Opinião

Largada na renovação das concessões do Setor Elétrico Brasileiro

A análise do Decreto 12.068 aponta para fortes impactos em todas as concessões de energia elétrica no país, inclusive as revisões ou eventuais não renovações

Por Wagner Victer

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São marcantes os eventos ocorridos recentemente na Ilha do Governador. Trata-se de uma região importante da cidade do Rio de Janeiro, onde centenas de milhares de pessoas passam, desde o início do ano, por uma gravíssima crise de abastecimento de energia, devido à falha, por obsolescência, de um cabo da Light de 138 KV, com mais de 50 anos. 

Essa foi uma agrura tão relevante que motivou a visita do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, à região (que inclusive pude acompanhar) e que exibe a ponta do iceberg da fragilização dos sistemas de distribuição, em especial daqueles que estão no fim do prazo original da concessão.

Problemas também aconteceram em outras concessionárias que estavam nos primeiros lotes da privatização acontecida ao fim da década de 90, como foram os casos ocorridos em São Paulo (antiga Eletropaulo) pela Enel, e em Niterói, pela mesma concessionária que ocupa o espaço da antiga estatal Cerj.

Para sair desse impasse, que se associou à crise financeira de alguns grupos controladores dessas concessões, após amplo debate com o Congresso Nacional, o Governo Federal, através do Decreto 12.068, criou em 20 de junho de 2024 um regramento que permitirá a análise das prorrogações dessas concessões por mais 30 anos. As primeiras começam a vencer dentro de três anos.

Na avaliação, que caberá à Aneel, são mantidos pelos critérios, previstos no artigo 2º, os tradicionais indicadores de qualidade de frequência (FEC) e de duração média das interrupções (DEC), que, como pude apurar com o próprio ministro, terão um novo foco de acurácia para amostragem por regiões específicas. Isso evita que problemas locais, como no exemplo da Ilha do Governador ou outro bairro, ou comunidade, possam ser "mascarados" nos índices por amostragens médias em áreas mais densamente povoadas.

Busca-se desenvolver critérios mais rígidos por parte do poder regulador, respaldado, inclusive, por pesquisas de satisfação de usuários, além de acabar com o chamado "expurgo dos eventos de efeito climático" nesses índices.

A obrigação de dar maior publicidade à qualidade da prestação de serviço também é uma das diretrizes definidas no novo decreto e será objeto de definições e regulamentações específicas, como a melhoria dos canais de atendimento dos consumidores, que atualmente é bastante desumanizada e com muita burocratização, fato que qualquer cidadão que já teve que lidar com esse tipo de situação pode atestar.

A criação de estímulos à digitalização gradual das redes e serviços, inclusive de instrumentos de medição de energia, é tema também relevante no Decreto 12.068, assim como a autorização para a concessionária exercer outras atividades empresariais e oferecer novos serviços aos seus usuários por sua conta em risco, desde que esses estejam ligados à busca da modicidade tarifária. 

É um enfoque bastante positivo, mas ainda a ser regulamentado, ficando excluída dessa eventual cobrança a arrecadação de tributos nas faturas decorrente de obrigação constitucional ou legal.

Há outros aspectos inovadores que surgem no decreto, como a promoção da capacitação de profissionais da área de concessão, inclusive colocando critérios de diversidade e, principalmente, em condições socioeconômicas desfavoráveis, que, se desenvolvidos com governança social adequada, podem ser um avanço. 

É interessante citar também a previsão de que a Aneel (artigo 2º, inciso II) realize a cada cinco anos, associado à publicidade, uma apuração da qualidade do serviço, que a priori poderia levar a cessar o novo período de concessão.

No artigo 7º, referente às condições para o requerimento de renovação da concessão, fica definido que os pleitos deverão ser remetidos à Aneel no prazo mínimo de 36 meses. Já a agência deverá encaminhar sua recomendação ao Ministério de Minas Energia com a antecedência de 21 meses (artigo 9º). 

Diante da não aceitação da renovação, o processo levará à execução de novas licitações, conforme define o artigo 13º, sem a devida reversão prévia dos bens definidos para não atrasar o eventual processo licitatório, já que no artigo 13º se define a obrigação da fixação do ressarcimento à antiga concessionária dos bens reversíveis ainda não amortizados.

Como já tenho discutido com alguns agentes do setor energético, essa análise da Aneel referente às eventuais renovações, a meu ver, deve ir além da análise documental e da capacitação econômico-financeira. Ela precisa requerer apresentações prévias para serem discutidas em consultas públicas dos programas, que devem ser bastante objetivos do ponto de vista dos investimentos, definindo obras por regiões, como a ampliação de subestações, renovações de linhas, melhoria da tecnologia de proteção e, em especial, um aumento significativo de equipes de ruas para manutenção preventiva e até podas e corretivas em momentos climáticos adversos. 

A realidade desse novo texto legal aponta para um exercício importante que impactará todas as concessões de energia elétrica no país. E o eventual exercício das revisões ou não autorizações marcará de forma muito forte as discussões no setor, em especial pelas crises vivenciadas e até pelo desrespeito de algumas concessionárias no tocante às sanções, que são por vezes apenas esquivadas através do pagamento de multas. Para evitar que novos episódios como o da Ilha do Governador se repitam, será necessário construir um regime técnico, devidamente aprofundado e respeitado.

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