
Opinião
O Transporte de Gás precisa ser adequadamente regulado
A definição da Receita Máxima Permitida e o cálculo das tarifas devem considerar a sinalização dos determinantes de custos e incluir critérios de eficiência, de acordo com a regulação vigente e a adoção de boas práticas internacionais

Coautor: Sergio Soares
No Brasil, a venda das transportadoras de gás canalizado, TAG e NTS, operação realizada para dois agentes privados, deixou como herança os Contratos Legados, onde as tarifas de transporte não são fixadas pelos princípios da transparência, da eficiência e das boas práticas regulatórias, originando uma conta que, no final, é paga pelos usuários dos sistemas.
É comum em processos de desverticalização, como foi a venda dos ativos de transporte, que seja realizada uma reavaliação da base de ativos regulados, o que não ocorreu por aqui. Os principais ativos das transportadoras têm uma idade média que se aproxima dos 20 anos, já haviam sido construídos e sua operação iniciada, antes da publicação da Resolução ANP nº 15/2014.
Caberia, dentre outros, analisar o valor residual desses ativos que já faziam parte da Base de Ativos Regulatórios – BAR, quando da venda das transportadoras, ao fim do atual ciclo. Assim, ao ser iniciada a regulação da remuneração desses ativos, seria recomendável a realização de ajustes regulatórios que garantam a justa remuneração pelo serviço prestado.
Em 2025, tem-se a expectativa de que esse quadro começará a mudar e, finalmente, o setor do gás passará a ter tarifas de transporte adequadamente reguladas, com a devida transparência quanto à metodologia de formação de tarifas e maior previsibilidade quanto à sua evolução futura.
A revisão integral de tarifas, esperada para 2025, deverá estabelecer a metodologia e os parâmetros das informações relacionadas aos requisitos de retribuição dos operadores das redes de transporte e com o cálculo das diferentes tarifas.
Os usuários das redes de transporte têm o direito de acessar as informações da BAR e dos custos relativos às tarifas de transporte e, para tanto, deve ser prioridade da ANP conferir a máxima transparência de todo o processo, alinhada às boas práticas regulatórias conforme disposto na resolução 03/2022 do CNPE.
Com a introdução do conceito de sistema de entrada-saída, os usuários das redes de transporte podem contratar o serviço de transporte do gás de qualquer ponto de entrada para qualquer ponto de saída. Nesse contexto, as tarifas de transporte deveriam se basear numa metodologia de preço de referência que utilize indutores de custo específicos, considerando preços de referência coerentes e transparentes.
A ANP terá que também avaliar, dentro do contexto da revisão (ciclo 2026-2030), a previsão de investimentos futuros, propostos pelos transportadores, tendo em vista os cenários de redução da oferta de gás boliviano e as possíveis mudanças geográficas dos volumes nas entradas de gás no país.
Cabe ressaltar que, é comum em determinados sistemas de entrada-saída, a transportadora movimentar mais gás para outras áreas de redes do que para consumo no seu próprio sistema de entrada-saída. Esse aspecto deverá ser avaliado de forma atenta pela ANP em casos como o do investimento proposto pela NTS numa nova estação de compressão de gás em Japeri – Ecomp Japeri, que tem por objetivo gerar flexibilidade na capacidade de transferência de gás entre o Rio de Janeiro e São Paulo, provavelmente para possibilitar levar mais gás para o sistema da TBG, em razão da prevista redução da oferta de gás boliviano.
Recentemente, a ANP lançou a Consulta Prévia nº 1 para a revisão da RANP 15/2014, que deverá nortear a proposta que seria posteriormente colocada em consulta pública sobre a metodologia que será adotada na revisão das tarifas de transporte para o ciclo 2026-2030.
