Opinião

Mudança climática: mitigação ou adaptação?

É certo que a temperatura média da Terra está e continuará aumentando, mas não há conhecimento científico para prever o que ocorrerá em cada localidade do globo

Por Jerson Kelman

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Para quem se interessa por mudanças climáticas, recomendo leitura do recente e imperdível livro de Robert Pindyck (professor de Economia e Finanças da MIT Sloan School of Management): Climate Future: Averting and Adapting to Climate Change (Oxford University Press, 2021). 

Pindyck usa análises científicas do IPCC para mostrar que há muito mais incertezas sobre os efeitos da acumulação na atmosfera de gases que causam efeito estufa do que uma pessoa comum, informada pela imprensa e pela mídia social, poderia supor. Ele explica que as incertezas raramente são explicadas pela mídia porque as pessoas em geral gostam das narrativas simples e assertivas, não das que envolvam complexidade e imprecisão. 

É certo que a temperatura média da Terra está e continuará aumentando, mas não há conhecimento científico para prever o que ocorrerá em cada localidade do globo. Muito menos conhecimento para prever as consequências dessas modificações sobre as chuvas, as enchentes e as secas. Menos ainda para prever as consequências sobre a economia e a qualidade de vida das populações. 

Pindyck não é um negacionista da mudança climática. Ao contrário, ele acha que o assunto é sério e por isso defende que o problema seja corretamente enunciado para ser resolvido. Einstein dizia que “se eu tivesse uma hora para salvar o planeta, gastaria 59 minutos definindo o problema e um minuto resolvendo-o”.

E qual o problema a ser resolvido? Com a tecnologia existente, a meta de limitar o aumento de temperatura em 1,5 ou 2,0 graus Celsius em relação ao período pré-industrial significa monumental esforço econômico. A meta é muito desafiadora para os países ricos e não é justa para os países pobres. Ou seja, é quase certo que não será alcançada, a não ser que ocorra algum “breakthrough”. Por exemplo, a produção de energia por fusão nuclear. 

Significa que o mundo deve “jogar a toalha” e desistir de controlar a emissão de gases que causam o efeito estufa? Certamente não! Pindyck defende a utilização de incentivos econômicos para diminuir as emissões, mas não acredita que será possível zerá-las. 

Por isso entende que é necessário, em paralelo, conceber iniciativas “adaptativas” para proteger as populações vulneráveis das consequências deletérias das mudanças climáticas. Por exemplo, a construção de diques para proteger as áreas litorâneas da elevação do nível do mar, como os holandeses fazem há séculos.

Muitos ambientalistas discordam dessa linha de argumentação porque temem que os esforços dirigidos à adaptação enfraqueçam as iniciativas voltadas para a mitigação (diminuição da emissão de gases). Porém, Pindyck não está sozinho. Por exemplo, o escritor dinamarquês Bjorn Lomborg defende argumentos semelhantes no livro “False Alarm”, publicado em 2020. É provável que, com o passar do tempo, digamos nos próximos 10 anos, o interesse por medidas de adaptação aumente significativamente em todo o mundo. 

Qual a implicação para o Brasil? No curto prazo, pouca coisa: devemos controlar o desmatamento da floresta amazônica para deixarmos de ser o patinho feio e voltarmos a ser o cisne ambiental, que produz mais de 80% de energia elétrica a partir de fontes renováveis e utiliza etanol para mover os automóveis desde a década de 70 do século passado. 

A médio prazo, devemos reconsiderar nossa atitude frente aos reservatórios de regularização. Provavelmente eles também mudarão de condição, de patinho feio para cisne, no Brasil e em outros países que necessitem controlar as consequências deletérias de secas ou cheias intensas sobre o abastecimento das populações, a produção de alimentos, a navegação e a produção de energia elétrica. 

A ANEEL tem se posicionado corretamente no quesito energia elétrica ao estimular que os inventários de bacias hidrográficas se tornem verdadeiramente participativos. É preciso que os demais agentes públicos envolvidos no licenciamento ambiental também se interessem em contrastar os efeitos locais com os efeitos globais. 

Jerson Kelman foi o principal dirigente da ANA, Aneel, Light e Sabesp

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