
A geopolítica e os recursos de PD&I da cláusula da ANP
Opinião
A geopolítica e os recursos de PD&I
A ANP lançou oportuna pesquisa cuja finalidade é reavaliar as regras de PD&I. O momento geopolítico é um farol apontando para a importância de rever aspectos centrais e filosóficos desta política pública e de suas regras

Coautora: Maria Torres*
Os embates e turbulências geopolíticas pelos quais passa o mundo, sobretudo o Brasil, novamente trazem à tona a relevância e a necessidade de aumentarmos a capacidade de desenvolver inovações tecnológicas no país. Entre os mecanismos para induzir este processo estão o regulamento e obrigações de investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da ANP, as chamadas regras de PD&I. Embora a quantidade de recursos seja bastante expressiva, superando R$4 bilhões por ano, sua destinação e distribuição ainda requerem aprimoramentos.
A palavra “inovação” é bastante disseminada, com muitos usos distintos daquele proposto pela chamada “Economia da Inovação”. Este ramo da economia heterodoxa, criado pelo economista Joseph Schumpeter (1883-1950), define inovação como a introdução de uma novidade no ambiente produtivo, gerando monopólio temporário e lucros extraordinários para a empresa que a introduz.
Ela é, portanto, um meio utilizado pelas empresas para que se tornem, ou se mantenham, competitivas e lucrativas. A Economia da Inovação mostra que as inovações são a grande força motriz do crescimento econômico. A conexão com lucro é incontornável quando se analisa a inovação pela perspectiva econômica. Esta definição tem efeitos enormes e radicais sobre a maneira de modelar e analisar a economia e a política. O que não impede o uso da palavra “inovação” nos campos das leis, dos esportes, das artes dentre outros.
A centralidade da inovação para a dinâmica concorrencial, especialmente nos segmentos mais vibrantes e intensivos em tecnologia, estabelece que as empresas são agentes especialmente engajados e comprometidos com a realização de esforços inovativos. Em muitos casos, sobretudo nas inovações mais radicais e disruptivas, parte dos esforços de Pesquisa e Desenvolvimento são realizados por Universidades.
Mas não se origina nas Universidades a definição dos problemas atuais ou potenciais que vão gerar inovações. Os avanços da Economia da Inovação mostram também que a integração e, sobretudo, a interação cognitiva entre diversos tipos de atores, nos chamados “Sistemas de Inovação”, são grandes indutores de inovação.
Em face destas condições de contorno, caberia analisar como os recursos de PD&I são distribuídos. Análise feita pela ABESPetro, a partir dos dados disponíveis no Painel Dinâmico de Obrigações de Investimento em PD&I, da ANP, mostram a seguinte distribuição para os recursos aplicados de 2017 até 2022.
Nota-se grande concentração dos recursos nas Universidades, com cerca de 47,1%. Em contraposição, os recursos destinados a projetos que integram petroleiras, Universidade e empresas da cadeia produtiva receberam apenas 4,7%, dez vezes menos. De modo geral, a integração de atores recebe apenas 25% dos recursos, contra 75% direcionado para atores individuais. As empresas da cadeia produtiva recebem apenas 2,7% dos recursos.
Quando se consideram os dados de 2017 até 2025, aparecem mudanças relevantes.
Há um aumento para 20,3% dos recursos utilizados pela cadeia produtiva. Este aumento expressivo deve-se ao desenvolvimento do Hisep. Este projeto destinou cerca de R$ 6 bilhões para a TechnipFMC. Ele decorre de interação entre a Petrobras, a Universidade Federal de Itajubá, a TechnipFMC e outras empresas brasileiras.
Trata-se de notável exemplo de como um problema, neste caso identificado pela Petrobras, deu origem a uma inovação disruptiva, cujo desenvolvimento com contribuição da academia, mais uma vez, vai colocar o Brasil em local de destaque no segmento de equipamentos e sistemas submarinos e de superações de desafios da transição energética.
Contudo, apesar do avanço, com mais recursos destinados a projetos capitaneados pela cadeia produtiva, houve redução na distribuição dos recursos para arranjos que representem integração entre atores. Isto sugere que as regras de PD&I são pouco eficazes no que diz respeito a estimular as interações cognitivas e a funcionalidade dos Sistemas de Inovação.
Há poucas semanas, a ANP lançou oportuna pesquisa cuja finalidade é reavaliar as regras de PD&I. Os recursos são fartos, mas sua destinação e distribuição apontam para a importância de rever aspectos centrais e filosóficos desta política pública e de suas regras. O momento geopolítico acaba sendo farol apontando para esta direção.
* Maria Torres é economista e mestre em economia, pelo Instituto de Economia da UFRJ