Opinião
A revolução do shale gas e do tight oil – O exemplo canadense
O shale gas e o tight oil e gas podem contribuir para até aumentar a atual produção de gás natural, mantendo os níveis de esforço financeiro recentes e aperfeiçoando as técnicas de exploração e produção. Neste artigo, a experiência do Canadá, 6º produtor mundial.
Co-autor: Kazumi Miura
Conforme abordado nos dois artigos anteriores, a exploração e produção de shale gas e tigh oil tem experimentado uma grande evolução nos últimos 30 anos, levando alguns países, como Estados Unidos, China, Argentina e Canadá a terem parcela significativa desse segmento em suas produções totais. No Canadá, tanto o gás quanto o óleo não convencionais já apresentam números que confirmam a importância desse segmento.
Para manter os níveis atuais de produção mundial de gás acima de 4 trilhões de m3/ano, equilibrada praticamente no mesmo nível do consumo, o mundo vai utilizar as reservas atuais de gás natural estimadas em torno de 188 trilhões de m3, conforme figura abaixo, mas contar também com as reservas potenciais dos reservatórios não convencionais em torno de mesmo valor ou pouco acima, como mencionei no primeiro artigo. Os dados são de 2020, mas não há registros de grandes mudanças.
Os dados da tabela abaixo mostram que o mundo tem aproximadamente 400 trilhões de m3 de gás de reservas convencionais e não convencionais, volume suficiente para abastecer o planeta por 100 anos, desde que mantido o nível atual de produção. Certamente há ainda muito gás convencional e especialmente não convencional a serem mapeados, descobertos e se tornarem em reservas. Simultaneamente, o volume de produção também continuará aumentando além dos 4 trilhões de m3/ano porque a população continuará crescendo e parte dela terá melhores condições de renda para aumentar seu consumo. Além disso, o mundo de modo geral vai prosseguir nas tratativas de usar fonte de energia mais limpa e menos poluente, substituindo o carvão por gás natural e biometano.
Com relação ao óleo, o mundo ainda tem reservas superiores a 2 trilhões de barris, entre reservatórios convencionais e não convencionais. Esse número pode ser ainda maior, visto que as reservas dos tight oil e shale oil poderão ser ainda maiores por não estarem todas ainda completamente mapeadas e contabilizadas.
Assim, mesmo considerando essa quantidade de reservas e uma produção média diária próxima a 100 milhões de barris, o mundo ainda tem potencial para produzir petróleo nos níveis atuais por mais de 50 anos, sem contar as novas descobertas e principalmente o aumento dos não convencionais que certamente irão acontecer.
No Canadá, foi onde o shale gas, tight oil e tight gas mais se desenvolveram, principalmente o tight oil ou sand oil hoje representando a maior parte das reservas de óleo e gás do país. Não é muito comum, mas em várias situações os chamados reservatórios convencionais e não convencionais ocorrem na mesma bacia, conforme ilustra a figura neste artigo.
Fontes: National Energy Board, Energy Information Administration e US Geological Survey
De um modo geral, todo óleo e gás produzido tanto de reservatórios convencionais quanto de não convencionais tem mesma origem e são do mesmo tipo. O que os diferencia são os métodos de produção de cada um. Em geral, os convencionais são de mais fácil localização e produção, impõem custos menores de exploração e produção e em muitos casos não precisam de intenso fraturamento, nem em poços horizontais de longo alcance. O que de fato acaba fazendo diferença são os custos de produção dos não convencionais, sua disponibilidade e a necessidade de alguns países de terem sua independência energética garantida. No caso do gás, some-se a isso a possibilidade de seu uso para a geração de energia elétrica mais limpa em substituição ao carvão e ao óleo combustível.
Do ponto de vista geológico o que torna um reservatório produtor de hidrocarbonetos tem relação com sua porosidade e sua permeabilidade. A diferença entre convencional e não convencional acaba sendo associado a sua porosidade. Alguns acham que porosidade abaixo de 10% já configura o reservatório do óleo como tight reservoir e entre 10 a 30% de volume de rocha considerado convencional. A permeabilidade também é um fator importante para classificar os tipos de reservatórios, pois indica a facilidade que o óleo e o gás têm para ser movimentado e dentro da rocha e produzido. Suas medidas são em milidarcies. Para um reservatório ser classificado como não convencional deverá apresentar medidas inferiores a 0,1 millidarcies e nos casos dos folhelhos (shale gas) menores que 0,001 millidarcies.
Além do shale gás, principal fonte do gás não convencional, existe também o chamado tight gas, associado a rochas muito fechadas ou pouco porosas e com permeabilidade muito baixa. O tight gás é tão importante quanto o tight oil e com volumes de reservas mundiais muito elevadas. Esses reservatórios são muito mais abundantes e espalhados do que os reservatórios convencionais.
As reservas ou recursos de reservatórios não convencionais no Canadá continuam em intensa discussão entre os órgãos das províncias, o órgão federal e o órgão regulador canadenses. Há uma grande discussão entre o que pode ser considerado reservas e recursos, mesmo havendo já um vasto volume de dados. O Canadá Energy Regulator (CER, antigo National Energy Board) estima reservas de 31 trilhões de m3 de gás, dos quais 21 trilhões de não convencional tight gas e shales, dados bastantes superiores da tabela apresentada neste artigo. Mas trata-se de recursos. No final de 2014, o Canadá revelou volume de reservas de óleo de 171 bilhões de barris, dos quais 97% de recursos do tight oil, sendo a quase a totalidade das reservas de Tar sand.
