Opinião

A revolução potencial do shale gas e do tight oil - Parte I

O mundo tem reservas de gás em reservatórios não convencionais maiores que as de reservas de gás convencionais. O Brasil está entre os 10 países com maiores reservas

Por José Almeida dos Santos

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Coautor: Kazumi Miura

 

A indústria de óleo e gás tem sofrido revoluções ao longo dos anos desde seu início, tanto na área de serviços, para otimizar os custos e precisão de novas descobertas, quanto nos avanços nos meios de produção com maior proteção ambiental.

A aferição dos volumes com potencial de produção está mais precisa, assim como os mecanismos de controle dos reservatórios para aumento do fator de recuperação. E mais; com o aperfeiçoamento da identificação dos meios de produção de rochas não convencionais (folhelhos e outros reservatórios com essas características), a produção de óleo e gás em condições de baixa porosidade e permeabilidade tornou-se comercialmente viável.

De um modo geral, todo óleo e todo gás é produzido após intenso fraturamento de rochas. O recurso a poços horizontais, para permitir maior extensão de rochas fraturadas e, com isso, maior liberação de hidrocarbonetos, está permitindo evolução muito rápida e mais econômica nesse modelo de produção, mudando o perfil de alguns países, notadamente os Estados Unidos.

Esse artigo busca mostrar como tem evoluído os mecanismos de produção dos reservatórios chamados de folhelhos e outros reservatórios não convencionais com baixa permeabilidade e porosidade, bem como o volume estimado de potenciais reservas recuperáveis e o volume total de produção desses reservatórios em valores absolutos e comparados com a produção normal de óleo e gás dos reservatórios ditos convencionais.

Alguns países têm demostrado muita capacidade técnica, financeira e operacional para transformar essas reservas em produção. O maior exemplo tem sido os Estados Unidos, mas também o modelo tem sido intensamente usado no Canadá, China e, ultimamente, a Argentina.

A Energy Information Administration (EIA), dos Estados Unidos, catalogou 46 países para avaliação da capacidade técnica das reservas de óleo e gás dos chamados reservatórios não convencionais. Chegou a uma estimativa global de 7.577 trilhão de tcf de gás e de 419 bilhões de barris de óleo.

Os 10 países com maiores reservas de gás são China, Argentina, Argélia, Estados Unidos, Canadá, México, Austrália, África do Sul, Rússia e Brasil e os países com maiores reservas de óleo são Estados Unidos, Rússia, China, Argentina, Libia, Emirados Árabes, Chade, Austrália, Venezuela e México.

Essa indústria avançou muito nos Estados Unidos e Canadá e tem se desenvolvido bastante na China e Argentina. A Austrália também tem feito avanços notáveis na área do shale gas, usado para transformar em LGN exportável. Alguns países têm encontrado restrições por questionamentos ambientais, como é o caso do Brasil, enquanto outros países enfrentam dificuldades de financiamentos para desenvolver seus reservatórios.

Reservas recuperáveis de gás não convencionais

Fonte: EIA

Reservas recuperáveis de óleo não convencionais

Fonte EIA

Esses volumes de reservas recuperáveis estimadas dos reservatórios não convencionais de 419 bilhões de barris de óleo são bastante significativas comparadas com as reservas calculadas dos reservatórios convencionais de óleo de   1.650 trilhão de barris. Elas representam em torno de 25% das reservas de óleo convencionais.

Já com relação ao gás as reservas não convencionais, da ordem de 7.577 de tcf (trilhões de pés cúbicos), superam as reservas estimadas dos reservatórios convencionais, da ordem de 6.923 tcf, o que torna essas reservas, tanto de óleo como de gás, de suma importância para os países que as possuem e para a economia enérgica mundial.

Isso porque elas podem ser produzidas com mais facilidades e com custo menor do que as reservas offshore de águas profundas, de um modo geral. Esperamos que em breve o Brasil possa fazer parte desse clube de produtores de reservas não convencionais. Novas tecnologias tem elevado o nível de produtividade por poço e permitido manter produções mais elevadas por um período maior.

Os Estados Unidos tem se tornado o maior produtor tanto do óleo como do gás desses reservatórios e isto permitiu que o país conquistasse sua independência da importação de óleo e gás. Hoje os EUA já são um dos maiores exportadores de gás natural e LGN, graças a produção do chamando shale gas. Há mais de 30 anos essa indústria vinha sendo explorada e explotada, mas nos últimos 10 anos houve uma grande concentração de esforços para incrementar as atividades e consequentemente a produção, conforme mostram os gráficos neste artigo.

A revolução do shale gas fortaleceu a soberania energética americana e atualmente o shale contribui com uma enorme fatia de toda a produção de gás norte-americana, a ponto dos EUA terem se tornado um dos maiores exportadores de gás natural do mundo. Além disso, a exploração do shale gas e do tight oil produziu uma intensa atividade de serviços para a busca e produção nesses reservatórios (ver gráficos).

