Opinião
Bons problemas brasileiros. Desde que consigamos resolvê-los
O elo comum entre o atraso na exploração da Margem Equatorial, o baixo Fator de Recuperação de nossas reservas e as verbas de incentivo à PD&I pode contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do país.
A expressão “bom problema” costuma aparecer em conversas informais no cotidiano brasileiro. Sua origem e a pessoa que a criou são desconhecidas. Pode ter sido geração espontânea de partícula de acervo cultural. O significado é situação com aparência externa de negativa e indesejada, mas com resultado favorável quando se amplia a perspectiva e a profundidade da análise. Há prismas que permitem enxergar o contexto completo e detectar as pistas do lado positivo - e talvez um tanto poliana - destes problemas.
O Brasil tem notável estoque de bons problemas. O setor de petróleo contribui para este estoque.
Um dos bons problemas do Brasil é sua abundância de recursos naturais. Há fartura de trabalhos em economia que descrevem a chamada maldição que decorre desta fartura. Bem, esta fartura é hoje a grande força-motriz da economia do país e é pouco controverso que ela seja mais solução do que problema.
No setor de petróleo, um notável bom problema é a demora na exploração da Margem Equatorial. É pouco questionável que esta demora produzirá efeitos indesejáveis para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Mas é ainda menos questionável que, se não fosse o enorme potencial petrolífero desta região, haveria uma sensação de desespero ainda maior.
A Margem Equatorial, que cedo ou tarde vai produzir petróleo e gerar empregos e arrecadação, evitará pobreza energética e a necessidade de importar petróleo a partir de 2035. Se acrescentarmos algo próximo aos 11 bilhões de barris identificados na Guiana, adicionamos quase 10 anos à produção local de petróleo.
O baixo Fator de Recuperação (FR) das reservas brasileiras é outro bom problema. Nosso FR oscila ao redor de 20%. No Mar do Norte, o FR supera 40%. Se o FR do Brasil já fosse 40% ou mais, haveria ameaça adicional à escassez de energia apontada acima. O enorme potencial de crescimento do nosso FR reduz o risco de esgotamento de nossas reservas. Além, claro, do enorme potencial de desenvolvimento industrial, econômico e social que aumentar o FR implica.
As verbas de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) hoje montam a cerca de R$ 4 bilhões por ano. Contudo, apenas 25% deste valor é aplicado em atividades em que há interação entre universidades, petroleiras e cadeia produtiva. Ao problema de poucos recursos de PD&I aplicados em iniciativas com alta interação universidade-indústria contrapõe-se a abundância de recursos. É mais fácil redirecionar os recursos para atividades com maior potencial de gerar inovações e crescimento econômico do que criar a fonte destes recursos.
O setor enfrenta hoje escassez de mão de obra especializada. O vigoroso aumento da atividade econômica pós-pandemia, aliado ao vale que o setor enfrentou e superou antes disso, contribui para esta carência. Este bom problema se contrapõe a um problema muito pior: excesso de mão de obra, que significaria necessariamente falta de atividade econômica e redução generalizada de produção e distribuição de riqueza.
Este bom problema está sendo resolvido com iniciativas ligadas à formação de pessoal, e aumento de remunerações. Segundo dados de 2022, divulgados pelo Cempre/IBGE, a remuneração média mensal do trabalhador formal brasileiro supera R$3,5 mil. Na indústria automobilística, o valor é pouco acima de R$8 mil. Na atividade de extração de petróleo, isto é, nas petroleiras, o valor atinge R$27,1 mil. Na cadeia produtiva, isto é, nas atividades de apoio, serviços e fabricação de equipamentos, o valor é de R$12,7 mil.
As perspectivas do trabalhador e do empresário apontam para a mesma direção: enfrentamos um ótimo problema que, feliz e paradoxalmente, ainda pode se intensificar.
O Brasil e sua indústria petrolífera enfrentam muitos problemas sérios e de difícil resolução. Mas uma parte expressiva deles compõe, em essência, um formidável conjunto de trajetórias com possibilidade de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do país. Precisamos, contudo, intensificar o uso do prisma que permite enxergar estas possibilidades.