Opinião

Avaliação de Estratégias para Usinas Eólicas ao Final da Vida Útil

Cada projeto é único... daí a importância de estudos customizados de viabilidade técnica e econômica, executados por empresas especializadas e independentes

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Introdução

Segundo levantamento da Empresa de Pesquisa Energética (2021) [i], até 2030, 51 usinas eólicas (UEEs) no Brasil terão ultrapassado 20 anos de operação. São mais de 600 aerogeradores, totalizando 940 MW de potência, aproximando-se do fim de suas vidas úteis. O objetivo deste artigo é apresentar alternativas de estratégias para o fim da vida útil de UEEs, suas características e variáveis a serem consideradas na avaliação desses cenários para usinas brasileiras.

Vida Útil

Como referência, a norma IEC 61400-1, da Comissão Eletrotécnica Internacional, prevê que o projeto de um aerogerador tenha vida útil mínima de 20 anos (IEC, 2005)[ii]. Para usinas mais novas, por exemplo, um levantamento de Wiser, Bolinger e Lantz (2019)[iii] junto a proprietários de UEEs na América do Norte mostra a expectativa de vida operacional de cerca de 30 anos para seus projetos mais recentes. Entretanto, a vida útil de uma UEE depende não somente da durabilidade dos componentes do aerogerador e da tecnologia adotada, mas das condições climáticas e operacionais a que foram submetidos os equipamentos ao longo da operação (EPE, 2021). Logo, ao se aproximar dos 20 anos de operação, é desejável realizar uma avaliação técnica do estado dos aerogeradores e demais componentes da UEE, além da infraestrutura de conexão de interesse restrito. A partir dos resultados dessa avaliação, deve-se avaliar as possíveis estratégias do que se fazer com esses parques no futuro, tendo em vista o prazo de 35 anos da outorga de autorização para exploração de geração concedida pela ANEEL.

As Possíveis Estratégias e suas Características

As estratégias possíveis e as terminologias adotadas variam um pouco nas diferentes referências consultadas. Para fins deste artigo, serão consideradas as seguintes estratégias:

a) Extensão da vida útil

Consiste na “troca de componentes como gerador, caixa multiplicadora, mecanismos de controle de direção ou de frenagem, entre outros” (EPE, 2021).  Essa estratégia é também chamada de reabilitação ou retrofit, ou ainda, overhaul do sistema. Ela pode ser executada em diferentes níveis e tem como objetivo possibilitar a UEE a operar por um período incremental de diversos anos, além de aumentar sua eficiência (Lantz; Leventhal; Baring-Gould, 2013)[iv]. Segundo Leite et al. (2022), o objetivo é “de recuperar ou incrementar a performance original do projeto, estendendo o tempo de operação e a vida útil de seus componentes por prazo superior ao que foi inicialmente projetado”. O principal benefício econômico é de prolongar o fluxo de caixa da UEE com investimentos menores quando comparados às alternativas de repotenciação. Porém, deve-se considerar que os gastos com manutenção deverão aumentar com o passar dos anos, devido a maior necessidade de ações de reparo em equipamentos desgastados (Leite et al., 2022).

b) Repotenciação parcial

Consiste na substituição de grandes componentes por outros novos e mais modernos, permitindo que o aerogerador tenha incremento de potência e fator de capacidade. Com isso, prolonga-se a vida útil da UEE. A substituição pode contemplar o aumento do diâmetro do rotor, a potência do aerogerador e/ou da altura do eixo do cubo. Essa estratégia também pode ser executada em diferentes níveis. Porém, segundo a EPE (2021), supõe que sejam aproveitadas as torres e as fundações pré-existentes. Logo, o valor do investimento de capital em ativos fixos (CAPEX) é menor que na estratégia de repotenciação total, descrita abaixo. Contudo, o ganho de desempenho também é menor (Lantaz; Leventhal; Baring-Gould, 2013).

c) Repotenciação total

Consiste no descomissionamento de toda a UEE e implementação de outra configuração, permitindo a instalação de torres mais altas e turbinas novas de maior potência (EPE, 2021). A repotenciação geralmente envolve a construção de novas fundações e pode envolver a substituição de alguns dos equipamentos elétricos, caso haja aumento da potência total da UEE (IWEA, 2019)[v]. A principal vantagem é o incremento no fator de capacidade, devido principalmente ao avanço tecnológico dos aerogeradores, e à redução do gasto com operação e manutenção (O&M). Por considerar novos aerogeradores, permite a ampliação da vida útil da UEE por, pelo menos, mais 20 anos.

