Opinião

Sucesso do Gas Release no Brasil precisa de indicador e meta

Experiência internacional mostra que o caminho da efetiva e correta abertura do mercado de gás será longa se quisermos adotar aqui as boas práticas internacionais. A redução da concentração e o aumento da competitividade trarão grandes benefícios ao país

Por Bruno Armbrust

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O tema Gas Release voltou a ganhar força no Brasil. Em março, o Ministério de Minas e Energia realizou um grande evento para debater a elaboração de um possível programa a ser aplicado para impor a desconcentração de mercado.

Na ocasião, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou um estudo bastante abrangente sobre como programas de gás release foram importantes para acelerar a abertura do mercado de gás nos países membros da União Europeia (EU). A pauta se concentrou em discutir como as experiências internacionais podem servir para acelerar a desconcentração do mercado de gás no Brasil e aumentar a concorrência.

Em um dos principais painéis, o senador Laercio Oliveira (PDS-SE) explicou as razões – absolutamente compreensíveis – para a retirada da proposta de adoção de um programa de Gas Release do projeto de lei do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), mas reafirmou sua convicção e disposição para preparar uma proposta de um novo projeto de lei, mais amplo, que venha a contribuir para a redução da concentração do mercado de gás no país.

Apesar dos avanços até aqui, ainda tem o agente dominante com cerca de 70% de market share, enquanto em países que já passaram por processos semelhantes, essa participação é de menos de 25%. 

A iniciativa do senador de propor um novo projeto de lei certamente poderá se somar com o trabalho e o grande esforço que o MME vem realizando para acelerar a abertura do mercado de gás, com medidas infralegais, e possibilitaria incluir no projeto de lei outras questões que contribuiriam para o fortalecimento do livre mercado.

Após quase cinco anos da Nova Lei do Gás (14.134), chegou a hora de se pensar também em medidas legais complementares como as propostas pelo senador Laercio Oliveira.

Assim como se deu na UE, é necessário o aprimoramento sistemático das normas e da regulação.

Foi o que destaquei em minha participação em um dos painéis, quando tive a oportunidade de mostrar que situação semelhante ocorreu na UE.

Em 2003, cinco anos após a primeira diretiva de 1998, a Comissão Europeia entendeu que precisava de medidas adicionais para avançar com o processo de abertura do mercado de gás europeu.

O principal objetivo da 1ª diretiva, a 98/30/EC, foi o de definir as bases para a liberalização do setor gasista, baseada nos princípios de separação das atividades reguladas daquelas sujeitas à livre concorrência e de livre acesso às infraestruturas gasistas e de acesso não discriminatório às redes por parte de todos os operadores. Já a Diretiva 2003/55/EC teve como objetivo acelerar o processo de abertura do mercado de gás.

Na prática, a 2003/55/EC estabelecia que, a partir de julho de 2004 todos os consumidores industriais e, a partir de julho de 2007, todos os consumidores domésticos, poderiam eleger seu fornecedor de gás. A liberalização total dos mercados de gás natural se produziu em 2003. No entanto, a migração dos clientes para o mercado livre foi gradual. No caso da UE ainda tivemos uma terceira diretiva em 2009 em que se buscou dar um passo definitivo na abertura do mercado de gás europeu.

Portanto, as boas práticas internacionais e os antecedentes indicam que, aqui no Brasil, aperfeiçoamentos legais e regulatórios serão necessários ao longo do processo.

No que se refere à evolução regulatória e às novas medidas infralegais, o MME vem sendo um importante promotor e protagonista do processo, buscando dar dinamismo à questão com transparência e ampla discussão com os distintos agentes do mercado, o que vem permitindo avanços.

Ainda estamos distantes das condições ideais, mas vamos avançando. A concorrência que se estabeleceu inicialmente no Nordeste do país agora finalmente chegou no Sudeste, que começou a experimentar uma maior concorrência a partir da conexão da rede de distribuição da Comgás no ponto de entrega Cubatão II. Isto resultou em forte impulso no mercado livre e na redução da concentração, com efeitos inclusive em outros estados que viram queda no preço da molécula.

