Revista Brasil Energia | Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade
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Reversíveis para controle de cheias no Rio Grande do Sul
Trabalho de seis pesquisadores propõe a construção de quatro barragens, sendo três de UHRs e uma de UHE para controle das inundações. Mesmo em eventos extremos, muito pode ser mitigado.
Três eventos consecutivos, em menos de sete meses, ceifaram vidas e expuseram a fragilidade dos mecanismos de defesa das pessoas e das atividades econômicas no Rio Grande do Sul. O período entre enchentes parece se estreitar na mesma proporção com que aumenta a quantidade de água que desce das serras, sinalizando novos parâmetros trazidos pelas mudanças climáticas.
A sequência começou em setembro do ano passado, quando o nível do Lago Guaíba, desaguadouro natural das torrentes destrutivas em que se transformam os rios Taquari/Antas, Jacuí, Caí e dos Sinos, chegou a 3,18 metros, até então segundo maior da história das medições. Em novembro, a cota de setembro ficou para trás, com o lago alçando o nível de 3,46 metros, obrigando o fechamento das comportas de proteção.
Finalmente, no início de maio deste ano, o Guaíba atingiu o nível de 5,36 metros, superando o recorde histórico de 4,76 metros registrado em 1941, causando pelo menos 179 mortes, milhares de desabrigados, impactando 471 dos 497 municípios do estado, inundando grande parte de Porto Alegre e praticamente paralisando a economia gaúcha. As características geográficas e os gargalos fizeram as águas baixarem lentamente, mantendo a agonia durante semanas a fio.
Paralelamente às providências necessárias para evitar a repetição de erros, como o mau funcionamento das comportas do centro da capital, resta a questão de se encontrar uma solução estrutural capaz de controlar as próximas enchentes, evitando novas tragédias.
Veja a inundação na Grande Porto Alegre nas fotos da Nasa:
ANTES
DEPOIS
O artigo "Papel das usinas hidrelétricas reversíveis no controle de enchentes", publicado semana passada no “Journal of Energy Storage” por seis pesquisadores brasileiros, liderados pelo gaúcho Julian Hunt, indica uma solução ao custo de US$ 2,7 bilhões (cerca de R$ 15,5 bilhões), um investimento nada desprezível mas, ainda assim, no mesmo valor aproximado das reparações decorrentes da cheia de maio passado.
Especialista em armazenamento, Hunt atualmente trabalha na King Abdullah University of Science and Technology (Kaust), de Ryad, Arábia Saudita, pesquisando locais para armazenamento de água do mar dessalinizada.
O trabalho, assinado também pelos pesquisadores Cristiano Vitorino Silva (URI/Erechim-RS), Ênio Fonseca (Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico), Marco Aurélio Vasconcelos de Freitas (Coppe/UFRJ), Roberto Brandão (Gesel/UFRJ) e Yoshihide Wada (Kaust), propõe a construção de quatro reservatórios, sendo três de hidrelétricas reversíveis (UHRs) e um convencional (UHE), localizados nos rios Jacuí, Taquari/Antas, na conexão do Lago Guaíba com a Lagoa dos Patos e na conexão da Lagoa dos Patos com o Oceano Atlântico.
O conjunto de intervenções incluiria a construção de uma usina reversível, batizada de Butiá, associada ao reservatório da UHE Passo Real, no rio Jacuí, um reservatório convencional, com o nome de Encantado, no Taquari/Antas e duas reversíveis nas conexões das duas lagoas e na saída para o Atlântico.
Em entrevista, Hunt disse que os projetos realmente essenciais são os dois primeiros e que no caso das lagoas, que envolveria construir duas usinas híbridas para geração e armazenamento de água das cheias, poderiam ser buscadas outras soluções, como ampliação de canais existentes com obras de dragagem.
De acordo com o estudo, caso o conjunto de soluções existisse em maio deste ano, quando ocorreu a mais grave das últimas inundações no Rio Grande do Sul, elas teriam sido capazes de reduzir em 13 milhões de m3 o volume de água que desceu das serras, limitando o nível do Guaíba em 3,5 metros ao invés dos trágicos 5,33 metros.
O trabalho ressalta os esforços feitos para evitar os riscos de inundações no estado desde a grande enchente de 1941, incluindo a construção das barragens com reservatórios convencionais das UHEs Passo Real e Ernestina, ambas no rio Jacuí, o desassoreamento de um canal entre o Lago Guaíba e a Lagoa dos Patos em 1983 e a construção de diques e de estações de bombeamento ao redor de Porto Alegre.
