Opinião
Instituto Acende Brasil: Agenda prioritária do novo governo para o setor elétrico
Aprimoramentos institucionais, políticas de impacto tarifário/regulatório, e diretrizes de expansão são as três grandes categorias de pautas a serem encaradas
Encerradas as eleições de outubro e escolhidos o novo Presidente da República e os novos representantes do Congresso Nacional, os setores de infraestrutura têm alta probabilidade de retornar para a agenda prioritária nacional. Uma das pautas que requererá mais atenção das novas autoridades será o setor elétrico, que vive um momento que combina três grandes categorias temáticas que definirão o sucesso dos próximos anos: aprimoramentos institucionais, políticas de impacto tarifário/regulatório, e diretrizes de expansão.
Aprimoramentos Institucionais
Na categoria de aprimoramentos institucionais, podemos destacar três temas: (1) fim das indicações políticas em cargos técnicos; (2) continuação das privatizações; e (3) apoio ao Congresso na construção de ambiente regulatório indutor de investimentos.
O mercado receberá de braços abertos o compromisso do novo Presidente da República de promover a ocupação de cargos-chave com base na meritocracia e sem indicações políticas. Se isso realmente acontecer, todas as demais dimensões do setor aumentarão exponencialmente suas chances de sucesso. Com bons técnicos no Ministério de Minas e Energia (MME) – comandados pelo Ministro, que precisa dar guarida política à sua equipe – e nas estatais do setor (presidentes e diretores da Petrobras e Eletrobras, e todas suas subsidiárias), não apenas as políticas públicas passam a nascer com racionalidade derivada de profissionalismo, mas também diminuem os riscos de criação de passivos empresariais por falta de competência.
É preciso continuar o esforço de privatização das estatais porque, por melhor que seja a qualidade de gestão nas estatais, a história e os números comprovam que a falta de definição clara da função-objetivo das estatais abre espaço para uma tentação permanente de captura por grupos de pressão, entre os quais políticos e sindicatos. Privatizar é preciso porque, em certos momentos, mesmo os melhores executivos, e mesmo que tenham sido selecionados de forma meritocrática, poderão sucumbir às pressões do Poder Executivo para usar as estatais como ferramentas sem fins empresariais. Afinal, houve destruição de centenas de bilhões de reais nas distribuidoras federalizadas da Eletrobras, que se tornaram currais de poder de políticos locais, cabides de emprego, modelos de ineficiência em gestão e de serviços de baixa qualidade.
As privatizações de quatro distribuidoras da Eletrobras (Eletroacre, Ceron, Boa Vista Energia e Cepisa) em 2018, além de terem gerado receita ao Tesouro, representam: (a) alívio ao caixa da Eletrobras – e aos contribuintes brasileiros, seus controladores – com a interrupção da sangria financeira; (b) perspectivas de aumento de arrecadação de impostos com a gestão privada; e (c) melhoria de nível de serviço para o consumidor. O novo governo, ou mesmo o governo de transição, precisa privatizar as duas distribuidoras remanescentes (em Alagoas e Amazonas) e retomar os esforços para modelar a privatização da holding Eletrobras.
Quanto à criação de um ambiente regulatório indutor de investimentos, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 6621/2016, conhecido como “Lei das Agências Reguladoras”. Essa peça legislativa, que afeta 10 setores econômicos regulados, é fundamental para barrar outro tipo de interferência política, emanado tipicamente do Poder Executivo sobre as agências reguladoras. No caso da Aneel, que acaba de ter a maioria de sua diretoria renovada, a aprovação de um projeto de lei que garanta a independência dos reguladores será observada com muita atenção pelos agentes do setor e pela comunidade internacional.
Políticas de Impacto Tarifário/Regulatório
Na categoria de políticas de impacto tarifário e regulatório, é essencial: (4) resolver urgentemente o impasse do risco hidrológico; (5) incentivar inovações no mercado de energia; e (6) promover a redução de tributos, encargos e subsídios.
O risco hidrológico, tema extremamente complexo, pode ser resumido na necessidade de destravar, em harmonia com o Congresso e com a Aneel, as liquidações financeiras que há quatro anos não acontecem no Mercado de Curto Prazo em função de disputa judicial que envolve o chamado “GSF”, do inglês “Generation Scaling Factor”, assunto detalhado no estudo “Programa Energia Transparente – 12ª Edição”, disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos. Como o passivo ao fim de 2018 poderá chegar a R$ 13 bilhões, corre-se o risco de paralisar o setor caso uma solução não seja dada no curto prazo.
Além de resolver a bomba-relógio do GSF, o governo terá uma bela oportunidade de perseguir a modernização do setor elétrico ao incorporar inúmeras propostas que foram debatidas por milhares de especialistas ao longo da Consulta Pública 33 do MME, iniciativa do governo atual que foi marcada por um esforço para sincronizar o setor com realidades que batem à nossa porta e que precisam ser adequadamente reguladas. Entre estas realidades há dimensões tecnológicas (como a Geração Distribuída, veículos elétricos e armazenamento de eletricidade em baterias), novas arquiteturas de mercado (baseadas em modelos descentralizados de operação e de comercialização), novos paradigmas comportamentais (com maior poder para o consumidor, que passa a ser também produtor de energia, o chamado prosumidor) e novos modelos de negócio para as distribuidoras (empresas que são interface final com o consumidor e que poderão ter novas formas de monetização de suas redes com a introdução de novos serviços).
O novo governo precisará dar prioridade para diminuir a carga de tributos, encargos e subsídios que oneram em cerca de 50% a conta de luz média nacional. Sem uma redução substancial dessas rubricas, todos os esforços de ganho de eficiência e produtividade ao longo da cadeia de valor são corroídos por um peso-morto logo na partida, conforme detalhamos na 6ª Edição do estudo que consolida a carga de tributos e encargos incidentes sobre toda a cadeia de valor do setor elétrico brasileiro (Geração, Transmissão, Distribuição e Comercialização), também disponível no link acima.
Diretrizes de Expansão e Licenciamento
A expansão das redes de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica envolve uma série de leis e regras – baseadas em competição, no caso da geração e transmissão, e em comandos regulatórios, no caso da distribuição – altamente interdependentes e que permitem a adequada coordenação entre os mundos econômico-financeiro e físico. Essas leis e regras não podem ser alvos de comandos erráticos ou oportunistas, buscando privilegiar certas fontes ou grupos de pressão sem justificativas técnicas.
Nesta dimensão duas medidas são cruciais: (7) retomar uma discussão transparente sobre os atributos de todas as fontes de energia elétrica (hidrelétricas, termelétricas, eólicas e solares) de forma a garantir os melhores resultados para os consumidores, aqueles que serão os grandes beneficiados por tarifas menores como resultado de maior competição; e (8) buscar modificações para aumentar a eficácia do licenciamento ambiental como ferramenta de compatibilização entre a preservação de recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico, tema de nosso último White Paper “Licenciamento Ambiental: equilíbrio entre precaução e eficiência”.
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A lista acima é uma sugestão de prioridades que podem ser vistas como ponto de partida para o governo que assumirá em janeiro de 2019, mas é fundamental lembrar que o setor elétrico conta com centenas de profissionais extremamente competentes que podem contribuir para que as autoridades recém-eleitas tomem as melhores decisões nos próximos meses de governo. O novo governo não precisa fazer tudo sozinho e pode se beneficiar de uma enorme rede de conhecimento em inúmeras disciplinas, uma rede que sempre esteve pronta para ajudar a construir o setor elétrico do futuro.
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)