Opinião
A importância do gasoduto Rota 4b
A discussão de implementação do Rota 4b, por Itaguaí e não por São Paulo, deve ser feita dentro da maximização dos ganhos econômicos no país e não em uma disputa entre estados
A crise em que o Brasil se encontra, diante da baixa oferta energética em função do recente comportamento hidrológico que tem comprometido o nível dos reservatórios das hidrelétricas, está também complementada por problemas de desabastecimento de produtos como fertilizantes, importados de outros países, e a isso se soma ainda a dolarização de muitos insumos que estão repercutindo na nossa inflação. Esse somatório de riscos e impactos na economia leva ao desafio de se buscar os melhores aproveitamentos dos recursos internos em dimensão mais ampla.
Um cenário confuso que existe atualmente é o da importação de gás natural por meio do Gás Natural Liquefeito (GNL), associada a uma comparação dos valores de venda ao consumidor nacional em relação aos energéticos internacionais, que explodiram, ao mesmo tempo que temos um elevado nível de reinjeção de gás nacional, o que faz com que se configure a necessidade de gerar cada vez mais soluções que sejam convergentes ao desenvolvimento do país e, portanto, menos impactantes ao mercado interno.
As recentes legislações que levaram à imposição de regras de investimentos em geração incompatíveis com a disponibilidade dos recursos naturais nacionais - como a questão da desestatização da Eletrobras (Lei nº 14.182, de 12 de julho de 2021) e a não fixação de metas claras para induzir um maior aumento de oferta de gás no país através da Nova Lei Gás (Lei nº 14.134, de 8 de abril de 2021) - faz com que tenhamos um cenário ainda duvidoso em relação ao que pode acontecer no futuro.
Esse ritmo transiente das novas infraestruturas, em forma de gasodutos e das ofertas da disponibilidade de gás natural nacional, inclusive sob análise pela EPE, faz com que cada nova estrutura planejada requeira uma avaliação mais profunda e, portanto, que deva considerar o melhor benefício econômico e social não somente local, mas para o país, ou seja, a avaliação das externalidades deve ser fortemente ponderada.
A próxima grande oferta terrestre de gás natural nacional, prevista para 2022 será a chegada pela Petrobras da chamada Rota 3, por Maricá, com a construção de uma UPGN associada. Também foi anunciada a Rota 2, em Macaé, pelo grupo Equinor, porém ainda sem data fixada.
Neste cenário de novos gasodutos, com a disponibilização e infraestrutura para trazer o gás nacional para a terra, surge uma grande oportunidade que é chamada a Rota 4b, escoando o gás disponibilizado em blocos localizados na Bacia de Santos, na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo, ao redor do Campo de Bacalhau, com operação da Equinor. Assim, essa rota transporta 20 milhões de m³/dia de gás (que atualmente é reinjetado) até Itaguaí, na Baixada Fluminense, gerando uma oferta de gás que pode atender uma série de novas demandas econômicas onde esse energético possa trazer melhor efeito e ganhos para outros segmentos, especialmente para o meio ambiente.
A chegada do gasoduto Rota 4b por Itaguaí, que se localiza junto ao Porto de Itaguaí (Sepetiba), oferece também uma oportunidade para resolver um dos grandes problemas sociais e econômicos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro que se insere na Baixada Fluminense, ampliando o potencial de todo Arco Rodoviário Metropolitano (BR 493) para o desenvolvimento de condomínios industriais. Da mesma forma, favorece esse traçado, pois a região é atualmente cercada por um complexo siderúrgico, voltado não só exportação de minério, mas também com siderúrgicas como Gerdau (antiga Cosigua) e a Ternium (antiga CSA), que fazem com que haja um potencial de consumo firme para utilização do gás, desde que existam preços competitivos da molécula, trazendo, com isso, ganhos ambientais importantes.
No caso do minério, onde existem terminais de exportação na Baía de Sepetiba, nos municípios de Itaguaí e Mangaratiba, estudos indicam que a potencialização e agregação de valor ao minério exportado através do processo HBI (Hot Briquetted Iron) apresenta grande potencial, cabendo muito bem no escopo de novas aplicações pela Vale, como grande exportador de minério, inclusive, essa tecnologia já é considerada em estudos do BNDES.
Já na área de geração elétrica o potencial é fortalecido por uma grande linha de transmissão de 500kV, construída pelo grupo chinês State Grid, que ainda possui grande possibilidade de receber injeção de carga, além de estar no centro de gravidade geoelétrico do subsistema elétrico interligado Sudeste/Centro-Oeste, do Município de Paracambi, na Baixada Fluminense, até o norte do país na região do Xingu. Isso sem falar que a região da Baixada conta com uma bacia aérea favorável e com recursos hídricos ainda disponíveis, o que favorece para que possamos ter projetos de termoeletricidade, inclusive para atender a demanda fixada ao Rio de Janeiro dentro das eventuais contrapartidas da Lei Nº 14.182, aprovada pela desestatização da Eletrobras.
Na mesma linha, já são considerados também em estudos do BNDES a relação da oferta de gás com a disponibilidade de fabricação de fertilizantes nitrogenados. A localidade da baixada é favorecida pois está associada à proximidade de linhas férreas para interligação com todo o Centro-Oeste do país e, ao mesmo tempo, a questão de possibilidade portuária se coloca também com potencial naquela região.
A discussão de implementação do Rota 4b, por Itaguaí e não por São Paulo, deve ser feita dentro da maximização dos ganhos econômicos no país e não em uma disputa entre estados, onde condições ambientais e até socioeconômicos mais favoráveis sejam desconsideradas e que o tema se torne uma batalha política entre administrações. Não podemos sofrer a tragédia dos comuns, onde o ganho de um estado em particular vai ao prejuízo da nação como um todo. E é somente com muito planejamento, estudo e, acima de tudo, mobilização pública, que conseguiremos evitar esse destino.
Wagner Victer é engenheiro, administrador, ex-secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo e ex-conselheiro do CNPE