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Brasil vai precisar de reversíveis no começo da próxima década

A velocidade de expansão das fontes variáveis antecipa a necessidade de construir sistemas de armazenamento, evitando inclusive o curtailment. Um mapeamento indica 5.500 locais possíveis para a construção de UHRs servirem como baterias renováveis.

Por Chico Santos

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Fengning, de 3,6 GW na província de Hebei, na China, foi concluída em outubro e assumiu a liderança como maior usina reversível do mundo (Foto: State Grid Corporation of China)

Em meados de 2019 um conjunto de órgãos e empresas, incluindo a estatal EPE, sob coordenação do Gesel/UFRJ, iniciou um projeto de P&D patrocinado pela CPFL, no âmbito do programa de pesquisas da Aneel, para definir a viabilidade técnica e econômica da construção de usinas hidrelétricas reversíveis (UHRs) no Brasil.

A conclusão, dois anos depois, foi positiva. Sim, as reversíveis, embora tenham um custo elevado de construção, seriam alternativas viáveis e necessárias para suprir o SIN de flexibilidade e potência, à medida que cresce no país a presença das fontes variáveis. Com base nas projeções dos Planos Decenais de Energia (PDEs) da EPE, calculou-se que as UHRs só precisariam estar disponíveis ao sistema por volta de 2039.

Passados cinco anos do início do estudo, muita coisa nova aconteceu. A principal é o crescimento explosivo da presença das fontes eólica e, principalmente, solar na matriz elétrica brasileira.

De acordo com dados da EPE, em 2019 a matriz elétrica brasileira era amplamente dominada pela fonte hídrica, com 64,9% do total. A fonte eólica respondia por 8,6% e a solar, por 1%.  Agora, em novembro de 2024, segundo a publicação “O Sistema em Números” do ONS, a participação das hídricas caiu para 47,2% (107.965 MW) enquanto a da eólica saltou para 14,1% (32.325 MW) e a da solar centralizada quase multiplicou por sete, chegando a 6,8% (15.466 MW) do total.

A ressaltar que na conta da solar não estão incluídos 34.211 MW da micro e minigeração distribuída (MMGD), que sozinha representa 15% da matriz total de 228.607 MW. Sem a MMGD, as participações das hídricas, eólicas e solares centralizadas sobem para, respectivamente, 55,54%, 16,63% e 7,95%, sendo mais adequadas para comparar com os números de 2019 da EPE.

No campo do armazenamento, surgiram as baterias, principalmente de lítio, cada vez mais usadas nesta década para cobrir oscilações entre oferta e demanda de energia nos países desenvolvidos, onde a expansão das variáveis antecedeu a brasileira.

O caso mais emblemático é o do estado norte-americano da Califórnia, cujas oscilações da oferta x demanda ao longo do dia, decorrentes do fluxo natural da geração solar fotovoltaica, levaram o Caiso, operador independente local, a traçar em 2013 um gráfico celebrizado como a “curva do pato”, pela semelhança com o perfil da ave. Premida pelos constantes apagões, a Califórnia correu para instalar em tempo recorde cerca de 10 GW de baterias nos últimos dez anos.

Bath County: usina de 3GW na Virginia (EUA), segunda maior reversível do mundo (Foto: Divulgação/NHA)

Todo este cenário novo levou o economista Roberto Brandão, coordenador do P&D e pesquisador sênior do Gesel, a antecipar em mais de meia década sua estimativa sobre quando as UHRs precisarão estar disponíveis para o SIN. “A gente poderia pensar em ter reversíveis operando em 2033 ou 2034”, pondera o especialista, já incorporando o tempo necessário para licenciamento e construção de uma hidrelétrica, mesmo no caso de uma obra menos complexa como da UHR, cujo licenciamento tende a ser mais simples que o de uma UHE convencional.

O ideal, pelas contas de Brandão, seria que o Brasil já tivesse UHRs leiloadas e contratadas e que elas pudessem entrar no sistema nos próximos seis anos, algo que ele considera praticamente impossível dado o tempo perdido até agora.

Não só por isso, mas principalmente porque a expansão rápida da solar já praticamente trouxe a curva do pato californiana para dentro do SIN, o pesquisador do Gesel/UFRJ entende que as baterias terão que chegar bem antes para resolver o problema urgente das oscilações horárias da geração e da carga.

Brandão avalia que o tempo de maturação das baterias entre o primeiro leilão e a entrada em operação será de três a, no máximo, quatro anos, considerando que no primeiro momento o licenciamento dê mais trabalho. Tanto que o leilão de baterias que o MME quer fazer em 2025 é no formato A-4 entre a contratação e a operação. Elas serão a linha de frente para minorar o já célebre curtailment das variáveis.

