Opinião

A inevitável discussão futura de uma Terceira Lei do Gás

Normas Infralegais serão capazes de garantir um regime de efetiva concorrência e desconcentração no mercado de gás natural no país, ou será inevitável a edição de uma Terceira Lei do Gás?

Por Bruno Armbrust

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A aprovação da Lei 14.134 de 2021 (Segunda Lei do Gás) gerou uma grande expectativa no aumento da concorrência na comercialização e na redução dos preços do gás. Os mais otimistas diziam, à época, que a queda do preço do gás natural poderia chegar a 30%. O fato é que ainda estamos distantes de uma efetiva competição do lado da comercialização e temos uma alta concentração de mercado.

Talvez em razão disso e na tentativa de aumentar a oferta de gás e reduzir os seus preços, nas últimas semanas o governo anunciou um novo Decreto, de número 12.153, que alterou o decreto 10.712 de 2021, introduzindo novas normas na regulamentação da Lei 14.134. No mesmo dia, o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE aprovou uma nova resolução que autoriza a PPSA a contratar escoamento, e processamento de gás natural e a comercializar o gás.

Fica a pergunta: Normas infralegais serão capazes de produzir os câmbios necessários para se reduzir a concentração e aumentar a competição do lado da oferta no mercado de gás natural no país?

O fato é que até o final da década passada, tivemos a Petrobras quase como única comercializadora e transportadora de gás no país, ou seja, um monopólio de fato. Isto permitiu o estabelecimento dos preços do gás de produção nacional a partir dos custos assumidos e não pelo valor de mercado.

Como o gás disponível no Brasil é majoritariamente do tipo associado, produzido principalmente no mar e distante da costa, seus custos de produção e escoamento são superiores aos dos demais países produtores.

Passados três anos e meio da aprovação da Lei 14.134 e apesar de alguns avanços obtidos, o mercado de gás no país continua muito distante das melhores práticas internacionais. Ainda existe alta concentração do lado da oferta e, do lado da demanda, são poucos os consumidores elegíveis (matéria de competência dos Estados), dificultando sobremaneira o estabelecimento de um ambiente de competição na comercialização.

Com relação a resolução CNPE, segundo declarações publicadas na imprensa, estima-se que o 1º leilão de gás natural da União já poderia ocorrer em 2025 e teria um volume inicial de cerca de 150 mil m³/dia (menos de 1% do mercado). Esse volume inicial iria aumentando progressivamente podendo alcançar 3 milhões m³/dia, o que representaria cerca de 6,4% do volume consumido em 2023 pelos segmentos de maior consumo no país (industrial, cogeração e veicular).

Embora a notícia da comercialização de gás da PPSA tenha sido recebida com otimismo pelas associações de consumidores, os volumes são reduzidos, gerando dúvidas sobre o alcance que essa iniciativa poderá provocar no mercado. É certo que no curto prazo o evento produzirá pouco impacto em razão do reduzido volume disponibilizado para o leilão previsto para 2025.

Será importante conhecer antes como serão realizados os futuros leilões do gás da PPSA e se serão direcionados aos consumidores ou aos comercializadores. No caso do gás da PPSA ser ofertado aos consumidores livres (o que seria o mais indicado) é importante que as condições sejam divulgadas com antecedência suficiente para dar tempo de os estados ajustarem suas regulações.

Em alguns estados ainda existem barreiras volumétricas para um consumidor se tornar elegível. No Rio de Janeiro, por exemplo, somente consumidores com volumes acima de 100 mil m³/dia podem contratar gás diretamente no mercado livre. Portanto existem somente quatro indústrias elegíveis no RJ que poderiam vir a participar dos futuros leilões. A possibilidade de já em 2025 ocorrer um 1º leilão de gás da PPSA colocará forte pressão nos estados e nas agências reguladoras estaduais no sentido de eliminarem as barreiras para um consumidor se tornar elegível.

Havia uma certa expectativa de que no conjunto das medidas anunciadas o governo indicaria planos de um programa de Gás Release, que, assim como ocorreu em muitos países na União Europeia – UE, foi fundamental para acelerar a abertura do mercado, a competição e a redução na concentração. Considerando o limitado impacto no mercado da oferta de gás da PPSA, esta seria uma medida complementar de maior impacto no Brasil.

