Revista Brasil Energia | Termelétricas e Segurança Energética

“O atributo da geração termelétrica é a confiabilidade”

Em entrevista exclusiva à Brasil Energia, o presidente da Abraget, associação de geradores termelétricos, Xisto Vieira Filho, fala sobre a expectativa para o leilão de LRCAP, em junho, e sua atuação para os outros seis meses do ano: delinear a geração térmica do futuro rumo à transição energética

Por Liana Verdini

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Xisto Vieira Filho, presidente da Abraget (Foto: Divulgação/Abraget)

Graduado em engenharia elétrica e mestre em engenharia de sistemas de potência, Xisto Vieira acaba de ser reconduzido à presidência da Abraget, cargo que ocupa desde 2001. Com mais de 40 anos de experiência no setor elétrico, 28 anos de trabalho na Eletrobras e passagem pela Secretaria Nacional de Energia do Ministério de Minas e Energia, ele se diz esperançoso com o LRCAP e sua capacidade de aumentar a confiabilidade do SIN – Sistema Interligado Nacional.

Com uma visão crítica afiada, sugere melhorias para o próximo LRCAP em dois pontos principais: aquele que separa energia nova de energia existente e que detalha as penalizações. “Eu tenho um edital e se a usina térmica atende ao edital, não interessa se ela é nova ou se ela é velha”, diz ele. Quanto às penalizações, Xisto Vieira considera que há uma descalibragem. “O Brasil é disparado o campeão mundial de penalidades”.

Ele lembra que até 2030 contratos de usinas térmicas que fornecem 16 GW ao sistema brasileiro se encerram, o que fragilizará a confiabilidade do fornecimento de energia. E destaca que o setor precisa se planejar e operar baseado em um tripé: minimização dos impactos ambientais, maximização da confiabilidade, e ambos ao menor preço para o consumidor. “Ninguém aguenta ficar sem luz todos os dias. Veja o que aconteceu em São Paulo e no Amapá”.

Para a transição energética, Xisto Vieira sugere esverdear as térmicas avançando nas duas frentes que estão mais adiantadas: o CCUS e a mistura de gás natural e hidrogênio verde. Segundo ele, a Petrobras é um dos campeões mundiais de CCUS, com trabalhos premiados universalmente. E os principais fabricantes de máquinas para as usinas térmicas já estão misturando gás e hidrogênio para diminuir o impacto sobre o meio ambiente. “A gente está convencido de que o sistema sem gerador com máquinas síncronas é inoperável”.  Acompanhe os principais trechos dessa entrevista a seguir.

 

A associação representa geradores de ativos de diferentes fontes, de gás natural a energia nuclear. Como é que o senhor vai congregar esses interesses nesse próximo mandato?

Nossa concentração total agora está sendo no Leilão de Reserva de Capacidade por Potência, o chamado LRCAP, que é diferente de um leilão de energia. Ele é voltado para a confiabilidade e agora também para a flexibilidade do sistema. Achamos que todas as fontes são importantes na matriz energética, sendo que cada tipo de fonte tem um atributo especial. O atributo da geração termelétrica é o aspecto da confiabilidade eletroenergética. Assim, nossa principal atuação neste ano está sendo a modernização do LRCAP. Logo após vamos nos voltar para a geração térmica do futuro, já pensando na transição energética e na impossibilidade de um sistema elétrico de potência funcionar sem um respaldo bastante elevado de geração termelétrica e hidrelétrica.

Falando do LRCAP, houve um grande interesse por parte das empresas. Como está vendo a participação das usinas térmicas nesse leilão?

O interesse foi geral, de geradores e até armazenadores que não são geradores. Com a fortíssima migração das demandas das distribuidoras para o mercado livre, o leilão de energia, que fornecia os contratos de longo prazo, foi completamente esvaziado. Sobrou o LRCAP e saiu todo mundo correndo tentando entrar. Depois de muita discussão, o Ministério concluiu quais eram as fontes que poderiam entrar. Achamos que o Ministério tem 95% de razão e tem uns 5% que a gente discorda um pouco. Mas todos os geradores térmicos já entenderam claramente que o papel deles nessa matriz é confiabilidade. Portanto, este é um leilão para expansão com projetos de longo prazo.

Há algum aspecto no formato do leilão que considera que poderia ser mais bem elaborado para atrair mais interessados?

