Opinião

O casamento do gás natural e do biometano made in Brazil

O biometano pode ser enfocado como oportunidade, sem precisar ser um protagonista de uma corrida desenfreada e frenética para tornar a economia totalmente descarbonizada. Antes de pensarmos em descarbonizar, é preciso reindustrializar.

Por Bruno Armbrust

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A União Europeia, anos a nossa frente, pode nos fornecer alguns bons exemplos de boas práticas de atividade regulatória, sempre com um olhar para a segurança energética, sustentabilidade e para o empoderamento do consumidor final. São inúmeras as diretivas e normas introduzidas ao longo de cada ano, o que acaba se refletindo no elevado nível de abertura de seus mercados e de concorrência.

Recentemente, foi aprovada uma diretiva, atualizando a regulação referente ao mercado de gás renovável, gás natural e o hidrogênio. O conjunto de medidas contido nessa diretiva reforçou a importância dos gases renováveis na transição energética como garantia do cumprimento do pacto europeu para a neutralidade climática e tem caráter vinculante, cabendo a cada país membro elaborar sua legislação. 

A União Europeia, com essa nova diretiva, espera reforçar sua ambição de descarbonizar sua economia, reduzindo as emissões de GEE em 50% até 2030.

A diretiva incluiu também alguns novos dispositivos sobre os direitos dos consumidores, o acesso de terceiros às redes de transporte e distribuição e a necessidade de um planejamento integrado das redes de transporte, dispositivos que deveriam ser observados pelos reguladores e legisladores aqui no Brasil, na busca das boas práticas, como indica resolução do CNPE.

Esse novo pacote de medidas incorpora os gases renováveis no sistema energético da UE por meio da criação de uma regulação mais robusta, que possibilitará o desenvolvimento dos mercados a partir da disponibilização das infraestruturas necessárias.

As novas medidas procuram garantir o suprimento energético estável, particularmente relevante em tempos de tensões geopolíticas no hemisfério norte, sem esquecer o desafio da transição energética. Fica claro o desejo da UE de avançar na transição energética, mas também, reduzir as importações de gás da Rússia.

No caso do Brasil, a introdução progressiva do biometano, compondo um mix de preço com o gás natural, deve ser tratada com certa cautela, pois o biometano apresenta custos significativamente maiores que o gás natural, o que tornaria o mix mais caro para o consumidor final. Isso pode deslocar consumo para o GLP, que no caso do Brasil já é mais competitivo que o gás natural em diversos usos, e para a energia elétrica, que já se beneficia de um ambiente mais amplo de livre mercado que o gás natural.

O biometano, embora relevante no processo de descarbonização e na redução das emissões, ainda não é uma fonte de energia com preços acessíveis a todos. Na UE, o seu custo alcança níveis superiores a US$20/MBtu, bem superior ao preço do gás natural, podendo variar em razão da característica, da origem e distância da fonte de produção e da infraestrutura gasista.

Facilitar a integração do biometano no Brasil contribuirá para reduzir importações de gás natural e para os objetivos climáticos. Mas não podemos nos afastar do trilema energético “sustentabilidade ambiental, segurança no suprimento e preços acessíveis e compatíveis com a economia do país”.

O Brasil tem uma matriz limpa em relação à quase totalidade dos países e antes de pensarmos em descarbonizar é preciso reindustrializar. No Brasil, o biometano deveria ser enfocado como oportunidade e não precisa embarcar nessa corrida desenfreada e nessa busca frenética de tornar a economia totalmente descarbonizada.

Os incentivos ao biometano poderiam ser melhor aproveitados em projetos e indústrias, onde seu valor energético e atributos têm maior impacto e importância, ou mesmo no uso em veículos pesados em substituição ao diesel.

Na UE a nova diretiva estipulou que as autoridades reguladoras competentes devem avaliar e monitorar os pedidos de ligação de projetos de produção de gás renovável às redes gasistas, dentro de um prazo razoável, dando prioridade aos relacionados com o transporte e a distribuição de biometano.

Cabe ressaltar que a injeção do biometano nas redes em distâncias superiores a 30 km podem não ser a forma mais eficiente para escoá-lo, já que o transporte via carretas de GNC tem se mostrado mais viável.

Assim como a regulação na UE, aqui será necessário estabelecer uma regulação para questões como a obrigatoriedade da integração deste gás nas redes e como se tratará a cobrança dos custos e das taxas de ligação aos produtores de biometano, de forma a permitir o crescimento sustentável e eficiente das suas instalações, tendo em conta os custos e os investimentos dos operadores de rede.

Nesse contexto de diversidade progressiva de fontes de gás no sistema, a figura de um operador técnico de transporte independente passa a ganhar importância ainda maior.

No caso do hidrogênio, embora a prioridade da UE seja desenvolver o hidrogênio renovável, produzido principalmente a partir da energia eólica e solar, a diretiva admite que sua produção não atinja imediatamente a procura prevista.

A diretiva aborda também o transporte de hidrogênio por meio de redes de gasodutos, considerados um meio de transporte eficiente e sustentável, mas alerta para a necessidade de garantir acesso livre e não discriminatório para preservar a concorrência.

Apesar das discussões calorosas, é reconhecido que o gás natural continuará tendo papel fundamental na transição e na segurança energética especialmente em razão do forte crescimento das energias intermitentes.

Incentivar o aumento da oferta de biometano trará benefícios a todos, mas as políticas precisam considerar o importante papel do gás natural na transição energética e no desenvolvimento econômico do país.

A nova diretiva da UE, aqui comentada, é apenas mais um exemplo entre muitos outros em que se constata a intensa e permanente atividade regulatória, tanto no legislador e regulador da União Europeia quanto entre os reguladores dos países membros. Isso deveria servir de inspiração para o Brasil, onde a agenda regulatória não imprimiu ainda o ritmo que o país necessita para a abertura do mercado de gás.

Apesar de alguns avanços percebidos aqui no Brasil, tanto na regulação quanto na abertura do mercado de gás, estamos pelo menos duas décadas atrasados em relação aos mercados energéticos mais desenvolvidos, como o europeu, e precisamos imprimir um ritmo mais forte, tanto na evolução da regulação quanto da legislação.

A regulação e as normas legais para a indústria do gás natural no país precisam começar a ser enfocadas de forma menos reativa. O país tem grandes desafios pela frente e a ausência de uma regulação coordenada, moderna, eficaz e ágil poderá significar um freio no desenvolvimento econômico e na competitividade brasileira. 

A regulação no país precisa começar a ser encarada como algo essencial para a existência de mercados abertos, competitivos e maduros onde o usuário final possa ter o direito de eleger o seu fornecedor num efetivo regime de concorrência.

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