Produção de gás nos EUA por regiões produtoras (2013-2023)

 

Evolução na comercialização de gás e LGN americana

Os gráficos indicam claramente a grande importância da exploração e produção de hidrocarbonetos dos reservatórios ditos não convencionais na produção global e principalmente dos Estados Unidos, contribuindo em alguns países para a geração de energia com fontes menos poluidoras. 

Nos Estados Unidos houve uma grande redução da utilização de carvão para geração de energia elétrica, desde que o aumento do gás ocorreu com a utilização do shale gas.  Também a produção de óleo americana, com a participação dos chamados tight oil, aumentou para mais de 12 milhões barris por dia em 2023.

Participação do Tight oil na produção americana (2007-2024)

Segundo a agência americana de energia (EIA), apenas em 2021 os EUA perfuraram 166.160 poços, mais de 90% utilizados para o fraturamento e parte deles horizontais, com aumento de quase 70% em relação ao ano de 2014. Como comparação, no Brasil, no mesmo ano, foram perfurados somente 110 poços, todos convencionais.

Esse volume de trabalho com geração de milhares de empregos e serviços no setor foi fator determinante para o aumento expressivo da produção americana de óleo e gás. O incremento da produção de gás não convencional nos Estados Unidos permitiu a substituição do carvão pelo gás para geração de energia elétrica, reduzindo a participação do carvão na matriz enérgica americana de 40% para em torno de 20%.

De 2005 a 2021, a intensidade de carbono no setor elétrico americano caiu 35%. Isso significa dizer que, para produzir a mesma quantidade de energia em 2021, o setor elétrico americano emitiu 35% menos CO2. No caso do Brasil, onde a matriz energética já é bastante renovável e com baixo uso de carvão, o aumento da produção de gás permitirá outros ganhos, como a substituição do óleo combustível em térmicas e na indústria e na produção de fertilizantes a preços competitivos.

Geração de energia elétrica nos EUA, redução uso carvão

O fraturamento hidráulico é uma prática bastante comum e recorrente na indústria de petróleo desde a década de 1940 adotada em reservatórios convencionais de baixa permeabilidade e porosidade. No entanto, a evolução tecnológica, ao longo dos anos, permitiu o fraturamento hidráulico também para reservatórios não-convencionais e ultimamente associado a poços horizontais.

Além dos Estados Unidos, vários outros países estão avançando nas atividades de exploração e produção desses reservatórios não convencionais, entre os quais destacamos a China, Canadá, Argentina, Rússia, Polonia, Inglaterra, Mexico, Australia e Turquia entre outros.  Entre todos esses a China é o país que está mais avançado e a produção de gás de reservatórios não convencionais já representa hoje em torno de 40% da produção total do país, ou seja, em torno de 600 bilhões de metros cúbicos/ano.

Esse resultado foi conseguido devido ao volume enorme de investimentos e à decisão política de buscar reduzir a dependência externa do país em relação ao consumo de gás e energia de um modo geral, somada ao esforço para diminuir o uso de fontes poluidoras, como o carvão, na geração de energia elétrica.

No Canada, somente a província de Alberta permite esse modelo de exploração e produção. Ainda assim, com uma intensa atividade, 800 poços foram perfurados somente em 2021, sendo 92% poços horizontais, dos quais 98% com fraturamento multi-estágio.

A Argentina, na área de Vaca Muerta, província de Neuquem, tem intensificado muito as atividades e já se estima autossuficiência do país com gás produzido dos reservatórios não convencionais somente desta província, feito extraordinário para um país que tem o gás como uma das fontes principais para o aquecimento de residências e a geração de energia.

Em resumo estamos diante de fatos e estatísticas que confirmam a importância da exploração e produção desse tipo de reservatórios. Com intenso trabalho na área de tecnologia, não só para intensificar o aumento da recuperação, já se pode fazer o fraturamento sem o uso de produtos que possam trazer danos aos aquíferos da bacia. A utilização de produtos de fácil penetração nos poros e nas microfraturas das rochas, como as nano partículas, já utilizadas nos EUA e até no Brasil, obteve alto índice de sucesso para reservatórios menos permeáveis.

O recurso a essas tecnologias irá contribuir para a obtenção de fonte de energia menos poluente e contribuir para a redução de gases de efeito estufa, o que todos buscamos no longo prazo.

Não é coincidência o fato desses reservatórios se localizarem, na sua maioria, em países com maior extensão territorial, como é o caso do Brasil. O não convencional não é mais uma prática somente americana, mas uma realidade também em outros países. Esperamos que o Brasil possa achar a melhor solução para exploração e produção dessas riquezas naturais.

 


Kazumi Miura, engenheiro agrônomo pela USP-Esalq e geólogo pela Petrobras/Cenap, atuou na Petrobras Internacional / Braspetro no Iraque, na PanAmerican Energy da Argentina e hoje é diretor do Oil Group S.

 

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