Sim. Temos um respeito técnico muito grande pelo Ministério. Mas tem um ponto, e eles sabem, que a gente tem uma opinião bastante diferente. O leilão separa energia nova de energia existente, e achamos isso inadequado. Eu tenho um edital e se a usina térmica atende ao edital, não interessa se ela é nova ou se ela é velha. Esse é o principal ponto. O segundo ponto que achamos não estar bem calibrado é o problema das penalizações. A Thymos, nossa consultora, fez um estudo analisando todos os leilões de capacidade no mundo e verificamos o nível de penalização para usinas térmicas. Mostramos que o Brasil é disparado o campeão mundial de penalidades. Levamos isso ao Ministério, eles já reduziram um pouco as penalizações e ficaram de estudar mais o assunto.

O senhor falou sobre o estudo da Thymos e nele tem uma indicação de necessidade de mais 16 GW de termelétricas. Atualmente, a matriz está com 48 GW de termelétricas de todas as fontes. Qual foi o critério do estudo?

Esse trabalho da Thymos fala em 16 GW até 2028. Agora com o leilão até 2030 nossa estimativa passa para 23 mil MW. O CNPE – Comitê Nacional de Política Energética – aprovou um critério de confiabilidade para o sistema nacional que diz que a probabilidade de perda de carga, a sigla é LOLP (loss volume probability), tem que ser menor ou igual a 5% e a profundidade desse corte tem que ser menor do que 5%. Além disso, até 2030 vamos ter cerca de 15 mil MW de térmicas terminando contrato. Considerando confiabilidade e fim de contratos, a Thymos calculou a necessidade até 2030 de 23 GW. Esses 15 GW que estão terminando eu espero que volte. Então, seriam só 8 GW.

E de todas as fontes? Ou são fontes específicas dentro desse mix?

R- São fontes que o operador ordenou, ele liga. Porque além da confiabilidade, agora com essas intermitências, o pessoal do ONS quer também a flexibilidade. É a partida rápida, é poder ligar e desligar sempre que necessário. Vai ser mais caro, mas esse é o preço que a gente vai pagar pelas intermitências. Por exemplo, todo mundo conhece a agora famosa curva do pato. Tem aquela lombada que tem que subir rapidamente quando o sol para de brilhar. Essa rampa para atingir novamente o pico da demanda sem a solar está chegando a 40 mil MW. Hoje as hidrelétricas são os principais supridores. E ainda não se partiu com muita térmica porque nesses períodos tem muita água e a hidrelétrica tem máquina síncrona também, que segura a demanda. É um verdadeiro absurdo não liberar mais usinas hidrelétricas com reservatório. São as melhores usinas do sistema!

Como o senhor avalia a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro hoje?

Todo mundo se lembra do dia 15 de agosto de 2023. Vou explicar a questão da instabilidade no sistema para chegar ao problema ocorrido. Existem dois problemas de instabilidade principais. Um é instabilidade de frequência angular, quando o sistema começa a balançar e pode desligar. Essa instabilidade é curada com inércia. Existe outro tipo de instabilidade, e esse é diabólico, é mais mortal. É a instabilidade de tensão, que tem a ver com a robustez do sistema, com a capacidade de curto-circuito. Dá um problema de tensão em determinadas barras do sistema e eu não tenho potência reativa suficiente para manter a tensão naquelas barras. As eólicas e solares geram pouca potência reativa e o reativo não se transmite à distância. Então, quando se tem barramentos isolados, longe de geração, toma cuidado porque é um convite à instabilidade de tensão. E foi o que aconteceu no dia 15 de agosto de 2023. Nesse dia, o sistema Nordeste estava operando normalmente, com um valor extremamente elevado de renováveis. Aí tivemos a abertura de uma linha de transmissão sem defeito, coisa que acontece a toda hora. Mas a tensão do sistema começou a oscilar, caiu drasticamente e derrubou o sistema até o Rio Grande do Sul. E só não derrubou tudo porque tinha esquemas de proteção. Ainda hoje temos esse problema. Mas o Operador Nacional está com um pouco mais de cuidado, fazendo o chamado curtailment e recolhendo a geração das eólicas e solares que seria mandada para a Região Sudeste. Ele diminui porque se aumentar muito, as linhas de transmissão vão consumir ainda mais reativo e vai faltar potência reativa naqueles pontos que são críticos.

Qual seria a solução mais segura?

