Opinião
Perspectivas para produção e uso do hidrogênio no Brasil
O hidrogênio tem potencial muito grande para ser um dos vetores energéticos para uma matriz energética de baixo carbono, porém há de se considerar os desafios e impactos perante outras alternativas, onde também podemos ter vantagens comparativas
Quando se tem um processo de transição da matriz energética de um país, é muito natural que isso se associe ao surgimento de outras fontes, onde se faz uma análise dos potenciais de sua utilização e suas perspectivas futuras. Dentro da tendência global de descarbonização, essa busca por alternativas tem recebido muita dinâmica dentro da necessidade prevista em acordos internacionais do clima, muitos já com prazos determinados.
Para aqueles que fazem parte do setor de energia, especialmente do petróleo e do gás, o hidrogênio surgiu como uma grande novidade. Particularmente nesse primeiro momento, ele tem sido pintado como um novo Nirvana energético. No entanto, esse tipo de colocação certamente requer um aprofundamento claro e estudos por parte de profissionais que atuam no ramo quanto à real perspectiva, viabilidade e potencial dessa fonte.
O hidrogênio, por ser um combustível que em sua produção requer um grande aporte energético, precisa ser necessariamente associado à geração de fontes renováveis, como até especialmente à geração eólica offshore dentro dos sistemas de produção do chamado hidrogênio verde. No entanto, essa pode ser uma análise míope, já que mesmo plantas de geração renovável possuem uma pegada de carbono em sua construção.
Assim, se a produção do hidrogênio verde possui uma eficiência baixa (Round-Trip Efficiency de 40% no melhor cenário da atualidade), haverá uma pegada de carbono maior mesmo com a energia sendo totalmente renovável, já que o número de usinas alimentando essa produção precisará ser comparativamente maior.
De maneira bastante acertada, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), já sob a coordenação do novo Ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, emitiu a Resolução nº 6 de 23 de junho de 2022, instituindo o “Programa Nacional do Hidrogênio” e criando também o seu “Comitê Gestor”.
A criação dessa Resolução tem importantes e oportunos objetivos, como o desenvolvimento do mercado competitivo para o hidrogênio, a busca de sinergias e a articulação com outros países, além do potencial reconhecimento da contribuição para a indústria nacional e logicamente sinergia econômica com outras fontes.
A nova Resolução do CNPE merece ser lida, pois estabelece ainda critérios para o melhor planejamento nacional e institui o Programa Nacional com seis eixos básicos para desenvolvimento que são: o fortalecimento das bases científico e tecnológicas, a capacitação em Recursos Humanos, a integração com planejamento energético, a definição de um arcabouço legal e regulatório normativo, a abertura e o crescimento do mercado e competitividade e também a cooperação internacional, até porque tal movimento começa a crescer também em muitos outros países, especialmente na Europa. Nos EUA, a Bipartisan Law está oferecendo $ 8 bilhões para o desenvolvimento de hubs de hidrogênio.
Vendo isso, fica claro que o hidrogênio pode ter um potencial muito grande para ser um dos vetores energéticos que poderão contribuir para uma matriz energética de baixo carbono. Porém, há de se considerar os desafios e impactos perante outras alternativas, onde também podemos ter vantagens comparativas.
Tenho visto que algumas outras fontes têm viés de crescimento também na linha da descarbonização da nossa Matriz Energética, grandes potenciais que podem até, comparativamente, desenvolver soluções mais atrativas, como o sistema de “Energia Solar associado a Baterias” – tema, aliás, que tenho conversado com jovens estudantes de Engenharia, que já começam a fazer trabalhos de iniciação científica e que parece que vai requerer também uma atenção especial do CNPE.
O hidrogênio tem uma série de formas para sua produção, porém, traz algumas limitações em relação ao seu nível de capacidade de mistura a sistema de gás natural existente, e um processo que também requer muita energia para um transporte em escala para atendimento a mercados que não sejam pelo modal dutoviário. Um percentual acima de 10% de hidrogênio pode danificar de forma permanente os gasodutos, e seu transporte em larga escala na forma líquida por carretas requer um elevado resfriamento e consome muita energia.
Além disso, para uma produção de hidrogênio totalmente verde, é preciso que seja feita a eletrólise (quebra) das moléculas de H²O na água. No entanto, essa água precisa passar por um processo caro de tratamento, o que, no caso da água doce, resultaria em um grande consumo de um recurso que já está extremamente limitado em todo o mundo. A alternativa, que seria a água salgada, é um processo ainda mais caro, e limitaria a produção de hidrogênio às regiões costeiras, amplificando ainda mais os desafios de Supply-Chain.
Da mesma forma que vejo grandes dificuldades, começam a surgir oportunidades, especialmente na aplicação da verba de P&D por parte de muitas empresas petroleiras. Já existe um trabalho muito interessante desenvolvido pela Shell no Porto do Açu, uma “Planta Piloto” onde parâmetros poderão ser definidos no ponto de vista da verificação, da competitividade e do desenvolvimento tecnológico dentro do país e seus desafios, sempre considerando que parâmetros estabelecidos em plantas pilotos suportadas pelo P&D não obrigatoriamente conseguem ter viabilidade no mercado, pois a questão do Capex e Opex são extremamente importantes em projetos de larga escala comercial.
Tenho observado, portanto, uma discussão ainda bastante rasa em relação ao tema do hidrogênio, em especial quanto a seus potenciais e suas melhores aplicações em um país com dimensões continentais como o Brasil, que possui um grau de oferta muito significativa de outras fontes. Mesmo que se destoando de eventuais compromissos internacionais, não há dúvida de que pode haver um melhor aproveitamento dos hidrocarbonetos aqui produzidos, especialmente diante do elevado nível de injeção do gás natural nacional.
Mais atrativo na lógica econômica, o gás também traz um potencial para redução de emissão, como no uso veicular (GNV), onde já se consegue resultados bastante significativos na redução de emissões em relação aos combustíveis líquidos derivados do processo de refino de petróleo. Assim, antes de analisar quais seriam os benefícios do investimento forte em qualquer fonte no planejamento energético, é mister que jamais se esqueça dos custos e, acima de tudo, das alternativas.
Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, Ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e Ex-Conselheiro do CNPE