Opinião

A lógica do Reino Sunita em 2014

O consumo é pouco sensível ao aumento (ou queda) dos preços, muito provavelmente porque o custo de substituição (por outra mercadoria) é elevado

Por Redação

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Entre os meses de dezembro de 2013 e 2014, o preço do barril (óleo tipo brent) caiu quase pela metade: de US$ 120/b para US$ 69/b. Na última semana de 2014, ele esteve abaixo de US$ 60/b. Embora a indústria seja cíclica (a última baixa durou quase duas décadas) e habituada à volatilidade dos preços, a velocidade da queda e a possibilidade de os preços se manterem assim surpreendeu muitos. A queda é intrigante, não porque alguns acreditam que o petróleo vá acabar, mas porque o responsável é o principal exportador.

Para entender a lógica da Arábia Saudita – que, de fato, fixa o preço –, é preciso trazer à reflexão algumas noções de microeconomia. A oferta de petróleo pode ser vista como uma escada em um gráfico no qual, no eixo horizontal, está disposta a quantidade e, no vertical, o custo (e o preço). Cada degrau da escada corresponde a um patamar de custo, neste caso, denominado marginal, i.e., a despesa de um barril adicional.

O primeiro degrau, claro, é o mais baixo, mas, além disso, é o mais largo e reflete a produção da Arábia Saudita. O país é capaz de extrair até 11 milhões de barris por dia a um custo marginal de apenas US$ 2/b. O degrau seguinte representa seus vizinhos na Península e talvez o Iraque e Irã (em condições normais). Neles, podem ser produzidos até 10 milhões de barris por dia a US$ 6/b. Dois países têm capacidade semelhante: os EEUU (12 milhões de bpd) e a Rússia (10 milhões de bpd). Ocorre, porém, que eles estão à direita do gráfico; na escada, em patamares bem mais altos. No Golfo do México dos EEUU, o custo marginal é de US$ 20/b, e na Sibéria, ele seria de US$ 12/b. É o que dá à Arábia Saudita tanto poder.

O consumo é pouco sensível ao aumento (ou queda) dos preços, muito provavelmente porque o custo de substituição (por outra mercadoria) é elevado. Diz-se que o comprador está capturado pelo vendedor. É o caso do óleo diesel e da gasolina, seus preços e tributos. Fisco e petroleiras sabem que um aumento do preço gera uma queda do consumo proporcionalmente bem menor; o que resulta em maior receita – interesse de ambos.
Para que o oligopólio faça jus a seu lucro, a escada da oferta deve encontrar a demanda em seu trecho mais inclinado: entre US$ 120/b e US$ 50/b. Na falta de cooperação entre os produtores, cabe à Arábia Saudita definir o preço. Para um consumo de 92 milhões de barris, se o resto do mundo ofertar 82 milhões e a intenção for manter os preços, no final do dia, ela completará a quantidade que falta: 10 milhões de barris – e, assim, igualará a produção à procura.

Se no final do dia seguinte a oferta do resto do mundo e dos membros da Opep somar 84 milhões de barris, caberá ao país diminuir a produção, para manter o preço do dia anterior. O conforto é enorme: mesmo abaixo da quebra inferior (i.e., preços menores que US$ 50), em cada barril adicional, seu lucro supera os 1.000%! Nada gera uma renda tão extraordinária.

Ao deixar o preço cair, o Reino Sunita reafirma que, a despeito de periférico, dispõe de petróleo barato e em quantidade. Por isso, pode ditar o preço e, por conseguinte, a matriz energética mundial. Uma queda tão acentuada é um sinal ao mercado: uma nova fase é chegada e o ciclo inverteu a tendência. A oferta deve se adequar à procura, que não cresce como no passado.
A adição às reservas e à capacidade de produção (pouco afetada pela crise de 2008) tem de diminuir. No alvo, também está o gás natural que, beneficiado pelo folhelho, tornou-se um concorrente nos transportes e na petroquímica, mercados cativos do petróleo no passado. Novos projetos de liquefação em alto-mar não serão levados adiante. Com o preço um terço menor, a nafta volta a competir com o gás na transformação química e, nas térmicas, o óleo combustível ganha sobrevida.

A mensagem é lapidar – o preço não viabilizará a concorrência. Situação que deve perdurar enquanto a tecnologia não proporciona uma fonte mais econômica e tão cômoda. Na falta de coordenação, o líder incontestável do oligopólio impõe uma correção que defende os interesses do grande capital petrolífero e só o deles; ao impedir o ingresso e atenuar o ânimo dos menores e de maior custo. A lógica é capitalista e, sublinhe-se, no curto prazo, é boa para uma economia mundial em crescimento vegetativo e com fluxo de comércio anêmico depois de 2008.

Luís Eduardo Duque Dutra é assessor especial da diretoria da ANP

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