A geração termelétrica ou hidrelétrica. É máquina síncrona gerando potência ativa e reativa, que garante a robustez do sistema. Por mais que se tente, não se consegue substituir uma máquina síncrona. Quem vai acabar com esse problema de confiabilidade é o LRCAP.

Como conciliar esse aspecto com a transição energética?

O sistema precisa ser planejado e operado baseado em um tripé: minimizar os impactos ambientais, com o que todos concordam. Mas tem também que maximizar a confiabilidade. Ninguém aguenta ficar sem luz todos os dias. Veja o que aconteceu em São Paulo e no Amapá. E essas duas coisas precisam ser feitas ao menor preço para o consumidor. As COPs só olham para uma parte do tripé, que é minimizar os impactos ambientais. Eles esquecem que a confiabilidade precisa ser maximizada. E ninguém maximiza confiabilidade com renovável. Hoje não tem substituto para os chamados combustíveis fósseis. Mas se não se consegue otimizar a confiabilidade sem geração térmica que gera potência ativa mais reativa, então tem que se perseguir no futuro uma forma de esverdear essas térmicas. Hoje estamos mais adiantados em duas frentes. Uma é chamada CCUS que é captura, armazenamento e uso de carbono nas térmicas. Um dos campeões mundiais de CCUS é a Petrobras, com trabalhos premiados universalmente. E a outra forma é misturar hidrogênio verde com gás natural. Os fabricantes principais de máquinas, GE, Siemens, Wartsila, Mitsubishi, todos já têm projetos em que operam suas máquinas com 40% de hidrogênio. Esse é o ponto que vamos discutir após o LRCAP. Porque a gente está convencido de que o sistema sem gerador com máquinas síncronas é inoperável.

Vamos falar do setor de gás. A produção é longe da costa, temos os desafios do transporte, o gás da Bolívia reduzindo, Vaca Muerta com a possibilidade de chegar ao Brasil e a geração termelétrica a gás num volume estável e não tão alto quanto já foi. Como o senhor avalia a penetração do gás na geração nos próximos anos?

Dados do IAA sobre crescimento da demanda global em 2024 por fontes: nuclear 8%, carvão 15%, renováveis 38%, óleo 11%, gás natural 28%. Quer dizer, das fontes normais, gás natural é a que mais cresce. E aqui no Brasil a coisa não vai ser diferente porque a nossa expansão está sendo feita muito mais através do GNL, porque a malha dos gasodutos é mais ou menos restrita. Por isso, os geradores térmicos estão se juntando com produtores e comercializadores de gás para ter a segurança de suprimento. Eu acho que a geração térmica a gás vai crescer aqui. Talvez não cresça tanto com o gás do pré-sal como a gente esperava, mas vai crescer muito com GNL. O gás natural continua sendo um senhor vetor para a transição energética.

Existe alguma atuação da Abraget para tratar dos vetos da lei das chamadas termelétricas jabutis que acabaram passando nas eólicas offshore e que foi vetada pelo presidente?

Desde o começo a Abraget não foi consultada, mas não fomos contra porque se trata de geração térmica. Mesmo sem ter participado, o que não pode acontecer é vetar baseado num estudo equivocado. Foi calculado que colocar essas térmicas custaria R$ 21 bilhões. Como não souberam calcular os benefícios, estimaram em zero. Fomos ao mercado e encontramos um outro trabalho, feito pela Thymos para uma outra associação, a Abegás, que calculou o valor dos benefícios de uma térmica. Estimaram a redução do risco de racionamento e o custo do déficit de energia em valor internacional. E por meio de simulações se demonstrou que colocando (em operação) essas térmicas na Lei da Eletrobras se reduz durante 10 anos o PLD médio do sistema brasileiro. Com os benefícios calculados se comparou com os R$ 21 bilhões do investimento e deu um superávit a favor das térmicas de R$ 7 bilhões.

Como é que o senhor vê o comportamento da geração térmica ao longo do ano de 2025?

Eu vejo com muito otimismo. Não tem jeito. A térmica é necessária, é fundamental inclusive para promover o aumento das renováveis. O LRCAP é um elemento que deixa a gente bem mais confortável com relação à posição técnica do governo. Portanto estou com muita esperança de que 2025, depois do LRCAP, já possamos começar a trabalhar na térmica do futuro.

Assista a entrevista na íntegra com Xisto Vieira Filho:

 

*Com a colaboração de Rosely Maximo

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