No Brasil, o gás vem progressivamente mudando de mãos e a consequência foi uma perceptível redução dos preços! Tanto para os consumidores que trocaram de fornecedor quanto para os que ainda permanecem no mercado cativo

O volume de gás comercializado no mercado livre vem evoluindo e poderá superar 1/3 do volume total comercializado no país nos próximos dois anos. Mas, no que se refere ao número de consumidores no livre mercado, ainda temos menos de 0,1% do total de indústrias e postos de GNV, o que é irrisório. Isso se dá porque temos uma parcela significativa dos mercados industrial e veicular ainda não elegível (o que é de competência das regulações nos estados), fator que dificulta o avanço da abertura do mercado de gás no país.

Indústrias que migraram ao mercado livre experimentaram reduções na molécula (no percentual do brent) de cerca de 20% do final de 2023 aos dias de hoje enquanto as demais, cerca de 5%. Ao contrário do que pregam alguns agentes, o gás vem mudando de mãos e os preços vêm baixando, tanto para os que trocaram de fornecedor como aos que permaneceram no mercado cativo, em razão da mudança da política comercial do agente dominante para fazer frente ao aumento da concorrência.

Cabe ressaltar que na UE houve um processo de migração massiva e compulsória ao mercado livre. Todos os consumidores, a partir do unbundling das atividades de distribuição e comercialização, migraram das distribuidoras para comercializadoras e somente os consumidores domésticos e pequeno comércio ficaram inicialmente numa Comercializadora de Último Recurso (CUR), com uma tarifa de último recurso (TUR). Atualmente, no mercado espanhol, 61% dos consumidores adquirem gás no mercado livre e 39% estão na TUR.

A concorrência e a multiplicidade de comercializadores fizeram o nível de switching no mercado de gás alcançar 20%, o que demonstra a dinâmica da concorrência no mercado de gás, com os consumidores recebendo ofertas de diferentes comercializadores. No caso dos pequenos consumidores, as diferenças de tarifas chegam a ser de mais de 30% entre as Comercializadoras de Último Recurso as Comercializadoras Livres evidenciando a dinâmica e os benefícios da desconcentração e da concorrência.

A experiência dos distintos países que já passaram por processos similares ensinam que a liberdade para os consumidores elegerem seu fornecedor é fator essencial para o estabelecimento de um regime de efetiva concorrência, empoderamento dos consumidores e do surgimento de uma multiplicidade de comercializadores.

Em minhas palavras finais no painel em que participei, disse: “Sabemos onde estamos. Agora precisamos definir onde pretendemos chegar e, a partir daí, estabelecer o plano de voo. Para isso seria fundamental definir um indicador de concentração de mercado como o HHI e uma meta no longo prazo”.

Acelerar a abertura do mercado passa, sim, por um programa de Gas Release, como proposto pelo senador Laércio e discutido no MME, mas também passa por outras ações como:

i. instituir a figura de market maker para dar liquidez ao mercado,

ii. Incentivar a multiplicidade de comercializadores

iii. livre acesso as infraestruturas (use it or lose it)

iv. permitir a liberdade de escolha dos consumidores.

Outro aspecto que tem grande consenso entre os agentes do mercado é a necessidade de aprimorar a informação disponível e a transparência, pois “só se consegue melhorar aquilo que se mede”.

Nesse sentido, a iniciativa anunciada pelo MME de criar um “Observatório do Gás” se apresenta como elemento fundamental para se acelerar a competição e a abertura do mercado. Precisa ser implementado com a máxima urgência.

A experiência internacional mostra que o caminho é longo, mas são muitos os benefícios para o país e toda a sociedade, o que compensará todo o esforço.

 

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