Revista Brasil Energia | Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade
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UHE Pedra do Cavalo: água, energia e proteção a duas cidades históricas
A hidrelétrica de 160MW aproveitou a barragem construída anos antes para controlar as cheias anuais do rio Paraguaçu nas cidades históricas de Cachoeira e São Felix e abastecer de água Salvador e Feira de Santana.
A edição de 15 de março de 1960 do jornal carioca “Correio da Manhã” dedicou a maior parte da página 7 do 2º Caderno a relatos sobre a célebre cheia que atingia naqueles dias grande parte do Brasil, especialmente os estados do Nordeste, e suas consequências desastrosas. Um desses relatos dava conta da tragédia nos municípios históricos baianos de Cachoeira e São Félix, inundadas pelas águas do rio Paraguaçu.
Em um dos trechos, a reportagem fala de “mais de duas mil pessoas” abrigadas no espaço acanhado de um convento em Cachoeira e de “milhares de vítimas” perambulando pelas ruas não alagadas de São Félix “somente com a roupa do corpo”. A cheia de 1960 foi apenas uma das muitas que flagelaram por séculos as duas cidades e a vizinha, rio abaixo, Maragogipe. Outra famosa aconteceu em 1948, quando embarcações navegando em meio aos casarões seculares provocaram comparações poéticas com a paisagem de Veneza, na Itália, abstraindo o trágico.
No final da década de 1970, últimos anos do salto econômico dado pelo país, apelidado de “Milagre Brasileiro”, o governo da Bahia resolveu dar um basta no flagelo. Os estudos já apontavam que a solução seria a construção de uma barragem para controle das cheias do Paraguaçu e o ponto escolhido, pelas características do relevo, foi uma espécie de garganta que fica apenas a cerca de 2 km rio acima das cidades gêmeas de Cachoeira e São Félix, separadas pela histórica Ponte D. Pedro II, inaugurada em 1885 pelo próprio homenageado.
A obra, segundo histórico da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), foi concluída em 1983 e a ela, como um desdobramento natural, se seguiu a construção da Estação de Tratamento de Água (ETA) de Feira, destinada a prover água potável para Feira de Santana, segunda mais populosa cidade baiana, e região, inaugurada em 1984.
A água de Pedra do Cavalo chegaria a Salvador, distante 120 km, em 1990, com a inauguração da ETA Principal, no município de Candeias. Hoje o reservatório responde por cerca de 60% do suprimento de água a Salvador e Região Metropolitana, além de Feira de Santana e entorno, cuja captação em Pedra do Cavalo está em fase de ampliação.
A vez da energia elétrica
Regularização de cheias, abastecimento humano e irrigação foram as destinações primárias, e até hoje prioritárias, da água represada em Pedra do Cavalo, além da pesca e lazer. Curiosamente, embora o Brasil tenha vivido entre os anos 1970 e 1980 um dos períodos mais férteis de crescimento da geração hidrelétrica, inaugurando usinas como Itaipu, Tucuruí, Ilha Solteira, Paulo Afonso IV, Itumbiara, São Simão e Foz do Areia, para ficar apenas entre as maiores, a barragem de Pedra do Cavalo não nasceu com a mesma vocação, embora seu perfil fosse talhado para o papel.
Somente no dia 23 de abril de 2002, sob os efeitos do vácuo de investimentos no setor que levou ao traumático racionamento de energia elétrica de 2001, é que foi assinado o contrato de concessão nº 19/2002 entre a Aneel e a Votorantim Cimentos, vencedora do leilão realizado no ano anterior, para exploração da UHE Pedra do Cavalo, de 160 MW.
O engenheiro Dejair Silva de Lima, gerente de Operações da usina, explica que, embora somente com o alerta da crise hídrica de 2001 tenha sido decidida a construção da UHE, o governo da Bahia já previa o aproveitamento desde quando o reservatório foi construído. Tanto que, segundo ele, a obra inicial já incluiu a tomada d’água e os condutos que futuramente levariam a água para o conjunto formado pelas duas unidades geradoras (UGs) que vieram a ser instaladas depois.