Complementares

Mas o especialista não vê incompatibilidade entre as duas alternativas destinadas a garantir a confiabilidade do SIN em um contexto de predomínio de fontes variáveis e para o qual as hidrelétricas convencionais não foram dimensionadas. Até porque elas têm sérias restrições de flexibilidade técnicas, associadas aos esforços sobre as máquinas, e socioambientais, relacionadas com as oscilações das vazões a jusante dos reservatórios.

Brandão explica que enquanto a bateria vai funcionar para os déficits e superávits horários, carregando no sol da manhã, quando a carga está baixa e a geração solar alta, e injetando no fim da tarde, na hora que os painéis fotovoltaicos começam a perder eficiência, as UHR são para compensação semanal ou até um pouco além, bombeando água para os reservatórios superiores com as sobras de energia das variáveis, especialmente eólica, nos fins de semana para gerar nos dias úteis.

Entre as muitas perspectivas que a chegada das UHRs pode trazer está a possibilidade de gerar muita energia usando um mínimo de espaço e a fartura de possibilidades de localizações para essas usinas no Brasil.

Em outubro de 2024, foi lançado o livro “Manual de Inventário de Usinas Hidrelétricas Reversíveis”, uma espécie de segundo tempo daquele P&D de 2019 a 2021. Também coordenado pelo Gesel/UFRJ e com as participações de outros atores como a Thymos Energia e a Unicamp, e de vários especialistas, muitos deles vindos do trabalho anterior, o manual foi patrocinado pela filial brasileira da chinesa State Grid, que já era controladora da CPFL no P&D anterior.

Na apresentação, a patrocinadora, que é hoje a maior investidora em UHRs do mundo, destaca o papel dos sistemas de armazenamento para “fornecer potência firme em horas de alta demanda, substituir a geração térmica [fundamental na transição energética] de ponta e absorver o excesso de energia durante os períodos de alta produção de geração variável” entre outras virtudes.

“Neste contexto, as Usinas Hidrelétricas Reversíveis destacam-se por sua capacidade de viabilizar projetos de grande porte, tanto em termos de potência quanto de energia armazenável. Essas usinas representam a melhor solução para o armazenamento de longa duração, já que podem operar tanto em ciclo diário como também em ciclos semanais, mensais ou sazonais”, continua o trabalho.

Os levantamentos feitos durante o estudo mapearam nada menos de que 5.500 localizações possíveis para UHRs na faixa de 1 GW no Brasil.

O engenheiro e especialista em armazenamentos Julian Hunt, que atuou nos dois P&Ds pelo Gesel e que hoje está na Arábia Saudita, na King Abdullah University of Science and Technology (Kaust), pesquisando localizações para armazenamento de água dessalinizada para o governo local, vê o desenvolvimento das UHRs no Brasil mais associado à complementação da geração eólica e afirma não faltarem locais para construí-las, inclusive na região Nordeste, onde ficam os principais clusters eólicos do Brasil.

“Só precisa que tenha água e altitude”, destaca. Defensor ferrenho das soluções hidrelétricas, embora, assim como Brandão, entenda que a solução mais imediata para o desequilíbrio trazido pela expansão da fonte solar virá das baterias, especialmente pela vertiginosa disponibilização e barateamento da alternativa, Hunt é autor de um mapeamento no Brasil que identificou oportunidade de UHR até conjugada ao Canal Norte da transposição do São Francisco, no Sertão da Paraíba.

O recém-lançado manual de inventário das UHRs encerra seus dez capítulos com um projeto completo para a construção de uma UHR de 2 GW (18 horas de armazenamento) associada ao reservatório da UHR Irapé (360 MW), no rio Jequitinhonha, usando apenas 1% da água do pequeno reservatório da usina. Com uma ótica alinhada à visão de Hunt, o projeto busca sinergia com o cluster eólico do Norte de Minas Gerais. O custo da usina seria de R$ 12,97 bilhões, ou R$ 6.484 por kW instalado.

Brandão avalia que o reservatório de uma UHR desse porte pode ser feito em uma área de apenas 10 km2, menor do que o limite máximo definido pela regulação para o reservatório de uma PCH, cuja capacidade máxima é de 30 MW, que é de 13 km2.

Para o especialista, a publicação do manual representa uma importante contribuição do setor para preencher uma lacuna até então existente. Se é necessária e viável econômica, social e ambientalmente, o que falta para sair do papel?

Brandão responde que falta política pública que defina diretrizes para a Aneel traçar as regras para a elaboração dos projetos, proporcionando segurança aos investidores. “Resolvido isso, que é uma tarefa do Executivo, garanto que vamos ter muitos projetos”, conclui.

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