Revista Brasil Energia | Termelétricas e Segurança Energética

Conteúdo oferecido por TERMOGÁS e DIAMANTE ENERGIA

Térmicas para sanear o lixo no Brasil são viáveis?

Se depender do que está no Planares, a recuperação energética de resíduos sólidos urbanos (RSU), com geração termoelétrica, tem futuro promissor. Mas por que o Brasil avança lento neste quesito de saúde pública?

Por Marcelo Furtado

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

GNR Fortaleza: instalada no Aterro Sanitário Metropolitano de Fortaleza (CE), operado pela Marquise Ambiental, usina tem capacidade de produção de 90 mil m³/dia de biometano a partir do biogás do aterro (Divulgação)

O otimismo para desenvolver a fonte, com o atributo importante de saneamento ambiental, consta das metas 8 e 9 do Planares, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, instituído em 2022 pelo decreto 11.043, que foi elaborado à época para ajudar na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a PNRS, de 2010, que considera a recuperação energética como uma das soluções para a gestão adequada.

Na meta 8, há indicações do que pode (e deve) ser feito com biogás gerado em aterros. Com a digestão anaeróbica de resíduos orgânicos em biodigestores, o alvo é estimular projetos até 2040 que agregariam 69 MW de potência instalada. Já com a captação direta de biogás dos aterros, a contratação de potência seria maior, de 259 MW.

Na meta 9, voltada para os grandes projetos de usinas de recuperação energética, as UREs, que usam queima direta dos rejeitos dos aterros – a parte inservível para reciclagem –, o Planares vai mais longe. Com o equivalente a 14,6% dos RSU do país, a meta possível até 2040 seria para 994 MW, o suficiente para suprir 27 milhões de domicílios e que atrairia R$ 54,6 bilhões em investimentos, segundo cálculos do setor.

A existência das metas, porém, não é garantia para a nova opção de térmicas renováveis deslanchar. Para começar, pesa contra isso a tradição na política nacional de resíduos de não respeitar prazos. Durante a última década, por exemplo, a meta de erradicação de lixões no Brasil foi por várias vezes adiada, desde a primeira estabelecida pela PNRS, de 2014. A última delas, de agosto de 2024, também não foi obedecida, dado que atualmente ainda 41% dos resíduos sólidos urbanos do país são destinados de forma inadequada.

A análise também não é favorável ao se notar o baixo envolvimento do governo federal em levar adiante as metas do Planares, criado na gestão do governo Bolsonaro, segundo alerta o presidente da Asociação Brasileira de Energia de Resíduos, a Abren, Yuri Schmitke (foto). Passados quase três anos do decreto que instituiu o plano nacional, o dirigente avalia que nenhuma estratégia específica foi apresentada para o cumprimento das metas. Aliás, há ainda a dúvida se, na revisão do Planares programada para 2026, elas serão mantidas.

Balcão único

Na sua avaliação, além da manutenção das metas, o setor se ressente de marco regulatório específico para a biodigestão anaeróbia e para as usinas de recuperação energética, que fazem parte do projeto de lei do Programa Nacional da Recuperação Energética de Resíduos (PNRE), e que está engavetado no Senado há cerca de dois anos.

Em 2024, na votação do Paten - Programa da Aceleração da Transição Energética, houve a tentativa – sem sucesso – de incluir emenda do PNRE, que na leitura da Abren é central para viabilizar os investimentos. A medida estabelece balcão unificado de contratação das UREs, com o município licitando a usina por meio de contrato de concessão de forma vinculada à garantia de venda da energia elétrica para a União, com o montante alocado na forma de energia de reserva de capacidade.

Embora a primeira tentativa tenha sido frustrada, a mesma emenda será incluída em um substitutivo do PNRE, que será desenhado na forma de um programa batizado de Metano Zero. Segundo Schmitke, o novo PL vai estabelecer regras e incentivos para tratamento dos resíduos da agropecuária, urbanos e industriais por meio da biodigestão anaeróbia e das UREs, para geração de eletricidade, vapor, biofertilizantes, composto e outros produtos.

