Opinião
A Suprema Corte dos EUA e o sinal negativo para a energia e o meio ambiente
Decisão de limitar poderes da agência de proteção ambiental acontece na contramão dos Acordos de Clima e pode provocar a reversão de uma tendência, já perseguida por uma série de países, de buscar um futuro energético mais limpo
Em uma decisão pouco esperada, a Suprema Corte dos Estados Unidos, diante da sua recente composição majoritariamente Republicana, reforçada por novos membros indicados no Governo Trump, resolveu limitar os poderes da Agência Federal de Proteção Ambiental (EPA) em relação ao planejamento de um conjunto de ações voltadas ao setor de energia e meio ambiente dos Estados Unidos, em especial na limitação da emissão de poluentes usados para a produção de energia.
Essa decisão do Colegiado da Corte, revertendo uma decisão de 2007, desferiu um duro golpe para o governo Joe Biden, que buscava alterar a matriz energética para uma base mais limpa e menos dependente de combustíveis fósseis (carvão e gás representam 22% e 38% da geração de eletricidade americana, respectivamente).
Esse movimento acontece na contramão dos Acordos de Clima Internacionais e pode provocar a reversão de uma tendência que já era perseguida por uma série de países de buscar um futuro energético mais limpo. A amplitude dessa decisão, além do impacto ao clima pela grande contribuição de emissões por aquele país, traz uma sinalização muito negativa ao resto do mundo, podendo induzir o comportamento de diversos outros países da comunidade internacional.
Quando eleito, Joe Biden fez promessas bastante audaciosas, pois o discurso ambiental era uma base importante da plataforma democrata. Elementos mais extremos do partido (e populares com a juventude) como Bernie Sanders e AOC fizeram uma extensa campanha pelo "Green New Deal", que propunha o eventual fim do uso de combustíveis fósseis.
Para se eleger nas primárias, Biden foi obrigado a comprometer parte do seu discurso com essa narrativa, ainda que mais moderado, inclusive avocando neste compromisso a participação de grandes corporações da indústria de petróleo e gás e que prometia cortar as emissões dos Estados Unidos pela metade até 2030, e também zerar a emissão de carbono do setor de energia até 2035, além de zerar as emissões dos Estados Unidos, como um todo, até 2050.
Certamente as metas da chamada Agenda Verde de Biden recebem um baque, pois eram dificílimas de serem alcançadas e, agora, elas se tornam literalmente impossíveis diante dessa nova decisão que na prática gera um imbróglio institucional local.
Os mecanismos até então existentes nas mãos do Poder Executivo através de suas agências claramente foram cerceados, como a estratégia de inibir a geração de energias fósseis, em especial de carvão, substituindo por energias originárias das chamadas fontes limpas como a solar, eólica e até a energia nuclear, através da distribuição de fortes incentivos para aqueles que migrassem para a utilização.
Na verdade, o cenário já havia se mostrado anteriormente desfavorável, pois os primeiros programas de incentivos às energias renováveis do Governo Biden literalmente empacaram dentro do Congresso Americano, impedindo a distribuição e alocação desses recursos de incentivos financeiros às chamadas fontes limpas.
Já os mecanismos estabelecidos para que as Agências Federais de Regulamentação Ambiental pudessem também limitar a emissão por parte de veículos, o que tenderia a levar para veículos menos emissores e a migração, forçada, para veículos elétricos, sucumbem momentaneamente nesse novo âmbito institucional com as recentes decisões.
Outro aspecto que se avizinhava e que se enfraquece completamente foi a potencial limitação da emissão de usinas a carvão, com uma nova decisão da Suprema Corte que interrompeu isso. Na realidade o forte lobby dos Estados produtores de carvão dos Estados Unidos se mostrou bastante eficaz e até mais contundente do que a indústria do Petróleo e Gás, que já havia se alinhado à meta estratégica internacional da redução das emissões, dentro do conceito de se agregar às práticas de ESG em seus planos estratégicos.
Portanto, além de emitir um sinal bastante negativo para a questão da sustentabilidade, a decisão da Suprema Corte também tem o condão de limitar seriamente a questão do poder das Agências Reguladoras dentro dos Estados Unidos, transferindo tal processo regulatório fortemente para o Congresso com um novo fórum de discussão, afastando toda a tradição de regulação do setor ser a base do planejamento técnico e não a partir de uma base política atualmente bastante sensibilizada pela recente crise internacional. Esse movimento de migração tem se observado também no Brasil, como o caso da renovação pelo Congresso Nacional dos subsídios à geração da indústria do carvão pela Lei Federal nº 14.229 e a imposição de termoelétricas descentralizadas previstas na Lei Federal nº 14.182/2021 da venda da Eletrobras. Esse esvaziamento das agências já calejadas torna o setor muito mais vulnerável a lobby parlamentar, o que tende a causar um impacto negativo no longo prazo.
As metas de descarbonização fixadas no Acordo de Paris se esvaem com essa decisão, até porque os Estados Unidos, junto com a China, são os maiores emissores e logicamente não há como compreender que outros países não venham, infelizmente, a caminhar no mesmo condão restritivo e concentrador do processo energético.
Na prática, no novo cenário que passará a se consolidar nos Estados Unidos, as agências como a EPA até poderão, individualmente, fixar regras de emissão isoladamente para veículos, usinas e diversas fontes de energia, porém não estabelecer um regramento geral que ficará atribuído ao Congresso Americano.
Esse conjunto de novas situações, portanto, reduzirão, em muito, qualquer capacidade de gerenciamento para mudança ambiental por parte do Governo Americano, o que não só já tinha sido anunciado mas também era uma das principais promessas de campanha do Joe Biden na geopolítica energética. Para todos nós que torcemos pelo o futuro, será grave assistir quais serão as repercussões no resto do mundo.
Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, Ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e Ex-Conselheiro do CNPE