Opinião

Constituição e monopólio natural

STF decidirá se transportar gás liquefeito ou comprimido por caminhão é uma maneira de explorar o serviço de gás canalizado

Por Jerson Kelman

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Embora cada um de nós possa ter preferência por essa ou aquela marca de água mineral natural, todas têm qualidades análogas à água potável que sai da torneira em cidades servidas por concessionárias eficientes. Apesar dessas semelhanças, o mercado de água mineral engarrafada é bastante competitivo. Muito diferente do fornecimento de água potável por tubulações, que é um monopólio natural regulado pelas normas do serviço público.

O monopólio natural ocorre quando é mais barato atender o consumidor por um único prestador do serviço e não pela competição entre fornecedores. É o caso de serviços de rede que demandem vultosos investimentos. Por exemplo, água ou gás canalizado. Se diversas empresas instalassem tubulações numa mesma rua para competir entre si, a confusão seria grande e o preço do serviço elevado devido à perda da economia de escala.Por outro lado, para evitar abusos, é preciso garantir uma tarifa justa, calculada por agência reguladora capaz e independente, e não o preço livremente fixado pelo monopolista.

À luz desse conceito, convém examinar a disputa constitucional tramitando no STF há 14 anos referente ao Projeto Gemini, que prevê o transporte pela TBG do gás natural fornecido pela Petrobras até uma unidade de liquefação da White Martins em Paulínia (SP). Depois de liquefeito, o gás será transportado via caminhões até os clientes finais. O que está em jogo é a interpretação se essa atividade se enquadra ou não na categoria “distribuição de gás canalizado”, um monopólio natural cuja exploração a Constituição reserva aos estados (Art. 25 § 2º - cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação).

Se o STF decidir que a comercialização de gás natural liquefeito por caminhão é o mesmo que serviço público de gás canalizado, o empreendimento só poderá se materializar com a participação da concessionária do Estado de São Paulo para distribuição de gás, a Comgás. E a resultante jurisprudência diminuirá fortemente a competitividade não apenas da indústria paulista, mas a de todo o país.

Porém, convencer os ministros do STF que transportar gás liquefeito ou comprimido por caminhão é uma maneira de explorar o serviço de gás canalizado não será tarefa simples.O mais provável é que decidam que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ou seja, que não enxerguem óbice constitucional à comercialização de gás natural liquefeitoou comprimido num mercado competitivo, como é o caso de água engarrafada ou de botijão de GLP (gás liquefeito de petróleo).

Jerson Kelman é professor da COPPE-UFRJ, ex-presidente da ANA e ex-diretor-geral da ANEEL

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