Tabela 1: Características das Estratégias para Usinas Eólicas ao Final da Vida Útil

 Fonte: elaboração do autor.

 

d) Descomissionamento

Por fim, existe a estratégia de descomissionamento definitivo. Ela consiste na desmontagem, descontaminação (se aplicável), preparação para destinação e disposição final dos aerogeradores e demais componentes (EPE, 2021). Deve-se também considerar a recuperação do imóvel para devolução ao proprietário, nos termos previstos no respectivo contrato e atendimento a eventuais outras exigências do respectivo órgão de licenciamento ambiental. O descomissionamento pode ser feito de diferentes formas, cada qual com seus desdobramentos de custos e prazos. Segundo a Canadian Wind Energy Association (2020)[vi], os ativos podem ser simplesmente demolidos, desmontados visando à sua reutilização ou desmontados para revenda, reciclagem ou inutilização.

Se tomada a experiência europeia como referência, a WindEurope (2019)[vii] aponta que dos cerca de 22 GW de projetos eólicos que atingirão 20 anos entre 2019 e 2023, 18 GW terão sua vida útil estendida, 2 GW serão descomissionados e 2 GW serão submetidos à repotenciação.

Variáveis a Serem Consideradas no Caso Brasileiro

Devido ao expressivo avanço tecnológico dos aerogeradores, pode haver casos em que faça sentido econômico fazer a repotenciação do projeto antes mesmo do fim de sua vida útil, conforme também observaram Bona, Ferreira e Duran (2020) [viii]. Por essa razão, deve-se sempre avaliar o ano ideal para fazer o investimento, seja qual for a estratégia.

Conforme observado na Figura 1, a altura do eixo do cubo e do diâmetro do rotor dos aerogeradores subiram de menos de 50 metros para 95 e 112 metros, respectivamente. A potência dos aerogeradores subiu de 0,5 MW para, em média, 2,4 MW para as UEEs que entraram em operação em 2019 (EPE, 2021). Desde então, modelos com potência superior a 4 MW têm dominado o mercado brasileiro, e os principais fabricantes já oferecem aerogeradores com mais de 6 MW.

Figura 1 – Evolução Tecnológica dos Aerogeradores das Usinas Eólicas no Brasil.

 Fonte: EPE (2021).

 

Bona, Ferreira e Duran (2020) avaliaram o potencial para repotenciação total no Brasil do ponto de vista técnico. Eles concluíram que o foco inicial deveria ser nos 179 parques eólicos com aerogeradores de menos de 2MW, para os quais o fator avanço tecnológico terá maior peso. Lantz, Leventhal e Baring-Gould (2013) destacam, como fatores críticos para a atratividade da repotenciação, os preços de venda de energia elétrica, a durabilidade e confiabilidade dos aerogeradores, o avanço tecnológico, o quanto será possível reutilizar a infraestrutura existente e o nível de recurso eólico disponível. Embora seja menor a incerteza quanto ao recurso eólico, deve-se avaliar se o recurso da UEE analisada é, de fato, competitivo com o de novos projetos atualmente em implantação.

Leite et al. (2022)[ix] avaliaram quatro estratégias para parques eólicos no Brasil, sendo uma de repotenciação total e três de diferentes escopos para extensão de vida útil. Concluiu-se que a premissa de maior impacto em todos os cenários foi o preço da energia elétrica, seguida, com menor relevância, do fator de capacidade incremental de cada estratégia, do CAPEX para a repotenciação e do OPEX[2] para os cenários de extensão de vida útil. Vale ressaltar que a grande maioria das UEEs no Brasil com mais de 10 anos de operação tem contratos de venda de energia elétrica no ACR[3] com prazo de 20 anos (EPE, 2021). Após esse período, o fluxo de caixa das usinas passará a ficar susceptível à volatilidade dos preços do mercado de curto prazo, à exceção daqueles empreendedores que manifestaram concordância com a renovação dos contratos do Proinfa nos termos do Art. 23 da Lei 14.182 de 2021[x]. Portanto, no caso das UEEs que ficarão descontratadas, a depender das premissas de preço, poderia fazer mais sentido descomissionar as usinas.

No caso brasileiro, a previsão na Lei 14.120 de 2021[xi] do fim do desconto na TUST/D para novos empreendimentos, expansões de capacidade e usinas existentes quando do vencimento de suas outorgas valorizou as estratégias de extensão de vida útil e de repotenciação das UEEs. Por essa mesma razão, escopos de repotenciação que considerem aumento da potência total da UEE tendem a ser menos competitivos, quando não inviáveis devido a restrição na capacidade de escoamento da energia elétrica.