Um programa de Gás Release contribuiria para acelerar a competição, permitindo que outros agentes aumentem sua participação com a consequente redução da participação da Petrobras. Percebe-se muitos contratos, mas pouca diversidade volumétrica. O aumento da oferta é fundamental para o desenvolvimento do mercado de gás no país, mas o aumento na diversidade da oferta é mais importante ainda. Ou seja, que o aumento na oferta venha acompanhado de uma significativa redução da atual concentração do mercado de gás no país.

Na prática, para que o incumbente altere sua atual política de preços para o gás, considerando este como price maker, é necessário que ele se sinta ameaçado pela concorrência, como ocorreu com a entrada do Terminal de Regaseificação de São Paulo – TRSP associada ao gasoduto de distribuição Subida da Serra, que levou o incumbente a reduzir seus preços.

No que se refere a edição do Decreto 10.712/2024 que regulamenta a Lei do Gás e resultou na introdução de novas regras para o mercado de gás natural no país, um ponto importante foi o que remarca a necessidade de a ANP reforçar sua atuação sobre os custos do acesso às infraestruturas de transporte, buscando reduzir as tarifas deste modal praticadas no país.

Atualmente no Brasil, na formação do preço do gás natural no city gate, a commodity (comercializada sob regime de livre concorrência) tem um peso de cerca de 82% no preço final, ficando o transporte (tarifas reguladas pela ANP) com uma parcela de 18%. Esses percentuais podem variar ao longo do tempo em razão dos indexadores do gás natural, ou mesmo por variações do custo do transporte decorrentes dos processos de revisões tarifárias integrais.

Considerando que a tarifa de transporte tem um peso de 18% no custo do gás no city gate, a realização pela ANP de uma revisão integral de tarifas, com base nas boas práticas internacionais, a reavaliação da Base de Ativos Regulatórios - BAR das transportadoras (prevista no decreto 12.153) e a adoção de corretos critérios de amortização dos ativos, no caso da Malha Sudeste, tudo isso poderia resultar numa redução entre 7,5% e 9% no preço do gás no city gate,  impacto bastante relevante para todos os consumidores.

Cabe ressaltar que, embora o decreto 12.153 deixe de tratar muitas questões fundamentais ao planejamento e organização do setor, possivelmente pela necessidade de mudanças no atual marco legal, ele apresenta outro ponto muito positivo, que é a previsão da criação de um Comitê de Monitoramento do Mercado.

A criação deste comitê para o acompanhamento permanente da evolução do processo de abertura do mercado de gás se reveste da maior importância e possibilita maior assertividade na avaliação das condições de mercado e na formulação de propostas e de novas medidas e ações, inclusive, de âmbito legal, garantindo a continuidade e transparência da abertura do mercado de gás.

Nas últimas duas décadas, o mercado convencional recuou significativamente, seja pela competitividade do gás, seja pelas condições macroeconômicas do país. As vendas atuais do mercado convencional, se considerarmos as máximas históricas, recuaram mais de 15%.

O que permite aos consumidores serem elegíveis ao mercado livre é a promoção da concorrência, a facilidade do acesso aos diferentes fornecedores e uma moderna regulação nos estados. Assim, os formuladores de políticas públicas têm máxima importância para propiciar pleno benefício aos consumidores, decorrente do mercado interno de gás e, neste sentido, é preciso garantir que a política comercial do incumbente não condicione o mercado. No entanto, o atual arcabouço legal poderá criar entraves para a correta e efetiva abertura do mercado de gás no país.

A lei 14.134 possibilitou alguns avanços, mas, no médio prazo, será inevitável iniciar a discussão de uma 3ª lei do gás. Caso isso venha a ocorrer, que dessa vez se tente buscar algo mais alinhado com as boas práticas internacionais como estabelece a resolução 03/2022 do CNPE.

Limitações legais e regulatórias não devem condicionar a lógica do mercado, o interesse público e o empoderamento dos consumidores.

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