Opinião

Alternativas para viabilizar as descobertas do pré-sal

Por Redação

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As recentes descobertas da Petrobras e de seus parceiros no pré-sal das bacias de Santos, Campos e Espírito Santo desencadearam um debate sobre a melhor maneira de a sociedade se beneficiar de um recurso finito e não renovável que é de propriedade da União. Várias vozes vêm se pronunciando sobre o tema, que é bastante complexo. Procuraremos esclarecer algumas facetas do assunto, apontando alternativas para os diversos pontos levantados, tais como a maneira de otimizar a participação do Estado na renda petroleira, o controle dos hidrocarbonetos produzidos e as possíveis modalidades contratuais, entre outros.

Qual a melhor maneira de a sociedade auferir os lucros da renda petroleira?

Ninguém questiona que os recursos pertencem à União e, portanto, a todos os brasileiros. No entanto, existem opiniões diversas sobre como a sociedade deve participar da renda gerada. Basicamente, existem duas formas de a União participar da renda petroleira. A primeira, sem qualquer risco, é através das diversas taxas, impostos (diretos e indiretos) e contribuições aplicáveis à atividade petroleira (conjuntamente conhecidas por participações governamentais), tais como royalties, participações especiais, bônus de assinatura e imposto de renda.

A segunda, que envolve riscos e investimentos de recursos públicos, é como acionista dos projetos. Caso o governo entenda que deve receber uma participação maior na renda petroleira, pode fazê-lo sem assumir nenhum risco através do aumento das participações governamentais, bastando para tal modificar o Decreto Presidencial 2.705/98 e as portarias da ANP associadas. Caso queira assumir os riscos e os investimentos vultosos necessários à sua participação como acionista, pode fazê-lo através dos veículos já existentes (atualmente, Petrobras e BNDES) ou criar uma nova estatal. Os vultosos investimentos necessários, porém, darão retorno em uma década ou mais.

Seria esta a melhor maneira de investir os escassos recursos públicos? Qual a fatia atual do governo na produção de petróleo no Brasil?

A participação governamental é definida como o valor total arrecadado através de impostos, taxas e outras contribuições, dividido pelo valor de venda da produção menos os custos operacionais e de investimentos. Ela varia com o tempo e depende de vários fatores, tais como preços de petróleo, custos de extração, tamanho e localização do campo, qualidade do petróleo produzido, tempo decorrido desde a entrada em produção etc. Atualmente a participação governamental no Brasil varia entre 60% e 95%, sem contar as receitas auferidas pelo governo como investidor através de Petrobras e BNDES.

É necessária a criação de uma nova empresa estatal?

Uma empresa 100% estatal é condição necessária nos regimes de partilha de produção e de contratos de serviço, mas não em regime de concessão. Neste caso, a criação de uma nova estatal é uma decisão empresarial do governo. Esta empresa arcaria com uma parcela dos investimentos, proporcional à sua participação societária nos projetos, ficando também exposta aos riscos inerentes à atividade.

Qual a modalidade contratual mais adequada para o governo arrecadar mais?

A participação governamental não depende da modalidade contratual, e sim do regime fiscal. Por si só, a modalidade contratual – contrato de concessão, partilha de produção ou contrato de serviço – não garante maior arrecadação ao governo, que pode atingir a mesma participação com qualquer destes modelos. A participação governamental está associada ao risco assumido pela empresa contratada: quanto maior o risco, maior a remuneração necessária para atrair investimentos, o que leva a uma menor participação governamental.

Contratos de concessão são adequados para ambientes de baixo risco exploratório?

Da mesma forma que a participação governamental independe do tipo de contrato, modalidades contratuais não são associadas ao risco exploratório. Contratos de concessão são adotados tanto por países com risco exploratório relativamente baixo (Venezuela, Arábia Saudita, EUA) como por países com risco exploratório alto (Marrocos, Peru). Da mesma forma, contratos de partilha são adotados em países de baixo risco (Angola, Argélia, Líbia) e de alto risco (Tanzânia, Índia). A modalidade contratual tampouco tem relação com o fato de o país ser exportador ou importador de petróleo. Países exportadores adotam tanto contratos de concessão (Noruega, Venezuela, Canadá) como de partilha (Angola, Nigéria). Países importadores também adotam modelos de concessão (EUA, África do Sul) e de partilha (China, Índia).

Quais são os riscos associados à exploração de petróleo?

