Opinião
Regulação da distribuição de gás
No Brasil gás natural é um energético que só deve ser disponibilizado onde for economicamente competitivo
A Constituição de 1988 atribuiu a responsabilidade por serviços públicos a diferentes entes federados, dependendo da escala geográfica. Se a prestação do serviço depender de infraestrutura espalhada pelo o território nacional, caso da energia elétrica, o titular é a União. Tem funcionado bem, apesar da complexidade e dos problemas do setor. Há apenas uma agência reguladora - a ANEEL – que conseguiu criar ambiente seguro para o aporte de investimentos. O resultado é que praticamente todos os brasileiros têm acesso à eletricidade.
Na ponta oposta, se for um serviço de interesse local, em que a infraestrutura atenda a uma única cidade, como é frequentemente o caso de distribuição de água, a Constituição atribui a titularidade ao município. Parece fazer sentido, mas não tem funcionado satisfatoriamente. Como cada município pode estabelecer as suas próprias regras, produziu-se uma Babel regulatória. O resultado é que, em plena pandemia, 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e mais de 100 milhões não têm acesso ao serviço de saneamento.
Para reverter a situação, o Congresso aprovou recentemente a Lei 14.026/2020 que atribui à Agência Nacional de Águas a responsabilidade de estabelecer normas gerais para a regulação do setor. O município que persistir adotando práticas regulatórias inadequadas, ignorando as recomendações regulatórias da ANA, ficará inabilitado para receber aportes voluntários da União.
Para o setor de gás, o constituinte ficou no meio do caminho: decidiu que a produção, o processamento e o transporte são de responsabilidade do Governo Federal, mas que cabe aos estados explorar direta ou indiretamente o serviço de distribuição de gás canalizado. Novamente, a ideia parece boa, mas o resultado não tem sido bom.
Na maioria dos estados, os controladores formais das concessionárias de distribuição são os respectivos governos, porém, os sócios privados são significativamente majoritários na composição do capital social, via ações preferenciais. O exercício do monopólio do serviço de rede se estende de fato à comercialização,uma atividade que deveria ser competitiva. Os contratos de concessão são muito parecidos entre si, sem metas de expansão e a remuneração contratual é fixada em 20% (cost plus), aplicada igualmente ao Opex e ao Capex.
Dentre as diferenças regulatórias entre os setores de gás e de energia elétrica, vale a pena destacar duas. Primeira: enquanto a ANEEL calcula a parcela B (remuneração do serviço de distribuição) emulando um processo competitivo, na maioria dos estados adota-se um método de cálculo tarifário (cost plus) para o gás que só deveria ser usado sob ativa vigilância de uma agência reguladora competente e verdadeiramente independente, o que frequentemente não é o caso. Segunda diferença: no setor elétrico, o autoprodutor stricto sensu - aquele que produz e consome energia em sua instalação industrial, sem conexão com a rede da distribuidora – não paga TUSD. Já no setor de gás, o autoprodutor é obrigado a pagar, como se fosse um tributo, por um serviço que não precisa e, é claro, não usa.
O PL 6407/2013, em discussão no Congresso, tem o objetivo de aumentar a participação do gás na matriz energética do país, principalmente por meio da democratização do acesso aos dutos de escoamento e de transporte. O PL resulta do consenso alcançado após sete anos de estudo e debate no Executivo e Legislativo. Não é o texto ideal, mas aparentemente é o texto politicamente possível.
Idealmente, o PL deveria dotar a ANP de autoridade para produzir normas gerais de regulação do serviço de distribuição de gás, à semelhança da Lei 14.026/2020, que atribui à ANA autoridade equivalente em relação à distribuição de água. Porém, não sendo tal aperfeiçoamento politicamente possível no atual estágio de discussão, o PL deve ser aprovado como está. O que não pode ocorrer é deixar tudo como está ou, ainda pior, modificar o PL para incluir medidas que induzam à má alocação de capital, sob o ponto de vista do interesse público.
Por exemplo, diferentemente do acesso à água potável, que é um direito humano básico, não faria sentido almejar a universalização do gás porque não temos necessidade de aquecer ambientes e o GLP já atende às necessidades de cocção. Ou seja, no Brasil gás natural é um energético que só deve ser disponibilizado onde for economicamente competitivo.
Jerson Kelman é professor da COPPE-UFRJ, ex-diretor geral da ANA e da Aneel e atual presidente do CA da Eneva[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_raw_html]JTNDZGl2JTIwcm9sZSUzRCUyMm1haW4lMjIlMjBpZCUzRCUyMm5ld3NsZXR0ZXItb3Bpbmlhby02ZWY3ZjBkYWRiMWJmYzA0YTA5MyUyMiUzRSUzQyUyRmRpdiUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUyMHNyYyUzRCUyMmh0dHBzJTNBJTJGJTJGZDMzNWx1dXB1Z3N5Mi5jbG91ZGZyb250Lm5ldCUyRmpzJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zJTJGc3RhYmxlJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zLm1pbi5qcyUyMiUzRSUzQyUyRnNjcmlwdCUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUzRSUyMG5ldyUyMFJEU3RhdGlvbkZvcm1zJTI4JTI3bmV3c2xldHRlci1vcGluaWFvLTZlZjdmMGRhZGIxYmZjMDRhMDkzJTI3JTJDJTIwJTI3VUEtMjYxNDk5MTItOCUyNyUyOS5jcmVhdGVGb3JtJTI4JTI5JTNCJTNDJTJGc2NyaXB0JTNF[/vc_raw_html][/vc_column][/vc_row]