Imagem do projeto da URE Barueri: usina de 20 MW da Orizon, em obras, vai ser a primeira a gerar a partir da queima direta de resíduos sólidos urbanos e está prevista para operar em 2027 (Foto: Divulgação/Orizon)

O programa propõe condições para investimentos de até R$ 500 bilhões em capex e a criação de um certificado de origem para cobrir a diferença de preço. A emenda para criar o balcão único de contratação da fonte, pela proposta, terá o preço da energia calculado pela EPE e quantidade definida no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima dentro do Planares. O modelo permitiria que o governo negociasse quantidades e preços, para garantir previsibilidade e estabilidade econômica para os investimentos.

A questão do preço, aliás, para Schmitke não é um problema. Ao se considerar o preço atual pago aos aterros sanitários pela destinação, de cerca de R$ 140/t de RSU, uma usina pequena demandaria, no máximo, uma tarifa de R$ 750,00/MWh. Mas com um reajuste na taxa do lixo, e com boas condições de poder calorífico e de porte da usina, os valores poderiam cair a R$ 500,00/MWh, ou até menos, que seriam valores factíveis atualmente para térmicas que geram na base (inflexíveis) com 8.100 a 8.500 horas/ano de operação contínua e ininterrupta, com apenas uma a duas semanas por ano para manutenção preventiva.

Usina Termoverde Caieiras, de 29,5 MW, utiliza o biogás do aterro sanitário da Essencis, em São Paulo (Foto: Divulgação/Termoverde Solví)

Já para as usinas a biogás, os preços calculados pela Abren seriam ainda menores, variando de R$ 300 a R$ 440/MWh e, em específico o da biodigestão anaeróbia de RSU, que demanda o tratamento da fração orgânica em digestores, subiria para R$ 600 a R$ 781/MWh.

Schmitke chama a atenção ainda para o fato de o preço de energia de 20% do despacho de potência do ONS de termelétricas superar os R$ 750/MWh, com fósseis chegando a R$ 3.000/MWh. “Com isso, ao se adicionar uma usina WTE, o preço seria negativo e traria redução da tarifa do consumidor, além de ser uma excelente solução de saneamento básico, redução de gases de efeito estufa e de danos à saúde pública”.

Projetos

Embora pelo lado do governo federal, o setor se ressinta de apoio para levar adiante as metas do Planares, pelo lado de agentes do setor, sejam grupos privados ou alguns governos estaduais e municipais, há movimentações com potencial de pelo menos iniciar o mercado no país. Segundo a Abren, há identificados 300 MW em projetos, em vários estágios de maturação, a maior parte deles em fases incipientes.

A exceção, porém, é o primeiro projeto a sair do papel no país, a URE Barueri, de 20 MW, na região metropolitana de São Paulo, contratado no leilão de energia nova A-5, de 2021, e que vai entrar em operação no início de 2027, depois de ter conseguido um ano de prorrogação da entrada em operação pela Aneel.

Segundo informações obtidas pela Brasil Energia com a Orizon, proprietária da usina que ainda tem como sócia (20%) a Sabesp, as obras estão em ritmo acelerado e dentro do cronograma, com previsão até o início de maio de chegada dos equipamentos centrais da recuperação energética da planta (oxidação térmica), que estão sendo montados na China pela empresa Powerchina.

Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL), que recebe parte do lixo da capital paulista: Prefeitura de São Paulo prevê instalar duas UREs de 30 MW de potência e capacidade para tratar 1.000 toneladas/dia de rejeitos (Foto: Luciney Martins/O São Paulo)

O planejamento é fazer a montagem eletromecânica da oxidação térmica até junho de 2026. No início de 2026, o canteiro de obras começa a receber os sistemas da geração elétrica, contratados com empresas locais, como TGM e WEG.