A UHE foi inaugurada em 2005 e desde então, conforme o relato de Lima, a geração hidrelétrica é mais uma atividade do projeto como um todo, sob a coordenação da Companhia de Engenharia Ambiental e de Recursos Hídricos da Bahia (Cerb). O executivo explica que a Votorantim participa dos vários fóruns responsáveis pela gestão do reservatório, como o comitê de bacia e a Área de Proteção Ambiental Lago de Pedra do Cavalo, em sintonia com outros órgãos estaduais, como o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).
Quem trafega pela BR-101, indo do Sul-Sudeste para o Nordeste do país, ao passar pelo trecho entre as cidades de Cruz das Almas e Feira de Santana vê à esquerda um enorme paredão de concreto no meio e de pedras nas laterais, tendo abaixo o leito do Paraguaçu, maior rio 100% baiano, que se prepara para, a partir dali, percorrer os últimos 46 dos seus 600 km de extensão, único trecho continuamente navegável da calha, até desaguar na Baía de Todos os Santos.
Situada entre os municípios de Cachoeira e Governador Mangabeira, a barragem tem 142 metros de altura por 470 de comprimento, tendo sido construída na técnica de enrocamento, aproveitando a disponibilidade de pedras no local, o que, segundo os especialistas, representa uma garantia adicional quanto à segurança.
A captação de água para abastecimento humano e outros usos é feita por tomada d’água diretamente no lago e a vazão do rio a partir da barragem obedece a um hidrograma associado ao nível de armazenamento do lago, capaz de acumular quase 4 bilhões de m3 de água.
O hidrograma obedece a limites que são determinados pelos outros usos rio abaixo, especialmente a pesca artesanal. Com a cota atual de período seco (113,82 metros no dia 17/10), o reservatório libera 40 m3/s e quando ultrapassa 114,50 metros até a cota máxima de 120 metros no período úmido, a vazão sobe para 160 m3/s, quando a usina opera na sua capacidade máxima.
Em estado de restrição hídrica, quando o nível do reservatório cai abaixo de 112,5 metros, a vazão desce para 3 m3/s e a usina gera por apenas 1 ½ a duas horas por dia. E com o nível entre 112,50 e 113,50 metros a vazão sobe para 12 m3/s.
Lima explica que a proximidade com o mar acaba gerando um arranjo natural para o problema dos pescadores nos períodos de vazão mais baixa. Segundo ele, nessa conjuntura, a chamada cunha salina decorrente da entrada da maré rio adentro se acentua, trazendo com ela os peixes de água salgada que substituem momentaneamente os de água doce no leque de opções de captura.
O tormento das enchentes só não acabou completamente depois da construção da barragem porque em 1989, quatro anos após o início das operações e muito antes da construção da UHE, uma cheia excepcional, com a vazão máxima foi quase dois mil m3/s maior do que a de 1960, obrigou os operadores a abrir completamente as comportas do reservatório. Ajustado o esquema de vazões e com a calha do Paraguaçu sendo capaz de suportar um volume de até 1.500 m3/s sem transbordar, o reservatório vem cumprindo seu papel nos últimos 35 anos.
E embora a construção por enrocamento seja considerada uma espécie de certificado de segurança da barragem e ela seja monitorada 24 horas por dia, em julho do ano passado a Votorantim Cimentos, em parceria com as defesas civis dos municípios de Cachoeira, São Félix e Maragogipe, realizou um exercício prático simulado de situação de emergência.
Segundo a empresa, o evento, que faz parte das obrigações do Plano de Ação de Emergência (PAE) previsto na legislação de segurança de barragens, contou com a participação de 1.548 moradores e com a atuação de mais de 150 profissionais especializados. “Existia um certo medo de barragem. O treinamento trouxe tranquilidade”, ressaltou Lima.
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