Opinião

Extravagâncias de Itaipu

A usina binacional deveria cumprir a missão de produzir energia renovável, abundante e barata. Lamentavelmente o Governo optou pelo caminho oposto, de manter a tarifa elevada para realizar investimentos que deveriam constar do orçamento da União. Confira o artigo de nosso colunista Jerson Kelman.

Por Jerson Kelman

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Itaipu - portentosa obra que orgulha brasileiros e paraguaios - é campeã mundial na produção cumulativa de energia elétrica de fonte renovável. Em 2023, quando a dívida da construção foi finalmente paga, a tarifa de Itaipu poderia ter baixado significativamente. Mas a diminuição foi decepcionante porque o extinto serviço da dívida foi substituído por novas despesas de questionável legitimidade.

O Tratado de Itaipu determina que a tarifa seja calculada para cobrir os custos. Depois do fim da dívida, os royalties e os custos operacionais são os principais custos remanescentes. O grosso dos royalties é utilizado para compensar os municípios paraguaios e paranaenses parcialmente inundados pelo reservatório. Itaipulândia (PR), por exemplo, recebe cerca de R$10 mil per capita, ano após ano. Os custos operacionais também são extravagantes, como mostrou excelente reportagem da Folha de São Paulo (28/04). Por exemplo, Itaipu tem quase 8 vezes mais funcionários do que a usina de Belo Monte, de porte semelhante. Se fosse uma estatal brasileira, Itaipu certamente já teria sido auditada pelo TCU. Mas é binacional.

O programa, “Itaipu Mais que Energia” - IME surgiu no vácuo do desaparecimento do serviço da dívida. Seu objetivo é distribuir R$2,3 bilhões entre os 399 municípios paranaenses e 35 do Mato Grosso do Sul. Como o Tratado de Itaipu determina igualdade de direitos entre Brasil e Paraguai, o custo do IME é na realidade de R$4,6 bilhões. Graças a essa montanha de dinheiro, Paraíso do Norte (PR), por exemplo, recebeu doação de R$10 milhões para pavimentar uma estrada rural para uso de 60 famílias por R$6 milhões. Outra extravagância, de R$100 mil por família.

A “festa” é paga pelos consumidores brasileiros, ricos e pobres, do mercado cativo de energia elétrica das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, que arcam com cerca de 85% dos custos. E pelos consumidores paraguaios com os remanescentes15%.

Programas como o IME não se qualificam para fazer parte do cálculo tarifário. Por isso entram no orçamento de Itaipu como se fossem “despesas operacionais”. Trata-se de um truque contábil que passa ao largo do controle congressual sobre acordos internacionais (CF, Artigo 49, inciso I). Esse drible ocorreu com a abertura de negociação entre os dois países para manter a tarifa elevada, após a amortização da dívida. É fácil de entender o interesse paraguaio: os benefícios são repartidos igualmente entre os dois países, mas não os custos. Já o interesse brasileiro é de difícil compreensão.

Segundo o Tratado, o Brasil poderia ter dito não à abertura de negociação. A tarifa continuaria sendo calculada a partir dos verdadeiros custos operacionais. Mas disse sim em 2022 e novamente em 2023, criando espaço respectivamente para mais US$300 milhões e U$500 milhões de pretensos “custos operacionais”. Em dois anos, esses custos mais que duplicaram, de US$ 700 milhões/ano para US$1,5 bilhões/ano!

Agora Inês é morta. O Paraguai resistirá a ceder o que já conquistou e o novo governo paraguaio, no embalo, pleiteia novo aumento de tarifa. É compreensível. Só que os consumidores brasileiros não aguentam mais pagar a altíssima conta de luz.

Para transformar um limão numa limonada, seria preciso minimizar o custo de Itaipu, ao contrário do que acontece atualmente. A usina binacional deveria cumprir a missão de ser elo de amizade entre os dois países, produzindo energia renovável, abundante e barata para impulsionar a atividade industrial do Brasil e, principalmente, do Paraguai.

Lamentavelmente o Governo optou pelo caminho oposto, de manter a tarifa elevada para realizar investimentos que deveriam constar do orçamento da União. É o que se depreende da recente e extravagante decisão de utilizar recursos de Itaipu para obras de infraestrutura urbana em Belém do Pará, no contexto da COP 30. Lembra as promoções do tipo “pague 1 e leve 2”. No caso seria “pague 2 e leve 1” porque cada real gasto em Belém também terá que ser gasto no Paraguai.

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