Além da URE Barueri, a outra grande expectativa do mercado envolve projetos da prefeitura de São Paulo, que preveem duas usinas para recuperar a energia dos resíduos sólidos urbanos da capital paulista. O planejamento segue acordo de renovação de contratos das duas concessionárias de coleta de lixo da cidade, a Ecourbis e a Loga.

Pelo acordado para a renovação de mais 20 anos de prestação dos serviços, em 2028 São Paulo terá duas UREs, cada uma delas com capacidade para tratar mil toneladas por dia de rejeitos que deixarão de ser destinados a aterros e cuja potência instalada, também de cada uma delas, será de 30 MW. Os projetos, que incluem outras soluções de reciclagem e compostagem, visam tirar dos aterros até 2040 cerca de 70% do total coletado. A capital paulista gera 12 mil t/dia de resíduos sólidos urbanos.

O planejamento da cidade envolve ainda a possibilidade de mais duas usinas, de mesma capacidade, para 2035. Caso a experiência com as duas primeiras seja avaliada como positiva, os contratos preveem um “gatilho” para autorizar que as concessionárias instalem cada uma mais uma nova URE, elevando a capacidade de UREs na cidade para 120 MW, a partir de 4 mil t/dia de resíduos tratados.

O Aterro Sanitário de Samambaia, inaugurado em 2017 nos arredores de Brasília (DF), tem projeto de URE de 50 MW (Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília)

Além dos projetos paulistas, Brasília também tem dois projetos estruturados para sair do papel, classificados recentemente como prioritários pelo governador do Distrito Federal. O primeiro contemplará parceria público-privada (PPP) para construir central de triagem e três biodigestores para processar até 2.400 toneladas/dia e assim gerar biogás para eletricidade. O segundo é para uma URE de 50 MW, no aterro sanitário de Samambaia. Os investimentos totais são estimados em R$ 3,1 bilhões.

Há ainda projetos de UREs, todos eles com licenças ambientais prévias e pareceres de acesso à rede básica, apenas esperando as condições políticas e regulatórias para saírem do papel. São os casos do projeto do consórcio intermunicipal Consimares, na região de Campinas, em SP, de 22,5 MW, a URE Caju, no Rio de Janeiro, também para 20 MW, e da URE Mauá, do grupo Lara, de 77 MW, em Mauá, na região metropolitana de São Paulo.

Em São Paulo, ao todo há seis projetos de usinas de recuperação energética com licença ambiental de instalação emitidas pela Cetesb, que juntos somam 176,98 MW de potência instalada e capacidade para processar 6.908 toneladas por dia de resíduos sólidos urbanos. Além das usinas de Barueri, Mauá e do Consimares, há também projeto de URE de 50 MW para a Baixada Santista, no litoral sul paulista, cuja capacidade de recebimento de resíduos em aterros está esgotada.

Usina do grupo Urca, localizada na Lara Central de Tratamento de Resíduos, em Mauá (SP), tem capacidade de 5 MW produzidos a partir de biogás de aterro sanitário (Foto: Divulgação)

Completam a lista de projetos licenciados em São Paulo mais dois que pretendem utilizar a tecnologia de gaseificação de resíduos. Trata-se da URE Nova São João, em São João da Boa Vista, projetada para receber 150 t/dia e potência de 2,98 MW, e uma outra em Bragança Paulista, da Weber Consultoria e Engenharia, para tratar 180 t/dia de RSU e com 4,5 MW de potência.

Além do ambiente regulatório, o presidente da Abren sugere que uma forma de acelerar a implantação das usinas é o desenho de leilões específicos de capacidade para contratar a fonte. Segundo ele, além de garantir a perenidade de investimentos, isso ajudaria o país no cumprimento das metas do Acordo de Paris, do Global Methane Pledge (acordo global para reduzir as emissões de metano em 30% até 2030) e do recente acordo firmado em Baku na COP29, que prevê o desvio de resíduos orgânicos de aterros sanitários para mitigar as emissões de metano.

Veja outras notícias sobre termelétricas e segurança energética

Últimas