Existem vários riscos inerentes à atividade: geológicos, comerciais, operacionais, de preços, etc. Não existe risco geológico nulo na atividade petrolífera, e todas as recentes descobertas do pré-sal ainda apresentam considerável risco comercial, associado à viabilidade econômica de produzir petróleo em águas profundas, longe da costa e em áreas sem qualquer infra-estrutura. Estes recursos somente serão viáveis após comprovadas as características de produtividade dos reservatórios, ainda desconhecidas, e em ambiente de preços altos de petróleo como os atuais. Nada garante que os preços se manterão nestes patamares, nem que os poços terão produtividade suficiente para justificar sua explotação econômica. Os maiores riscos são assumidos após as descobertas, quando são necessários investimentos bilionários e com longo prazo de maturação para viabilizar a produção.

Se o risco exploratório é baixo no pré-sal, não deveriam ser criadas regras específicas?

Antes das recentes descobertas no alto externo da Bacia de Santos, cerca de 200 poços já haviam sido perfurados no Brasil com objetivos no pré-sal, principalmente em Campos, com índice de sucesso de cerca de 10%. Atualmente os campos de Badejo, Pampo, Trilha e Linguado produzem das coquinas da Formação Lagoa Feia, localizada no pré-sal. Estes campos, relativamente modestos, não podem ser comparados aos recém-descobertos em Santos, em que pese serem todos do pré-sal. O importante é estabelecer regras suficientemente flexíveis, adaptáveis às características de cada campo, taxando mais os campos com grande volume de produção e grande rentabilidade, independente da formação geológica.

Quais são os investimentos necessários para viabilizar a produção do pré-sal?

As estimativas são imprecisas, visto que as descobertas ainda não foram quantificadas. Um único campo com as dimensões estimadas de Tupi (5 a 8 bilhões de barris de óleo equivalente) necessita de investimentos da ordem de US$ 50 bilhões durante sua vida útil. Os investimentos totais para desenvolver todo o pré-sal brasileiro podem ultrapassar US$ 1 trilhão, volume comparável a todo o PIB brasileiro.

O governo pode ter a propriedade do petróleo produzido no regime de concessões?

O artigo 26 da Lei do Petróleo estabelece que o concessionário terá a propriedade dos hidrocarbonetos produzidos, após pagamento dos tributos e demais participações devidas. Uma alternativa para dar à União maior controle sobre o petróleo produzido é estabelecer a opção, a seu exclusivo critério, de receber os royalties e a participação especial em produto, em vez de recebê-los em moeda nacional. Tal opção poderia ser feita mediante pequenas modificações na Lei do Petróleo, no Decreto Presidencial 2.705/98 e nas portarias da ANP que o regulamentam.

Como garantir que o petróleo brasileiro não será exportado sem atender às necessidades do parque de refino nacional?

Em que pese o direito do concessionário de exportar os volumes produzidos, mediante autorização da ANP, é possível direcionar a venda do petróleo produzido no Brasil para as refinarias nacionais. Os contratos de concessão atuais já contêm cláusula impedindo exportações em caso de emergência nacional decretada pelo Presidente da República. Cláusulas semelhantes, dando prioridade para vendas no mercado doméstico, desde que a preços de mercado, poderiam ser introduzidas nos futuros contratos de concessão.

Em resumo, é possível ao governo atingir todos os seus objetivos através de mudanças cirúrgicas em poucos artigos da Lei do Petróleo, além de mudanças infralegais (decretos presidenciais, editais de licitação, contratos de concessão futuros e portarias da ANP). Essas mudanças, que gozam de certo consenso entre a sociedade, poderiam ser implementadas rapidamente sem colocar em risco as conquistas da Lei do Petróleo, que possibilitou, em apenas uma década, que o Brasil se tornasse auto-suficiente, que a Petrobras se transformasse em uma das maiores empresas mundiais de energia e que o Brasil contasse com uma gama de petroleiras, que vão desde gigantes multinacionais até pequenas empresas brasileiras, gerando um grande número de empregos e investimentos no país.

Estes objetivos somente serão alcançados se forem preservadas a transparência do nosso sistema, a atratividade para os investidores, além da estabilidade das regras, fator fundamental para viabilizar os investimentos vultosos e de longo prazo de maturação associados não somente ao pré-sal, mas também a qualquer projeto significativo de exploração e produção de petróleo e gás natural. Caso contrário, corremos o risco de uma vez mais deixar passar uma excelente oportunidade para realizar as transformações de que o Brasil necessita.

Ivan Simões Filho é vice-presidente da BP Brasil, coordenador da Society of Exploration Geophysicists (SEG) para a América Latina, presidente do Comitê de Energia da Britcham e membro dos Comitês de E&P e de Política Energética do IBP. Geólogo pela Universidade de Nancy (França) e doutor em geofísica pela UFBA, foi professor da Unicamp, superintendente de Promoção de Licitações da ANP e gerente geral da Gaffney Cline & Associates para o Cone Sul.

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