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O apetite das hidrelétricas na volta aos leilões

Doze hidrelétricas estão aptas a disputar o Leilão de Capacidade com 5.476 MW oferecidos, só com a instalação de máquinas em “poços” existentes nas usinas

Por Chico Santos

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Hidrelétrica de Segredo, de 1.260 MW, vai adicionar a maior capacidade ao sistema, caso vença o leilão, dobrando a sua potência para 2.526 MW (Foto: Divulgação Copel)

O leilão de reserva de capacidade (LRCAP) marcado para o dia 27 de junho deste ano poderá contratar um aumento da geração hidrelétrica de 5,03% em relação à capacidade instalada de 109.103,5 MW existente no dia 31 de dezembro de 2024. E esse potencial guardado pode ser realizado sem a construção de qualquer nova usina de porte superior a 50 MW ao longo dos próximos cinco anos.

O percentual representa os 5.476 MW adicionais que as 12 UHEs inscreveram para participar do leilão da Aneel, por meio da obtenção do DRS-EVTE*, documento requerido no processo de licenciamento ambiental da ampliação de cada unidade.

A UHE Jacuí, pertencente ao grupo CSN, não poderá concorrer ao certame porque fará a repotenciação das suas seis unidades geradoras de 30 MW cada, para aumentar sua capacidade para 223,34 MW. Consultada pela Brasil Energia, a EPE esclareceu que a portaria do MME que definiu o leilão permite apenas “novas unidades geradoras” em usinas existentes.

O prazo final para habilitação dos interessados em participar da disputa terminou dia 14 de fevereiro. A habilitação envolve todos os produtos a serem disputados no leilão, englobando disponibilidade de potência por térmicas a gás e a biocombustível, novas e existentes, e por hidrelétricas, em blocos anuais sucessivos a partir de julho de 2026 até julho de 2030.

As hidrelétricas estão envolvidas apenas no bloco para fornecimento a partir de 2030, o que contrariou a Abrage, associação do segmento, para quem muitas UHEs têm condições de serem ampliadas em prazos bem menores que os cinco anos que vão separar o leilão da entrega do produto. As ampliações não implicam em aumentos de áreas ou de barragens, o que agiliza os licenciamentos.

Três geradoras e seis usinas

Das 12 UHEs que obtiveram o DRS-EVTE e que se enquadram nas regras do leilão, a Eletrobras, a Engie e a Copel entram com duas usinas cada, enquanto Auren, SPIC, Cemig, Enel, Light e Neoenergia entram com uma ampliação.

Em outubro de 2019, a EPE publicou um grande estudo sobre a ampliação da capacidade hidrelétrica no Brasil via modernização, repotenciação e ampliação de usinas existentes que se tornou referência no tema.

Lá, foram listadas 12 UHEs com maiores possibilidades de ampliação por disporem de “poços” nas estruturas de suas barragens, total ou parcialmente prontos para receberem novas unidades geradoras (UGs). Pela quantidade de “poços” existentes, essas usinas poderiam ampliar em 7.240 MW a capacidade instalada de hidrelétricas no país.

Dessas 12, oito estão no grupo das usinas que iniciaram, via Aneel, o percurso regulatório para disputar o LRCAP de junho. São elas Salto Santiago e Jaguara (Engie), Foz do Areia (Copel), Itaparica (Eletrobras), Porto Primavera (Auren), Cachoeira Dourada (Enel), Três Marias (Cemig) e São Simão (SPIC).

Das 12 da EPE, não buscaram o DRS-EVTE as usinas Três Irmãos e Xingó (Eletrobras), Rosana e Taquaruçu (CTG Brasil). Paralelamente, obtiveram o documento quatro usinas que não estavam na lista das ampliáveis da EPE: Coaracy Nunes (Eletrobras), Segredo (Copel), Fontes Nova (Light) e Itapebi (Neoenergia).

Ampliação da hidrelétrica de Coaracy Nunes, no rio Araguari (AP), está programada desde muito antes do surgimento do leilão, com o intuito de reduzir a dependência de energia térmica do Amapá (Foto: Divulgação)

A Eletrobras explicou à Brasil Energia que a UHE Três Irmãos, de 807,5 MW, não pode se credenciar para o leilão por ser usina 100% incluída no regime de cotas de distribuição criado pela Lei 12.783/2013. As usinas nesta condição estão impedidas de participar do LRCAP pela Portaria nº 96/2024. Só podem disputar o leilão as UHEs cotistas que tenham parte de suas garantias físicas fora do regime.

