Opinião

Faz sentido multar distribuidoras com base no CDC?

A autuação da Enel feita pelo Senacon, com base no Código de Defesa do Consumidor, sinaliza um “bate cabeça” dentro da administração federal, que nada traz de bom

Por Jerson Kelman

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A distribuidora de energia Enel Rio, que opera em 66 dos 72 municípios do Rio de Janeiro, foi multada em mais de R$ 13 milhões pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. A aplicação da multa foi motivada pela “interrupção de serviço público essencial e demora no restabelecimento de energia pela empresa”.

Não quero debater sobre a qualidade de serviço prestado pela Enel e se a penalização foi ou não justa. Meu ponto aqui é outro: o Código de Defesa do Consumidor serve essencialmente para proteger o consumidor de falsas promessas feitas num ambiente concorrencial por empresas que disputam a preferência dos compradores. Falsas promessas, por exemplo, sobre a funcionalidade, qualidade e prazo de entrega de algum produto.

Não foi concebido para aplicação em monopólios naturais sujeitos à regulação e fiscalização especializada, como é o caso de distribuição de energia elétrica, a cargo da Aneel. A autuação da Enel feita pelo Senacon sinaliza um “bate cabeça” dentro da administração federal, que nada traz de bom. Se for o caso de punir a Enel, essa atribuição deveria ser exclusivamente da Aneel. Em caso de omissão, o correto seria cobrar da própria Aneel o cumprimento de sua responsabilidade legal.

Como não existe serviço público de fornecimento de energia elétrica à prova de falhas em nenhum lugar do mundo, a Aneel tem controles próprios para monitorar a continuidade do serviço por meio de índices, como o DEC e o FEC. Tem também meios para saber quando a interrupção tem origem numa falha da distribuidora - operacional ou carência de investimentos - e quando tem origem numa falha do Sistema Interligado Nacional - na transmissão ou na geração - situação em que a distribuidora não deveria ser penalizada.

Num ambiente concorrencial, nem todos os produtos têm a mesma qualidade e é perfeitamente aceitável que o melhor interesse do consumidor seja comprar um produto que caiba em seu bolso mesmo que não o top de linha. Em se tratando de monopólio natural, o consumidor não tem opção de escolher a combinação entre qualidade e preço que melhor sirva a seus interesses. A escolha tem que ser feita em seu nome, pelo regulador.

Na prática, a Aneel fixa metas máximas para DEC e FEC específicas para cada empresa. As penalidades decorrem da ultrapassagem dessas metas máximas, que são definidas levando em consideração, em cada caso específico, o impacto tarifário. É preciso evitar a tentação de fixar metas excessivamente ousadas que sejam incompatíveis com a capacidade de pagamento da população servida, o que deflagraria o aumento da inadimplência e do furto de energia.

Quando eu era diretor-geral da Aneel, me posicionei contrariamente ao ousado plano de investimentos de uma distribuidora com área de concessão numa região muito pobre porque o correspondente impacto tarifário seria incompatível com a renda da população. Na época, louvei o desejo da concessionária de melhorar significativamente a qualidade do serviço prestado, mas apontei que nem sempre querer é poder.

Outra Pergunta: Só energia eólica e solar são renováveis?

A versão inicial do Projeto de Lei 2308/23, sobre o marco legal do hidrogênio verde, desconsiderava diversas fontes renováveis, como hidráulica, biomassa, biogás e biometano, como aptas para a geração de hidrogênio verde, restringindo a categoria apenas à geração eólica e solar.

Certamente tratava-se de uma restrição sem fundamento técnico. Foi necessária uma negociação política para corrigir o texto, quando deveria bastar o senso comum.

Ainda serão votados alguns destaques no Senado, antes do projeto voltar para a Câmara. Nesse processo, é preciso evitar a inclusão no PL do princípio de adicionalidade. Afinal, a comunidade europeia já considera verde o hidrogênio produzido com eletricidade da rede, desde que numa “bidding zone” em que pelo menos 90% da produção provenha de fontes renováveis. É o caso do Nordeste brasileiro.

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