Os recursos de shale gas e tight gas são encontrados em quase todas as províncias canadenses e a presente produção vem da Formação Montney na província de British Columbia. As principais formações geológicas onde se encontram os reservatórios não convencionais no Canadá estão nas províncias de British Columbia (Fm. Muskwa, Otter Park e Evie, Besa River e Montney), na província de Yukon (Besa River), na província de Alberta (Montney e Duvernay), na província de Ontario (Kettle Point) e na província de Quebec (Utica). Ou seja, os reservatórios continuam sendo investigados e se espalham em todo o território canadense. O mesmo se aplica para o tight oil, que estão também distribuídos em todo território e em várias bacias.
Em 2022 as produções de hidrocarbonetos do Canadá estavam nos seguintes níveis:
- Gás natural, incluindo não convencionais: 511milhoes m3/dia ou 184 bilhões m3/ano
- Óleo: 5,5 milhões barris/dia ou 1,9 bilhão de barris/ano, assim distribuídos:
- Oil Sand (tar sand): 3,2 milhões de barris/dia (58% da produção)
- Convencional: 1,5 milhão de barris/dia (27% da produção)
- Offshore: 0,2 milhão de barris/dia (4% da produção)
- Condensado: 0,6 milhão de barris (11% da produção)
A Indústria de óleo e gás do Canadá é muito pujante, com números bastante robustos. O Canadá é o sexto maior produtor de gás natural do mundo e também o sexto maior exportador, além de ser um dos grandes produtores de óleo, tendo uma das grandes reservas e recursos de gas shale e tight gas.
Até poucos anos atrás, o Canadá tinha o mercado americano cativo para exportação do seu gás, até que o mercado americano, graças ao shale gas, se tornou autossuficiente e um dos maiores exportadores de gás natural do mundo. Em consequência, houve uma queda na produção de gás canadense a partir de 2008 e, para contornar esse fato, o mercado de gás liquefeito (LNG) passou a ser desenvolvido para exportação, principalmente como matéria prima para a geração de energia elétrica, conforme mostra o gráfico. Em 2022, o gás canadense gerou 81.494GWh de energia, aumento de 143% comparado com o ano 2000.
Canadá - Crescimento da participação de gás natural na geração de energia elétrica
Já a evolução da produção de óleo no Canadá tem origem nos chamados tight oil ou tar sands ou óleo das areias, praticamente minerado na forma de betume. As reservas de tar sands contribuiram em 2022 com mais de 50% da produção de óleo do Canadá, permitindo que o país se torne o sexto produtor mundial, tanto de óleo como de gás.
O mapa do Canadá exibido neste artigo indica que praticamente todo o tight oil e o shale gas são encontrados na região Oeste do país, particularmente na província de Alberta e British Columbia. Mais de 500.000 poços de óleo e gás já foram perfurados no Canadá desde a primeira descoberta comercial de óleo na América do Norte, em 1858. O primeiro poço horizontal com multiestágio de fraturamento foi concluído em 2005 na Formação Montney na British Columbia e o primeiro poço também com fraturamento para shale gas aconteceu em 2006 na bacia de Horn River, também na British Columbia. Os preços dos combustíveis, a partir de 2008, deram bastante incentivo para o incremento rápido do desenvolvimento dessa indústria no Canadá que também soube fazer uso da revolução tecnológica que já havia nos Estados Unidos.
A descoberta da presença de óleo chamado de Tar sands, ou óleo de areias ou simplesmente tight oil remonta desde 1715, quando os moradores da Baia de Hudson usaram o produto pela primeira vez para calefação de suas canoas, visto que era praticamente betume. A região que contem essas areias betuminosas contém potencial de mais de 1,8 trilhão de barris de óleo in place, podendo gerar uma reserva superior a 160 bilhões de barris, somente com recuperação menor que 10%, tornando o Canadá um dos países com uma das maiores reservas potenciais de petróleo do mundo. Todo esse óleo e betume foi gerado há mais de 170 milhões de anos pela decomposição de animais marinhos, plantas e algas, depositados nas bacias sedimentares da costa oeste canadense. Essa indústria produz atualmente mais de 1 bilhão de barris/ano.
Bacias sedimentares do Canadá - mais 1,4 milhão de Km2
Mais de um século de História
Para melhor compreensão dessa fascinante história, vamos enumerar os fatos que permitiram que essa descoberta pudesse passar de um problema para uma grande riqueza nacional do Canadá, colocando o país em evidência no setor de óleo e gás mundial. Um resumo da evolução da exploração e produção dessa riqueza não convencional de óleo.
Nos 110 anos que transcorreram desde 1913, quando teve início a pesquisa e desenvolvimento do uso do betume como pavimento de estradas, até os dias de hoje, a atividade e a produção evoluíram bastante no Canadá.
Já em 2012, a produção das operações in situ ultrapassaram as operações de mineração decorrente do fato de que poços horizontais com muiltiestágio de fraturamento geram menos danos ambientais. O gráfico mostra essa evolução e tendência.
Em 2022, havia seis mega minas no norte do Fort McMurray e mais de 30 facilidades de operações in situ produzindo mais de 3.3 milhões de barris de betume.
Produção da oil sand minerado e perfurado no Canadá – 1970 - 2022
A consolidação da produção dos Reservatórios não convencionais com o avanço da tecnologia e a determinação da necessidade de substituição do carvão e do óleo combustível pelo gás avança em vários países além dos citados nos artigos anteriores. Essa consolidação vem contribuindo para geração de energia elétrica mais limpa, a redução das emissões dos gases do efeito estufa e no uso continuado do gás como fonte de combustível em diversos setores.