Todas as usinas pertencentes à Eletrobras que eram cotistas em junho de 2022, quando a empresa foi desestatizada, passam por um processo gradativo de descotização de 20% ao ano desde janeiro de 2023, de modo que elas estarão 100% descotizadas em janeiro de 2027.

Mas na época Três Irmãos pertencia à Tijoá Participações, SPE formada pela Juno Participações (50,1%) e por Furnas, então subsidiária da Eletrobras (49,9%), tendo ficado fora daquele esquema de descotização definido pela Lei nº 14.182/2021, a da capitalização da Eletrobras.

Três Irmãos possui cinco UGs de 161,5 MW cada e estruturas prontas para receber outras três do mesmo porte, o que aumentaria sua capacidade instalada em 484,5 MW, para 1.292. A usina, última da cascata do rio Tietê (SP), foi inaugurada em 1991.

Já o caso de Xingó, também última da cascata, só que do rio São Francisco (AL/SE), sexta maior UHE 100% nacional (exclui Itaipu), com 3.162 MW de capacidade, distribuída por seis UGs de 527 MW cada, é diferente.

Ela tem na estrutura quatro poços que podem, segundo o estudo da EPE, transformá-la na terceira maior UHE brasileira, com 5.162 MW (mais quatro UGs de 500 MW), ou 5.270 MW, caso a geradora opte por acrescentar UGs do mesmo porte das atuais. Segundo a Eletrobras, foi preservada para oportunidades mais à frente.

Última usina da cascata do rio São Francisco (AL/SE) e sexta maior UHE 100% nacional (exclui Itaipu), Xingó, com 3.162 MW, tem quatro poços que, com novas UGs de 500 MW, podem transformá-la na terceira maior UHE brasileira; mas a Eletrobras decidiu preservá-la para oportunidades mais à frente (Foto: Divulgação Eletrobras)

Itaparica, atual Luiz Gonzaga, e Coaracy Nunes, as duas usinas que a Eletrobras incluiu nas possíveis disputantes do LRCAP, têm, respectivamente, 1.479,6 e 78 MW de capacidade e, caso vençam o leilão, passarão a 2.466 e 298 MW. A primeira opera desde 1988 e a segunda, desde 1970.

Localizada no rio São Francisco (PE/BA), ligeiramente a montante do Complexo Paulo Afonso, também da Eletrobras, Itaparica receberá quatro UGs de 246,6 MW cada. Coaracy Nunes, no rio Araguari (AP), acrescentará duas de 110 MW cada.

A ampliação da usina amazônica, que está programada desde muito antes do surgimento da oportunidade representada pelo LRCAP, como alternativa para reduzir a dependência de energia térmica do Amapá, era 100% cotista, mas foi beneficiada pelo esquema de descotização da lei 14.182.

Das duas usinas da Copel que obtiveram o DRS-EVTE da Aneel para disputar o leilão, também uma, Segredo (Gov. Ney Braga), não constava do estudo da EPE como uma das ampliáveis, mas é justamente a UHE que acrescentará maior quantidade de potência ao sistema, caso vença o leilão.

Ela somará três UGs de 422 MW (1.266 MW) às três de 420 MW (1.260 MW) hoje existentes, mais que dobrando a capacidade para 2.526 MW, roubando o sétimo lugar de Paulo Afonso IV (2.462 MW) entre as maiores UHEs nacionais. Segredo foi inaugurada em 1992.

A outra usina da Copel na disputa é Foz do Areia (Gov. Bento Munhoz da Rocha Netto), hoje a maior da cascata do rio Iguaçu (PR), onde também fica Segredo, com 1.676 MW.

Pelo projeto levado à Aneel, ela somará duas UGs de 430,2 MW cada, passando a ter capacidade de 2.536,4 MW. Foi uma das primeiras usinas a pleitear o DRS-EVTE da Aneel, tendo obtido o registro em 11 de setembro do ano passado, menos de um mês após a privatização da Copel.

