Telmo Ghiorzi é doutor em economia, engenheiro de petróleo e diretor de relações empresariais do Grupo UTC.
Opinião
Pandemia e engenharia
É preciso construir uma indústria mais apta à destruição-criativa para, assim, enfrentar os próximos desafios
Experiências vividas provocam sensações mais intensas do que as lidas ou ouvidas. Nunca poderemos compreender as outras pandemias, as guerras e demais tragédias como aqueles que as viveram. Mas sabemos que essas situações jamais são esquecidas e que elas geram mudanças culturais na sociedade. A pandemia que vivemos certamente não será esquecida. Mas ainda não sabemos que mudanças culturais ela nos trará.
Sabemos, todavia, que a arma mais forte que temos para combatê-la são a ciência e a tecnologia. Elas permitiram decifrar o material genético do vírus, deram-nos os ventiladores mecânicos, os medicamentos e a internet, que nos aproxima, mesmo à distância.
São as inovações tecnológicas que, além de serem a força-motriz do crescimento econômico sustentável, nos fortalecem e aliviam neste momento. Por trás delas está a destruição-criativa.
Embora com turbulências e dissensos, o governo está combatendo a pandemia, sobretudo no que se refere à saúde das pessoas. Contudo, a crise econômica que surge tem potencial para ser profunda e duradoura. O combate precisa de mecanismos igualmente potentes e de longo prazo. Nossos setores econômicos são interdependentes, e as medidas têm de ser gerais, mas também setoriais. Há, claro, muito a ser pensado, concebido e implantado.
Na indústria brasileira de petróleo, há contradições que precisam ser compreendidas e tratadas. O país está na fronteira tecnológica da exploração offshore. Além disso, como fruto e mérito das regras de conteúdo local (CL), o país construiu amplo parque industrial e formou centenas de milhares de profissionais qualificados. Contudo, seus fornecedores não se destacam como exportadores nem exercem funções de alto valor agregado nas Cadeias Globais de Valor (CGV). Ao contrário, os recursos criados estão subutilizados devido à baixa competitividade que marca o Brasil – não apenas sua indústria de óleo e gás.
Com ameaças à viabilidade da produção local, parece oportuno criar estímulos poderosos à destruição-criativa dos fornecedores locais. Os efeitos positivos sobre competitividade podem contribuir para manter a viabilidade da produção local de petróleo, transformar o Brasil em exportador de bens e serviços e pavimentar seu upgrading nas CGV.
A destruição-criativa da indústria reside, sobretudo, na engenharia. É ela, em suas dimensões conceitual, básica, detalhada e de produtos, que induz inovações e, portanto, aumento de competitividade. Com efeito, o que marca o êxito das políticas de inovação de outros países, transformando-os em exportadores e induzindo seu upgrading nas CGV, é seu foco no desenvolvimento da engenharia local, ao lado da ampliação dos parques produtivos.
A revisão de políticas do setor petrolífero brasileiro na retomada pós-pandemia precisa considerar estímulos para a engenharia local. Além de competitividade, elas induzem aquisições locais de bens e serviços, gerando mais empregos e atividade econômica.
O arcabouço regulatório do setor é sofisticado e robusto. Mudanças simples poderiam ser estimuladoras de engenharia, sem alterar sua essência. Um bom começo pode estar em regras de CL que, em vez de penalidades por não cumprimento, ofertem bônus no caso de engenharia feita aqui. Regras de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) que reconheçam automaticamente engenharia como projeto de inovação. Regras tributárias que reduzam taxação sobre projetos com engenharia local.
A pandemia é indiscutivelmente trágica. Mas temos de pensar em maneiras de sair dela mais fortes e construir uma indústria mais apta à destruição-criativa para, assim, enfrentar os próximos desafios. Eles sempre vêm.
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