporte pelo país, sem que ela tenha se manifestado. A capacidade que a Comgás deixará de utilizar da NTS ficará disponível para algum comercializador ofertar gás aos clientes elegíveis de São Paulo, a partir do aumento da oferta de gás no país, possibilitando um ambiente de efetiva concorrência.

Questionamentos de projetos como o Subida da Serra trazem perturbações indesejáveis nesse momento e, consequentemente, insegurança na realização de novos e necessários investimentos em infraestrutura no país.

É notório que a ANP lida com dificuldades para executar sua extensa agenda regulatória, que lhe foram imputadas pela Nova Lei do Gás. A continuidade dessa discussão, sobre a qual não deveria restar dúvidas (o Subida da Serra é, desde sua origem, um gasoduto de distribuição!!!), acaba por tirar o foco da ANP que é realmente importante para a efetiva abertura do mercado de gás no país.

Entraves para a competitividade do mercado de gás são pontos importantes na agenda de trabalho do Ministério de Minas e Energia e de diversas comissões do Congresso Nacional. O diagnóstico é que o desenvolvimento do mercado brasileiro de gás passa, acima de tudo, por uma molécula de gás competitiva. O Brasil não pode mais perder tempo obstruindo infraestruturas que já poderiam estar gerando benefícios para a economia brasileira e ampliando a competitividade do mercado de gás.

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