Opinião

Geração distribuída sim, geração descontrolada não

É essencial que as tarifas de uso das redes de distribuição sejam adaptadas para proporcionar uma sinalização mais apurada sobre onde e quanto de mini e microgeração deve ser instalada

Por Claudio Sales

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O Congresso Nacional se debruça sobre um Projeto de Lei (PL 5.829/2019) que regulamenta a geração distribuída de energia elétrica. O tema tem sido alvo de intensas campanhas de grupos de pressão que mais polarizam do que explicam o que está em jogo.

Tudo começou em 2012, quando a Aneel criou um “sistema de compensação de energia” para promover a inserção da “mini” e “micro” geração distribuída (Resolução Normativa 482/2012). O sistema de compensação torna possível que um consumidor gere, no todo ou em parte, a energia que consome.

Como esta produção de energia depende do sol e não coincide com a demanda por energia do consumidor em cada hora do dia, seu pleno aproveitamento requereria um sistema de baterias que elevaria substancialmente o seu custo.

O sistema de compensação resolve essa questão pois, nos momentos em que a produção do mini ou microgerador supera a demanda, o consumidor precisa contar com os serviços e com as redes das distribuidoras, que direcionam a energia excedente para o atendimento de outros consumidores, compensando-os com energia fornecida por outros geradores quando a sua produção é insuficiente para atendimento da sua demanda.

Portanto, sem as redes e os serviços das distribuidoras – cujos custos necessariamente precisam ser cobertos via tarifa – a Geração Distribuída não se viabiliza.

O sistema de compensação atualmente em vigor foi criado para dar um impulso inicial a essa forma de geração que, à época, não seria economicamente viável. Na prática, ele proporciona um forte subsídio implícito em benefício dos que investem em geração distribuída, pois a compensação pela energia injetada na rede pelo mini ou microgerador corresponde à tarifa total de fornecimento de eletricidade, que inclui não apenas os custos de geração, mas também os custos de transmissão, distribuição, encargos e tributos – que são, na maior parte, custos fixos que não caem com a inserção de Geração Distribuída.

Assim, o consumidor que adere ao sistema de compensação esquiva-se de parte dos custos dos serviços dos quais desfruta, deixando para os consumidores que não têm geração distribuída o pagamento desses custos em suas contas de luz.

Esta parte da história não é contada aos parlamentares, especialmente aos que ainda não perceberam que consumidores de menor renda estão subsidiando este mecanismo.

Mecanismo, aliás, desnecessário, pois tem sido muito bem-sucedido: em 2020, a capacidade instalada aumentou 116%, apesar de o consumo de eletricidade ter caído 1,6% no mesmo período. E as perspectivas futuras são de forte crescimento: a capacidade instalada pode alcançar 24.500 MW em 2030, como aponta o Plano de Expansão de Energia 2030 do governo.

Esta expansão acelerada deveu-se não apenas ao subsídio cruzado, mas também à queda espetacular nos custos de instalação. O custo das placas solares caiu mais de 70% nos últimos 10 anos e a eficiência energética dos novos equipamentos aumentou 30%, o que fez aumentar a competitividade dos projetos de Geração Distribuída.

Chegou a hora de reavaliar a necessidade deste subsídio que tem transferido bilhões de reais ao ano de quem não tem para quem não precisa.

Além disso, é essencial que as tarifas de uso das redes de distribuição sejam adaptadas para proporcionar uma sinalização mais apurada sobre onde e quanto de mini e microgeração deve ser instalada porque a atual expansão descoordenada pode resultar em ineficiências e elevação de custos sistêmicos.

É por isso que causa muito espanto o empenho de alguns deputados para aprovar – na correria e sem conhecimento técnico, com raríssimas exceções – o substitutivo do Projeto de Lei 5.829/2019. A maioria dos deputados precisa conhecer seu conteúdo e seus perversos efeitos distributivos de renda antes de votar às pressas um projeto que amplia nossas já grandes desigualdades socioeconômicas.

Claudio Sales é Presidente do Instituto Acende Brasil. Eduardo Müller Monteiro e Richard Hochstetler, coautores deste artigo, são diretores da entidade.

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