Dentre as informações que deveriam ser disponibilizadas estão:
i. O cálculo da Base de Ativos Regulatórios (tipos de ativos incluídos na base de ativos regulada e o seu valor agregado).
ii. A metodologia usada para determinar o valor inicial dos ativos e reavaliar os ativos.
iii. Explicações acerca da evolução do valor dos ativos;
iv. Períodos de depreciação, em especial os ativos mais antigos em operação antes da venda, e montantes por tipo de ativo.
v. Custos operacionais e mecanismos de incentivo a serem aplicados, como, por exemplo, bônus sobre custos de O&M por extensão da vida útil dos gasodutos após finalização da depreciação, e outros objetivos de eficiência na operação e manutenção. Experiências internacionais e locais demonstram que gasodutos bem operados e mantidos podem ter uma vida útil de mais de 30 anos.
vi. As características técnicas da rede de transporte, com um nível de detalhe razoável e informações técnicas sobre a rede de transporte, tais como o comprimento e o diâmetro dos gasodutos e a potência das estações de compressão, dentre outros.
A Consulta Pública subsequente à Consulta Prévia em curso, deverá trazer informações sobre a metodologia de preço de referência, os parâmetros utilizados relacionados com as características técnicas do sistema e pressupostos aplicados, para conferir maior transparência ao processo como um todo.
A Lei 14.134 em seu Art. 9º determina que a ANP, após a realização de consulta pública, estipulará a Receita Máxima Permitida - RMP do transportador, bem como os critérios de reajuste, de revisão periódica e de revisão extraordinária, nos termos da regulação.
O cômputo da RMP e o cálculo das tarifas de transporte devem considerar a sinalização dos determinantes de custos associados à área de mercado de capacidade e ao sistema de transporte, além de incluir critérios de eficiência e competitividade, de acordo com a regulação estabelecida, cabendo à ANP acompanhar o funcionamento do mercado de gás natural e adotar mecanismos de estímulo à eficiência e à competitividade.
Estudos realizados indicam que as tarifas de transporte da NTS, sem o efeito do Contrato Legado Malha Sudeste, que termina em dezembro de 2025, poderiam sofrer uma redução para o ciclo 2026-2030, de cerca de 35%.
As tarifas de transporte na região Sudeste estão muito acima do que corresponderia à justa remuneração pelo serviço prestado, o que acaba acarretando a busca dos usuários do serviço por alternativas mais eficientes, levando ao esvaziamento da malha de transporte em razão da prática de tarifas elevadas não compatíveis com a natureza dos serviços. Portanto, os impactos dessa ineficiência não podem ser repassados para a RMP e respectivas tarifas da transportadora.
A ANP precisa conferir a máxima celeridade ao processo de revisão tarifária de forma a possibilitar sua conclusão dentro do corrente ano, pois não podemos entrar em 2026 com uma situação transitória.
Todo o processo precisa estar alinhado aos preceitos da eficiência, da transparência e das boas práticas regulatórias como indica a resolução 03/2022 do CNPE.
Vale finalmente frisar que uma atividade com características de serviço público, seja ele em regime de autorização ou de concessão, deve ser regida pelos princípios da eficiência, impessoalidade, transparência e modicidade tarifária.
Na Espanha, um Decreto-Lei de 2019 alterou algumas das atribuições do regulador local (Comissão Nacional de Mercados e Concorrência – CNMC) às exigências derivadas das Diretivas 2009/72/CE e 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de julho de 2009, relativas a regras comuns para o mercado de gás natural, aprovando medidas para ampliar a competitividade e a eficiência.
Por meio dessa mudança, foi atribuída à CNMC, entre outras, a função de estabelecer a metodologia, os parâmetros e a base de ativos para a remuneração das instalações de transporte de gás natural. Assim, a CNMC ficou responsável por, entre outros, fixar os valores unitários de investimento, operação e manutenção, além da vida útil regulatória dos ativos de transporte.
O Brasil adota, naturalmente, uma regulação forjada em suas normas vigentes, mas a experiência internacional, assim como indicado na resolução 03/2022 do CNPE, sempre pode servir como manancial para que possamos andar mais rápido nesse aprimoramento constante, com a máxima transparência e sempre visando o empoderamento do consumidor, que é um dos objetivos principais da atualidade na regulação mundial.