
Revista Brasil Energia | Termelétricas e Segurança Energética
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Indústria do carvão quer eliminar o passivo das cinzas
Desde a produção de zeólitas, essenciais para a indústria de fertilizantes, até a extração de terras raras das minas exauridas, térmicas a carvão correm para limpar as pegadas ambientais decorrentes de sua atividade

Centros de pesquisas e geradoras de energia que utilizam o carvão estão buscando alternativas para a destinação das cinzas resultantes da queima do combustível fóssil nas termelétricas. Entre as linhas de estudo consideradas mais promissoras, está a possibilidade de aproveitar os resíduos para a produção de fertilizantes. E já há planos para estudar a possibilidade de se retirar das cinzas do carvão as disputadas terras raras, como são conhecidos os elementos químicos utilizados em diversos produtos de alta tecnologia.
As cinzas representam um passivo ambiental adicional importante para um setor responsabilizado por ter participação significativa nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). De acordo com o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Iuri Bessa, as cinzas provocam poluição, são com frequência descartadas de forma incorreta e proporcionam elevados custos de estocagem para as geradoras.
Thiago Aquino, coordenador do projeto e líder do Núcleo de Energia e Síntese de Produtos do Centro Tecnológico da Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina (CT SATC), de Criciúma (SC), estima que as termelétricas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina produzam cerca de 2,1 milhões de toneladas por ano de cinzas do carvão.
Candiota III (RS): estimativa de produção de cinzas das termelétricas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina é de 2,1 milhões de toneladas/ano, que podem ser usadas como ingrediente da fabricação de cimento
Como resultado do uso do carvão nas usinas termelétricas, são produzidos dois tipos de cinzas: as cinzas leves e as cinzas pesadas. As cinzas leves, que representam 80% do total, aproximadamente, são usadas tradicionalmente como ingrediente da fabricação de cimentos. Com essa substituição, de acordo com pesquisadores, ocorre uma redução de emissões de gases poluentes na atividade das cimenteiras.
As cinzas pesadas, em contrapartida, não são aproveitadas e são descartadas em aterros sanitários e, mesmo assim, constituem um passivo ambiental. Nos últimos anos, pesquisadores de universidades da região Sul do país e do Ceará, onde existem térmicas a carvão, têm procurado desenvolver ou atestar usos diferenciados para o material.
As pesquisas envolvem desde a composição de pavimentos ou de blocos de concreto utilizados na construção civil, até o uso em aterros estruturais, blocos de cinza e cal, cerâmicas, materiais para impermeabilização de bacias de contenção e para a remediação de solos, entre outras finalidades.
Zeólitas sintéticas animam pesquisadores
Entre as novas aplicações em estudo, o segmento vem dedicando especial atenção para o uso das cinzas na fabricação de zeólitas, um mineral que possui grande número de destinações econômicas, como a produção de fertilizantes, detergentes e catalisadores para a indústria do petróleo. As zeólitas não são encontradas na natureza no Brasil, mas podem ser fabricadas a partir das cinzas do carvão.
O presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS), Fernando Zancan (foto), considera bastante promissoras as pesquisas envolvendo o uso das zeólitas sintéticas, produzidas a partir das cinzas para a produção de fertilizantes. As pesquisas estão sendo desenvolvidas pelo CT SATC, também presidido por Zancan.
As zeólitas têm como propriedade, quando adicionada ao fertilizante, cadenciar a liberação dos nutrientes no solo, reduzindo quase que totalmente as perdas de nitrogênio, que podem chegar a 50%, e evitando que o fósforo atinja os lençóis freáticos, contaminando-os. Ao pausar a liberação desses macronutrientes, as zeólitas evitam perdas e garantem o seu aproveitamento pelas plantas ao longo do ciclo do cultivo.