Itaparica, em operação desde 1988, tem 1.479,6 MW de potência e receberá quatro UGs de 246,6 MW cada (Foto: Divulgação)

A Engie Brasil, de capital francês, segunda maior geradora do país, é a terceira das que têm duas usinas encaminhadas para disputar o LRCAP, com Salto Santiago, no rio Iguaçu, e Jaguara, no rio Grande (MG/SP). Ambas estão, basicamente, dentro do padrão previsto no estudo da EPE.

Pelo projeto, Salto Santiago pode passar dos atuais 1.420 para 2.130 MW, somando duas UGs de 355 MW (710 MW) às quatro do mesmo porte que operam desde 1980. Jaguara, inaugurada em 1971, passará de 424 MW (quatro UGs de 106 MW cada) para 656,5 MW, somando duas UGs de 116,5 MW.

São Simão vai usar só ¼ do possível

Pelo estudo da EPE de 2019, a UHE São Simão, da chinesa SPIC, seria a segunda maior ampliação possível, passando dos atuais 1.710 MW para 2.850 MW com o acréscimo de quatro UGs de 285 MW (1.140 MW) às seis do mesmo porte hoje existentes.

Mas desde o anúncio do LRCAP feito no ano passado que a empresa optou por ocupar neste primeiro momento apenas um dos quatro “poços” livres existentes na sua barragem, última da cascata do rio Paranaíba (GO).

No final de janeiro deste ano a CEO da empresa, Adriana Waltrick, anunciou que disputaria o leilão com apenas uma UG de 310,5 MW, concretizando o planejamento original.

Com isso, São Simão poderá passar a ter 2.020,5 MW de capacidade, permanecendo com três “poços” disponíveis para futuras ampliações. A usina opera desde 1978 e originalmente pertencia à Cemig, tendo sido arrematada pela SPIC em leilão realizado pela União em 2017.

A Cemig, que também perdeu Jaguara em 2017, vai para o leilão com a ampliação em 163 MW da UHE Três Marias. A usina, primeira da cascata do rio São Francisco, inaugurada em 1962, poderá passar dos atuais 396 MW (seis UGs de 66 MW) para 559 MW, somando duas UGs de 81,5 MW, segundo o projeto levado à Aneel.

A ampliação de Porto Primavera (Engº Sérgio Motta), da Auren, para a disputa será quase que exatamente dentro do previsto no estudo da EPE, somando quatro UGs de 109,8 MW (total de 439,2) às 14 de 110 MW hoje existentes e que dão os seus 1.540 MW de capacidade instalada. Opera desde 1999.

As três menores ampliações entre as usinas que se mobilizaram para disputar o LRCAP serão, respectivamente, das UHE Fontes Nova, Cachoeira Dourada e Itapebi. Das três, apenas a segunda, da Enel, está no estudo da EPE. Localizada no Paranaíba (GO/MG), a usina vai receber uma nova UG de 98 MW, passando dos atuais 658 MW para 756 MW.

Hidrelétrica de São Simão, de 1.710 MW, vai disputar o leilão com apenas uma máquina, de 310,5 MW, permanecendo com outros três poços disponíveis para futuras ampliações (Foto: Divulgação)

Fontes Novas, da Light, localizada no Complexo Lajes (RJ), que aproveita a transposição do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu com o objetivo de abastecer a Região Metropolitana do Rio de Janeiro para gerar energia, projeta receber três novas UGs de 53,33 MW cada, somando 160 MW à sua capacidade atual de 132 MW e passando a poder gerar até 292 MW.

Finalmente, a ampliação da UHE Itapebi, no rio Jequitinhonha (BA), será a menor programada para a disputa do leilão. O projeto enviado pela Neoenergia para a Aneel prevê a instalação de duas novas UGs de 15 MW cada, com a capacidade de geração da usina, inaugurada em 2003, passando de 462 para 492 MW.

Cabe ressaltar que as ampliações decorrentes de vitórias no LRCAP não somarão às usinas para despacho diário de energia pelo ONS. Elas ficarão disponíveis para as necessidades instantâneas de potência do SIN e receberão uma receita anual fixa por isso, à moda das linhas de transmissão.

*Despacho de Registro de Adequabilidade do Sumário Executivo do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica

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