Vale destacar que nem todas as UEEs estariam aptas ou com condições favoráveis para uma repotenciação, ainda que não se altere a potência total do parque. A depender do layout da UEE, uma modernização dos aerogeradores pode aumentar as perdas do próprio parque devido ao efeito esteira. Neste tema, a EPE (2021) alerta para a necessidade de se obter a concordância, por parte dos proprietários de parques vizinhos potencialmente afetados, para a instalação de novos equipamentos, conforme prevê a resolução normativa ANEEL nº 876 de 2020. A depender do cenário de repotenciação, o incremento de vida útil pode superar em muito o prazo de 35 anos da outorga de autorização. Nesses casos, uma eventual não renovação poderia afetar drasticamente sua viabilidade econômica. Podem existir restrições também para as estratégias de extensão de vida útil. Leite et al. (2022) chamam atenção para a necessidade de se certificar que os componentes dos antigos aerogeradores continuarão disponíveis no mercado pelo prazo adicional previsto.

Em ambas as estratégias, deve-se verificar se o prazo de vigência do contrato de uso do imóvel acompanha o prazo da outorga de autorização. É necessário avaliar quais benefícios fiscais são aplicáveis sobre o CAPEX. Ademais, é importante apurar a eventual necessidade de alterações no licenciamento ambiental e eventuais condicionantes para renovação de prazo.

Ainda, pesarão na decisão o contexto microeconômico do setor e macroeconômico do país no momento da avaliação pelo empreendedor. O orçamento estimado de CAPEX, de O&M e dos preços de energia elétrica, por exemplo, dependem de condições de mercado – fora do controle do empreendedor. Da mesma forma, o empreendedor não tem influência sobre as condições de financiamento disponíveis, as taxas de juros dos títulos de dívida do Tesouro e a taxa de câmbio.

Como Avaliar as Estratégias

Feita a avaliação técnica do estado dos aerogeradores e dos demais ativos da UEE, devem ser definidos os escopos mais adequados de extensão de vida útil e repotenciação, conforme as características da UEE em análise. A repotenciação, parcial ou total, pode não ser tecnicamente viável pelas inúmeras restrições e desafios citados anteriormente. Nessa situação, restam somente as estratégias de extensão de vida útil ou descomissionamento. Este é o caso base, ou seja, se não forem feitos novos investimentos, recomenda-se considerar que o empreendedor fará o descomissionamento após 20 anos de operação.

Definido tecnicamente o escopo das estratégias, é necessário estimar com diligência seus benefícios operacionais, externalidades – positivas e negativas – e respectivo orçamento (CAPEX incremental e OPEX anual). Então, deve ser elaborado um fluxo de caixa detalhado para fins de estudo de viabilidade econômica de cada cenário. Para isso, deve-se considerar somente o fluxo de caixa incremental da respectiva estratégia versus o cenário base (descomissionamento).

Na sequência, calcula-se a taxa interna de retorno (TIR) e o valor presente líquido (VPL) para cada cenário e para as análises de sensibilidade de premissas dele derivadas. Ao final, deve-se decidir pela estratégia que gerar o maior VPL esperado, desde que os riscos incorridos sejam aceitáveis e compatíveis com o retorno (Ruiz, 2021)[xii].

No caso do cenário de repotenciação total, os resultados devem ser comparados não somente às demais estratégias de fim de vida útil, mas também ao investimento em novos projetos de geração em outros locais, sejam greenfield ou brownfield.

Como referência, Leite et al. (2022) propõem uma metodologia alternativa para a avaliação das diferentes estratégias e tomadas de decisão. Ela é dividida em quatro etapas:

(i) Definição de matriz de premissas;

(ii) Cálculos de TIR e VPL para o cenário base e cada uma das estratégias;

(iii) Análise de sensibilidade de premissas para cada estratégia; e

(iv) Processamento dos resultados de incremento de TIR e VPL de cada cenário e sensibilidade em histograma para análise estatística.

Conclusões

A experiência europeia mostra ser mais comum a estratégia de extensão de vida útil. Leite et al. (2022), contudo, concluíram que a estratégia de repotenciação total, na média, apresenta melhores resultados econômicos no Brasil, apesar do maior risco. Nesse caso, tende a não ser vantajoso aumentar a potência dos projetos em fim de vida útil, em função do desconto na TUST/D. Também devido ao desconto, válido pelos 35 anos de vigência das outorgas, é improvável que a melhor estratégia seja de descomissionar uma UEE após apenas 20 anos de operação.

