Opinião
O Repetro e o desenvolvimento da indústria brasileira
Regime aduaneiro faz muito pela arrecadação e pela produção brasileira de petróleo, mas faria ainda mais pela indústria e, portanto, pelo desenvolvimento econômico do país se fosse ampliado para exportações de bens e serviços produzidos no Brasil
- Com coautoria de Tércio Pinho, Analista de Políticas Públicas da ABESPetro
A abundância das riquezas naturais do Brasil é indiscutível. Contudo, a mera existência desses recursos representa apenas o ponto de partida para a produção de riqueza, pois é necessário atrair e estimular empresas a investirem no país, garantindo que o potencial seja plenamente aproveitado. Neste cenário, o Repetro, regime aduaneiro especial para o setor de óleo e gás, desempenha papel crucial. Ao aliviar encargos tributários que seriam aplicados sobre os investimentos, o regime promove aumento de produção de petróleo e, com aprimoramentos, pode ser um forte instrumento para a industrialização e desenvolvimento econômico do Brasil.
De tempos em tempos, o Repetro enfrenta ameaças de retrocesso. Elas são alimentadas pela visão simplista de que incentivos fiscais implicam em perdas de arrecadação para o Estado. Há também preocupações de que o Repetro possa favorecer empresas estrangeiras em detrimento das nacionais ao facilitar operações de importação. Contudo, ao considerar o panorama completo da indústria e seus reflexos na economia, as evidências mostram justamente o contrário: o Repetro não só aumenta a arrecadação do estado a longo prazo, mas também contribui para a fortalecimento da indústria nacional.
Sob o ponto de vista da arrecadação, os benefícios do Repetro são mais do que compensatórios. A maior parte da arrecadação do Estado provém de receitas decorrentes de décadas de produção, como royalties, participação especial, parcela da União no regime de Partilha, e outros tributos que incidem sobre a atividade econômica geral. O Repetro tem como objetivo potencializar essas receitas. Reduzindo os encargos sobre investimentos necessários para desenvolver novos campos, a premissa econômica do Repetro é viabilizar mais projetos e aumentar a produção, obtendo assim um retorno substancialmente maior no longo prazo. Aliás, a mesma premissa norteia todos os regimes especiais existentes em países com grandes reservas de petróleo.
Para compreender como o Repetro amplifica a capacidade de investimento da indústria, devemos considerar a complexa estrutura econômica que sustenta a exploração de petróleo e gás no Brasil. Antes de gerar qualquer receita, as petroleiras investem cerca de 4 a 6 bilhões de dólares em atividades exploratórias e no desenvolvimento da infraestrutura de produção. Grande parte desse capital é destinada à contratação de sondas de perfuração, de plataformas de produção, e de outros bens e serviços complexos. Alguns desses bens e serviços são importados, dado que o Brasil – e nenhum outro país do mundo – oferece todos eles.
O peso dos tributos federais e estaduais eleva o custo desses investimentos em cerca de 40%. Ou seja, sem o Repetro, de cada 100 reais investidos, apenas 60 seriam efetivamente aplicados em atividades produtivas. Esse desequilíbrio levaria a menos campanhas exploratórias, consequentemente a menos descobertas e, por fim, a uma produção reduzida. Portanto, mesmo considerando apenas uma perspectiva econômica, a existência do Repetro já se justifica plenamente. Além disso, é crucial enfatizar que novos projetos estimulados por este regime não apenas impulsionam a economia, mas também geram mais empregos e reforçam a segurança do abastecimento energético do país.
Embora o Repetro apresente vantagens significativas em termos de arrecadação e incentivo à indústria, ele também traz à tona algumas questões complexas que são por vezes ofuscadas pelo debate sobre arrecadação, como, por exemplo, a necessidade de criar um equilíbrio entre os incentivos à importação e o estímulo à produção local. Ao diminuir os custos de importação, o Repetro poderia favorecer empresas estrangeiras em detrimento da indústria nacional. Reconhecendo esse desafio, o Repetro passou por ajustes ao longo dos anos para tornar-se mais abrangente. Desde 2018, ele permite que empresas brasileiras também possam usufruir a suspensão de tributos ao importar ou adquirir nacionalmente insumos destinados à industrialização de produtos para atividades no Brasil. Essa evolução do Repetro visa criar um campo de jogo mais nivelado para a indústria nacional, eliminando complicações aduaneiras e fomentando o crescimento local sob a proteção deste regime.
O exemplo do Repetro demonstra que instrumentos tributários podem e devem contribuir para aumentar a competitividade da indústria brasileira de petróleo. No entanto, é importante ressaltar que nenhum mecanismo isolado é capaz de criar vantagens competitivas definitivas. No Brasil, existem diversos outros entraves que dificultam o desenvolvimento da indústria, como juros altos e infraestrutura deficiente. Para potencializar a competitividade da indústria, seria necessário considerar, em vez de retrocessos, expandir e aprimorar o Repetro.
Empresas brasileiras têm potencial para ser grandes fornecedores globais. O Repetro poderia contribuir para isso ao permitir exportação de bens e serviços para outros países produtores de petróleo. Este possível 'Repetro-Exportação' otimizaria os mecanismos hoje usados para estimular o parque industrial brasileiro, sobretudo se fosse alinhado com os outros instrumentos de política industrial de que o país já dispõe. O Repetro faz muito pela arrecadação e pela produção brasileira de petróleo. Mas faria ainda mais pela indústria e, portanto, pelo desenvolvimento econômico do país se fosse ampliado para exportações de bens e serviços produzidos no Brasil.
Telmo Ghiorzi é Secretário-Executivo da ABESPetro, doutor em políticas públicas e mestre em engenharia. Escreve na Brasil Energia a cada três meses.