Opinião

Consumidores poderiam pagar menos pela energia de Itaipu

Não surpreende que o Paraguai, com aceitação brasileira, venha optando, ano após ano, por um percentual menor de energia firme e maior de energia excedente, cinco vezes mais cara, do que seria uma justa divisão do custo.

Por Jerson Kelman

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No artigo “Extravagâncias de Itaipu”, publicado nesse espaço (03/05/2024), mostrei que a partir de 2022, quando o fluxo de pagamentos da dívida de Itaipu chegava ao fim, teria sido possível baixar a conta de luz para a maioria da população. Em vez disso, o governo decidiu substituir o extinto serviço da dívida por novas despesas “socioambientais” de questionável legitimidade, disfarçadas como despesas de exploração. 

A Academia Nacional de Engenharia (ANE) produziu dois abrangentes relatórios sobre as tratativas do Brasil com o Paraguai relacionadas ao Tratado de Itaipu. O mais recente (2024), afirma que “nos últimos três anos a despesa de exploração foi aumentando à medida em que o serviço da dívida foi sendo reduzido... A partir de 2024 são quase US$ 1,5 bilhão por ano alocados em partes iguais para realização das tais benfeitorias em ambos os países, adicionais aos já existentes US$ 700 milhões anuais. Só que o Brasil arca não com a metade e sim com cerca de 80% dos custos. São os consumidores cativos que pagam a conta, embutida em suas contas de suprimento de energia elétrica...”. 

Enio Verri e André Pepitone, diretores brasileiros de Itaipu, argumentam, com razão, que “os investimentos socioambientais da usina não oneram o Tesouro Nacional, nem o orçamento público” (FSP, 11/09/2024).  Porém o ponto aqui é que as tais despesas socioambientais oneram as contas de luz dos consumidores cativos mesmo sem constar do orçamento público. Também argumentam que Itaipu está subordinada a uma “normatividade especial, independente dos comandos constitucionais”. Mesmo que tenham razão, não significa que a empresa binacional tenha o direito de obstar o barateamento das contas de luz dos brasileiros. 

Um dos muitos itens esmiuçados no relatório da ANE é a venda pelo Paraguai de energia no mercado livre brasileiro. A conclusão é que “a usina da Itaipu Binacional tem conexão com os SIN BR e com o SIN PY de forma unidirecional e, portanto, não é possível vender energia paraguaia para o Brasil via elo de corrente contínua de Furnas nem o inverso sob o risco de, na verdade, estar comercializando duas vezes a mesma energia de Itaipu e não energia do Paraguai ou do Brasil”.

Aparentemente o MME concorda. Tanto assim que colocou em audiência pública uma minuta de portaria para importação de energia elétrica do Paraguai contendo a seguinte vedação: “a energia contratada deverá ser proveniente do SIN-PY, excluindo a energia gerada por Itaipu”. Ou seja, o MME cuidou para que os brasileiros não paguem duas vezes pela mesma energia. Por outro lado, fica a dúvida: se só a energia de Itaipu transita pela subestação da margem direita e a exportação não poderá se feita com energia de Itaipu, qual o propósito da portaria? 

Há uma outra minuta de portaria, também colocada em audiência pública, que estabelece diretrizes para a importação da chamada “energia interruptível do Paraguai”. Nessa minuta admite-se que tal energia será produzida por Itaipu. É razoável supor que se trate de um pedaço do que caiba ao Paraguai do “excedente” de Itaipu, definido como a energia que a usina de Itaipu pode produzir em anos não extremamente secos, em adição à energia firme. 

Como a divisão do custo de Itaipu entre os dois países é feita na proporção da alocação da energia firme, de livre decisão do Paraguai, a energia firme é cerca de cinco vezes mais cara que a “excedente”. Não surpreende que o Paraguai, com aceitação brasileira, venha optando, ano após ano, por um percentual menor de firme e maior de excedente do que seria uma justa divisão do custo. 

Como quem arca com o ônus deveria ter direito ao bônus, o justo seria a utilização do mesmo percentual para as duas alocações, tanto de energia firme quanto de excedente. Assim, a contratação da tal energia interruptível por comercializadoras atuando no mercado livre teria que ser precedida pela descontratação de igual quantidade de energia no mercado cativo.

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