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Inventários de PCHs já concluídos dariam uma nova Itaipu

Números da Aneel dão conta ainda que as PCHs e CGHs operando, em construção ou já outorgadas somam quase uma UHE Tucuruí

Por Chico Santos

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PCH Retiro Velho (18 MW), da Brasil PCH, instalada no município de Aporé, em Goiás (Foto: Grupo HTB)

Rodrigues é um engenheiro eletromecânico que faz parte de uma confraria de amigos unidos pela literatura no romance “A guerra está em nós” (1968), terceiro da trilogia “O espelho partido”, uma série inacabada do escritor carioca Marques Rebelo (1907-1973). O livro entremeia o dia a dia de Eduardo, narrador e personagem principal, e seus amigos com notícias da Segunda Guerra Mundial, resultando numa crônica do que se passava no Brasil e no mundo nos anos 1940.

Um dia, finalmente, Eduardo cede aos convites de Rodrigues para passar uma temporada no seu “refúgio” no Espírito Santo. O engenheiro mora com a família que constituiu no local em que chegou por acaso e não mais deixou. Anos antes havia sido designado pela construtora onde trabalhava no Triângulo Mineiro para examinar a possibilidade de recuperação de uma pequena hidrelétrica de um líder político do interior capixaba. A usina estava dando prejuízo.

O diagnóstico é rápido. A velha usina carecia de cuidados técnicos e modernização do maquinário. Seduzido pelo projeto e pela neta do cacique, Rodrigues entra na sociedade e salva a usina, fazendo dela seu novo e próspero meio de vida. Recupera também a casa-sede da hidrelétrica para nela viver e constituir família. “Isto aqui é um refúgio, um refúgio que a nossa pródiga natureza me ofereceu e que eu ajudei a prosperar com meu trabalho”, diz ao amigo Eduardo durante um passeio pelas instalações e arredores.

O refúgio de Rodrigues hoje se chamaria Pequena Central Hidrelétrica (PCH) e talvez ele, seduzido pelas facilidades urbanas, optasse por fazer dela apenas sua fonte de renda ou até um refúgio ocasional. Daqueles anos 1940 para cá a “pródiga natureza” brasileira permitiu que as hidrelétricas se multiplicassem, crescessem e se tornassem a base energética do desenvolvimento econômico do país.

No final dos anos 1990, quase 60 anos após a época em que se passa o romance de Rebelo, o Brasil redescobriu as pequenas hidrelétricas como alternativas para, ao lado das grandes, aproveitar as quase infinitas possibilidades oferecidas pela natureza para gerar energia limpa, barata e sustentável.

De acordo com dados disponíveis no site da Aneel, existem atualmente em operação no Brasil 428 PCHs e 681 Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), totalizando 1.103 usinas de até 30 megawatts (MW) de capacidade de geração e somando uma capacidade instalada total de 6.690,1 MW. As PCHs somam 5.833,8 MW e as CGHs, 856,3 MW.

Para o leitor menos familiarizado com as minúcias das fontes de geração elétrica, simplificadamente, CGH é uma usina com menos de 5 MW de capacidade e cuja construção precisa ser comunicada à agência reguladora, mas não depende de uma permissão (outorga) formal, carecendo somente de uma autorização da agência de águas (ANA) para uso de recursos hídricos.

Já a sigla PCH engloba as hidrelétricas com capacidade entre 5 e 30 MW e sua construção depende de uma outorga de autorização da Aneel, forma de permissão mais simplificada do que uma concessão, categoria a que estão sujeitas, por exemplo, as usinas hídricas com mais de 30 MW (UHEs). Tanto PCHs quanto CGHs estão sujeitas ao licenciamento ambiental do órgão competente.

As estatísticas da Aneel apontam ainda que em outubro deste ano estavam em construção no Brasil 31 PCHs, somando 441,7 MW, e quatro CGHs (11,1 MW), totalizando 452,8 MW. Com outorga, mas com a construção ainda não iniciada, o site da agência aponta 59 PCHs com 758,7 MW de potência projetada.

Somadas, as pequenas hidrelétricas em operação, em construção e as já outorgadas acumulam capacidade instalada de 7.902,6 MW, muito perto da capacidade total da UHE Tucuruí (8.370 MW), segunda maior hidrelétrica brasileira e sétima do mundo.

Mas se a conta incluir os aproveitamentos já identificados (inventariados) mas não projetados, vai muito mais longe. De acordo com o Caderno de Tecnologias de Geração 2023 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil ainda possui um potencial de pequenas hídricas a desenvolver de 14 mil MW, o que equivale uma Itaipu Binacional, a segunda maior usina do mundo.