No final de abril, deverá ser realizada a colheita de milho em uma área de testes com a zeólita produzida com as cinzas do CT SATC. A colheita permitirá a comparação dos resultados da produção de milho com o uso de zeólitas e com o fertilizante tradicional. Também será possível verificar a viabilidade econômica da produção e utilização da zeólita sintética para essa aplicação, conforme destaca Thiago Aquino, coordenador do projeto e líder do Núcleo de Energia e Síntese de Produtos do CT SATC.
Uma vez comprovada a viabilidade econômica da utilização das zeólitas em fertilizantes, a ideia é usá-la em testes envolvendo outras culturas, como a soja, segundo Zancan. Ele explica que o objetivo, se etapas forem cumpridas, é oferecer esse produto ao mercado em dois ou três anos.
Centro Tecnológico da Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina (CT SATC), de Criciúma (SC), desenvolve pesquisas envolvendo o uso das zeólitas sintéticas, produzidas a partir das cinzas para a produção de fertilizantes (Foto: Divulgação)
Com essa alternativa, a cadeia do carvão espera proporcionar uma possível solução para a dependência do país em relação à importação de fertilizantes. Em 2022, o governo lançou o Plano Nacional de Fertilizantes, que tem como meta reduzir as importações de fertilizantes de 85% do consumo para 50% até 2050. Essa dependência é tratada pelo governo federal como uma questão de segurança alimentar.
O CT SATC também deverá testar o uso das zeólitas sintéticas para a produção de detergentes, para o tratamento de efluentes e para a alimentação animal. Ainda é possível, segundo Aquino, utilizar o mineral para a produção de catalisadores da indústria do petróleo.
Terras raras
Os pesquisadores do CT SATC mantêm as suas atenções voltadas para pesquisas que estão sendo realizadas nos Estados Unidos visando a produção de terras raras, como é chamado o conjunto de minerais usados na produção de itens de alta tecnologia, a partir das cinzas do carvão.
De acordo com Thiago Aquino, o centro tecnológico já está realizando pesquisas com recursos da Fapesc visando a extração de terras raras a partir da drenagem ácida de minas (DAM), como é conhecido o líquido ácido e rico em metais pesados que é gerado pela oxidação de metais em minas exauridas. A DAM é considerada um problema ambiental grave devido ao seu potencial de contaminação de recursos hídricos.
Diferentemente dos EUA, que enfrenta uma forte dependência do fornecimento de terras raras da China, o Brasil conta com grande potencial de oferta de terras raras, mas pouco explorado. “Com a extração das terras raras do DAM e das cinzas, é possível proporcionar mais uma fonte de recursos para os segmentos da cadeia do carvão, ao mesmo tempo em que se resolvem problemas ambientais importantes”, afirma Aquino.
De acordo com Zancan, o CT SATC está buscando recursos para viabilizar as pesquisas envolvendo a extração de terras raras das cinzas.
SGB vai pesquisar novos usos
O Serviço Geológico Brasileiro (SGB) está conduzindo negociações com a Copelmi, empresa de mineração pioneira na extração do carvão, e a termelétrica Pampa Sul, localizada em Candiota (RS), para estabelecer acordos de cooperação com o objetivo de verificar novas formas de aproveitamento das cinzas do carvão.
Maísa Bastos Abram (foto), chefe do Departamento de Recursos Minerais do SGB, explica que, no caso da Copelmi, o processo está mais avançado, devendo resultar o início de estudos para verificar potenciais novos usos do carvão e se seus resíduos. “Vamos realizar também análises com o objetivo de verificar a presença de minerais críticos no carvão”, disse ela. Os minerais críticos são recursos minerais utilizados na transição energética, para desenvolvimento de tecnologias e para a defesa, como lítio, cobalto, níquel e grafite, por exemplo.
Os técnicos do SGB já realizaram visitas técnicas à Pampa Sul para conhecer os processos de geração de energia e principalmente da caracterização dos resíduos gerados e na viabilidade de seu reaproveitamento dentro dos princípios da economia circular.