Fato é que as diferentes literaturas e benchmarks internacionais mostram não haver uma estratégia que seja a melhor em todos os casos. Cada projeto é único, assim como seu contexto regulatório e comercial. Ademais, pesarão na decisão o contexto microeconômico do setor e macroeconômico do país no momento da avaliação pelo empreendedor. Daí a importância de estudos customizados de viabilidade técnica e econômica, executados por empresas especializadas e independentes, e feitos com antecedência. Por fim, considerando o peso dessas estratégias na rentabilidade de uma UEE, recomenda-se contemplá-las, desde o princípio, na avaliação de novos projetos de usinas.

 

[1] WTG: Wind Turbine Generator ou, em português, aerogerador.

[2] OPEX: Operational Expenses ou, em português, custos e despesas operacionais.

[3] ACR: Ambiente de Contratação Regulada.

[i] EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Empreendimentos Eólicos al Fim da Vida Útil: situação atual e alternativas futuras. Nota Técnica EPE-DEE-NT-012/2021-r0. Brasília: EPE, 2021. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/nota-tecnica-empreendimentos-eolicos-ao-fim-da-vida-util-situacao-atual-e-alternativas-futuras->. Acesso em 31 out. 2022.

[ii] INTERNATIONAL ELECTROTECHNICAL COMMISSION. Wind Turbines – Part 1: Design Requirements. IEC 61400-1. 3rd. ed. [S.l.]: IEC, 2005.

[iii] WISER, R.; BOLINGER, M.; LANTAZ, E. Benchmarking Anticipated Wind Project Lifetimes: Results from a Survey of U.S. Wind. Berkeley: Lawrence Berkeley National Lab. 2019. Disponível em: <https://eta-publications.lbl.gov/sites/default/files/opex_paper_final.pdf>. Acesso em 31 out. 2022.

[iv] LANTZ, E.; LEVENTHAL, M.; BARING-GOULD, I. Wind Power Project Repowering: financial Feasibility, decision Drivers, and Supply Chain Effects. Denver: NREL, 2013.

[v] IRISH WIND ENERGY ASSOCIATION. Lifecycle of an Onshore Wind Farm. IONIC Consulting. 2019. Disponível em: <https://www.iwea.com/images/files/iwea-onshore-wind-farm-report.pdf>. Acesso em: 31 out. 2022.

[vi] CANADIAN WIND ENERGY ASSOCIATION. Decommissioning/Repowering a Wind Farm. CanWEA, 2020. Disponível em: <https://canwea.ca/communities/decommissioningrepowering-wind-farm>. Acesso em: 31 out. 2022.

[vii] WINDEUROPE. Wind Energy in Europe: Outlook to 2023. [S.l], 2019.

[viii] BONA, J. C.; FERREIRA, J. C.; DURAN, J. O. Analysis of scenarios for repowering wind farms in Brazil. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 135, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.rser.2020.110197.

[ix] LEITE, G. N. P.; WESCHENFELDER, F.; FARIAS, J. G.; AHMAD, M. K. Economic and sensitivity analysis on wind farm end-of-life strategies. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 160, 2022. DOI: https://doi.org/10.1016/j.rser.2022.112273.

[x] BRASIL. Lei nº 14.182, de 12 de julho de 2021. Dispõe sobre a desestatização da Eletrobras e dá outras providências. Brasília. 2021.

[xi] BRASIL. Lei nº 14.120, de 01 de março de 2021. Altera a Lei nº 9.427/1996 e dá outras providências. Brasília. 2021.

[xii] RUIZ, E. T. N. F. Decisão de Investimento. In: Ruiz, Eduardo T. N. F. (Org.). Análise de investimento em projetos de energia solar fotovoltaica: geração centralizada. 2ª ed. Campinas: Alínea, 2021.

 

Eduardo Tobias Ruiz é sócio fundador e diretor da Watt Capital, empresa de assessoria financeira para investimentos, estruturação de financiamento e compra e venda de projetos e ativos de energias renováveis no Brasil. É especialista em análise de viabilidade econômica de projetos, financiamento, M&A e desenvolvimento de negócios no setor. Eduardo é professor convidado da FGV de “Avaliação de Projetos Aplicada ao Setor Elétrico" e de “Financiamento no Setor Elétrico”, e cofundador e coordenador da Força-Tarefa de Hidrogênio Verde da ABSOLAR. É autor dos livros “Análise de Investimento em Projetos de Energia Solar Fotovoltaica” (2021) e “Análise de Investimento em Projetos Greenfield de Bioenergia” (2015). É Bacharel em Administração de Empresas pela FGV- EAESP e Mestre em Agroenergia pela FGV-EESP.

 

 

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