“No entanto, devido à diminuição da percepção de risco de inundação, à manutenção precária e a decisões de gestão hídrica subótimas, essas medidas não foram suficientes para mitigar os riscos crescentes”, destacam os autores.
Por exemplo, como, segundo o estudo, o reservatório de Passo Real já estava com 82,5% da sua capacidade preenchida em 25 de abril, quando as chuvas começaram, ele só pode armazenar mais 520 mil m3 de água, uma pequena fração do afluxo total de 3,92 milhões de m3 naquele período.
Para aliviar o reservatório, ante o risco de chegada de mais água nos dias seguintes, foi realizada manobra de liberação de 260 mil m3 entre os dias 4 e 6 de maio, o que acabou contribuindo para o aumento do nível do Lago Guaíba e, consequentemente, da inundação.
O texto diz que a construção do reservatório superior de Butiá, criando uma UHR no arranjo local de Passo Real, resolveria o problema do Jacuí. O reservatório teria capacidade para 2,55 milhões de m3 de água, além dos 3,4 milhões de m3 do reservatório convencional de Passo Real.
A nova estrutura teria uma barragem de 78m de altura por 1.470m de cumprimento e alagaria uma área de 97 km2 hoje ocupadas por terras agrícolas pouco habitadas. “Essa localização foi escolhida porque é o local mais próximo da barragem de Passo Real e por poder armazenar uma grande quantidade de água com a construção de uma barragem relativamente pequena e barata”, dizem os autores.
Haveria ainda poucas restrições ambientais, uma vez que inexistem no local parques ou áreas de conservação. Com a construção da UHR Butiá, Passo Real poderia manter um volume de armazenamento de apenas 25% da sua capacidade, ficando com uma folga de 2,5 milhões de m3 para o caso de inundações e deixando para a UHR a tarefa de armazenar água para geração hidrelétrica e prevenção contra secas, tarefas hoje da barragem convencional.
Encantado
A outra obra estrutural descrita no artigo e considerada por Hunt como mais importante ao lado da UHR Butiá é a barragem convencional de Encantado, no rio Taquari/Antas. Ela teria capacidade para armazenar 5,43 milhões de m3, ocupando área de 113 km2. O local escolhido é um desfiladeiro íngreme em torno do rio das Antas, o que evita a necessidade de deslocar pessoas ou mesmo atividades econômicas.
Encantado poderá ter uma barragem de 200m de altura por 720m de comprimento e sua capacidade de armazenamento corresponderia a 56% do fluxo médio anual do rio, de modo que poderia usar 1,43 milhão de m3 da capacidade para geração de energia e alívio de secas, deixando 4 milhões de m3 de espaço reservados para o controle de enchentes.
E caso fosse necessário aumentar o volume do reservatório, com mais 25 metros de altura, Encantado ganharia 4,2 milhões de m3 adicionais de capacidade. O efeito colateral é que, para a construção da barragem, seria necessário acabar com as UHEs a fio d’água de Monte Claro, Castro Alves e 14 de Julho. As três juntas têm capacidade instalada de 360 MW.
Outros dois projetos adicionais, que Hunt considera substituíveis, são duas UHR com a dupla finalidade de geração de energia e controle de cheias. A primeira usaria a conexão terrestre mais curta entre o Guaíba e a Lagoa dos Patos, com um canal de 2 km e 3 km de túneis, além de uma barragem circular de 20m de altura e 4,71 km de comprimento. Armazenaria energia solar durante o dia para gerar à noite com duas turbinas conectadas a um gerador.
Numa inundação, essas máquinas poderiam bombear até quatro vezes mais água do Guaíba para a Lagoa dos Patos, aumentando a velocidade de escoamento. A outra UHR, na conexão da Lagoa dos Patos com o Atlântico, exigiria um canal de 9 km e 8 km de túneis. A barragem circular teria também 20 metros de altura e 9,42 km de comprimento.
De acordo com os cálculos apresentados no artigo, a UHR Butiá custaria aproximadamente US$ 580 milhões, a UHE Encantado, US$ 820 milhões, a UHR do Guaíba, US$ 400 milhões e a UHR Patos/Atlântico, cerca de US$ 900 milhões. Retirando as duas últimas, os custos cairiam para US$ 1,4 bilhão.
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