A EPE ressalva que esse potencial é teórico, ou seja, a depender de limitações técnicas, econômicas e/ou ambientais, uma parte pode não se viabilizar. Feita a ressalva, somados os inventários com as outorgas e as usinas operando, as pequenas hidrelétricas podem chegar a cerca de 22 mil MW de capacidade, mais de 10% da atual capacidade instalada do SIN.

O histórico de construção de pequenas hídricas da Aneel, iniciado em 1997, quando a agência foi fundada, mostra que a partir de 2002, após o susto que o país tomou com o apagão iniciado no ano anterior por falta de investimentos no setor, as PCHs reaparecem como uma das principais alternativas para reequilibrar oferta e demanda com energia de base não poluente.

De apenas um MW incorporado em 2001 a estatística de novas PCHs/CHGs salta para 56 MW em 2002, chega a 268 MW no ano seguinte e em 2008 alcança o recorde de 643 MW incorporados à matriz. Após 2013 o ritmo de entrada em operação de novas pequenas usinas arrefeceu e a estatística tem se mantido entre as casas dos 100 e 200 MW anuais.

Avanço no IDH e queda da desigualdade

A presidente da ABRAPCH, Alessandra Torres, destaca que as hidrelétricas, tanto as pequenas quanto as grandes, desempenham papeis que vão muito além da geração de energia e ressalta que o Brasil, com 12% da água doce disponível no mundo, não pode abrir mão de continuar desenvolvendo essa vocação.

“A gente precisa olhar para essa fonte [hídrica] com mais carinho, com mais cuidado, entendendo qual o papel exato que esses empreendimentos têm não só no setor elétrico, mas para os vários usos da água, entender que o armazenamento vai ser cada vez mais fundamental nestes tempos de mudanças climáticas”, pondera.

Torres afirma que PCHs e CGHs representam “desenvolvimento regional na veia” e cita o estudo feito pela Aneel mostrando que de 2000 para 2010 o IDH de 176 municípios que eram sedes de pequenas hidrelétricas aumentou 19,9%, passando de 0,594 para 0,712 na média.

No mesmo período, a renda per capita desses municípios cresceu 38,6%. O estudo mostrou ainda que no espaço de uma década o percentual de municípios em situação de alta desigualdade caiu de 83% para 40%.

A dirigente cita outro indicador importante das PCHs, este apurado pelo órgão ambiental do Paraná (IAT). O levantamento mostrou, segundo ela, que as PCHs no estado estão reflorestando três vezes mais do que a supressão vegetal feita para instalação dos empreendimentos.

Em relação às afirmativas de que as PCHs modificam radicalmente os ambientes onde são instaladas, muitas vezes inviabilizando vocações turísticas, Torres argumenta que os empreendedores do segmento vêm mostrando uma preocupação cada vez maior em evitar que as novas usinas conflitem com vocações estabelecidas e cita o caso da PCH Sacre II, no rio Sacre, Mato Grosso.

Instalada no município de Campo Novo dos Parecis (MT), a usina de 30 MW não só desenvolveu a alternativa de construir um canal de adução na margem esquerda do rio para evitar comprometimento à cachoeira Salto Belo, que permaneceu intacta, como também implementou um acordo com o povo indígena Haliti-Paresi que, segundo Torres, foram os primeiros indígenas no Brasil a negociar o recebimento de royalties pela instalação de uma PCH em suas terras.

De acordo com ONG Operação Amazônia Nativa (Opan), a construção da PCH deslocou a aldeia Sacre II, do povo Haliti-Pareci, com o consentimento da comunidade, mas a aldeia foi reconstruída a 500 metros do antigo local. Ainda segundo a Opan, a usina, em operação comercial desde 2006, repassa uma renda anual aos indígenas, a título de compensação permanente, que a distribuem entre suas comunidades. A Sacre II pertence desde 2022 à CSN.

A presidente da ABRAPCH destacou ainda que os reservatórios das PCHs, assim como os das grandes hidrelétricas, ajudam a preservar os aquíferos subterrâneos nas suas regiões, dão destinação adequada ao lixo que as águas levam às grades de proteção das suas máquinas e representam a ponta de uma cadeia produtiva 100% nacional. O engenheiro Rodrigues, provavelmente, assinaria embaixo.

Veja o vídeo da solução do Grupo Idec para a PCH Sacre II 

 

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