Opinião
Impactos da Covid na liberalização do mercado de gás
Impactos macroeconômicos nos estados e a pressão da concorrência do GNL deveriam incentivar o processo de abertura no plano federal e estadual
Neste artigo, colaborou Yanna Clara Prade
O contexto prévio a crise sanitária do Covid-19 era de grande expectativa para liberalização do mercado de gás, com a entrada de novos players, maior competição e potencial redução do preço do gás para os consumidores livres. As incertezas geradas pela crise internacional nos mercados de energia colocam em risco a perspectiva acima, já que são um obstáculo para as decisões de investimento do upstream. Resta saber como será o apetite desses investidores no médio e longo prazo para projetos de monetização de gás natural. O Pré-sal estava muito bem posicionado entre as oportunidades globais, devido ao grande potencial de produção de petróleo. A decisão com relação ao gás dependia da reforma regulatória que garantiria acesso desses potenciais produtores ao mercado de gás brasileiro.
A reforma desenhada pelo Novo Mercado de Gás tem três frentes de atuação complementares: i) os compromissos assumidos pela Petrobras no TCC com o CADE; ii) a agenda regulatória da ANP para introdução da competição; iii) e o aprimoramento das regulações estaduais.Para que o objetivo de gás preços competitivos seja alcançado é fundamental que as questões regulatórias se resolvam, principalmente com relação ao TCC e a agenda regulatória da ANP.
Algumas dessas frentes têm seguido o andamento esperado e não foram afetadas pelo contexto da crise sanitária.No âmbito do esforço do TCC do CADE, a agenda de desinvestimentos e abertura de elos da cadeia parece estar mantida pela Petrobras, que está seguindo com os processos de desinvestimento das participações remanescentes das transportadoras e da Gaspetro, e estruturando o modelo de acesso às UPGNs.
Outro ponto relevante é o acesso a infraestrutura de escoamento de gás da Petrobras, que é um dos compromissos assumidos pela estatal. Nesse caso específico, além da necessidade de estabelecer um modelo de acesso é relevante incentivar investimentos para expansão. Em uma nova abordagem para a resolução do entrave no escoamento, o BNDES assumiu o papel de incentivador do desenvolvimento de uma rede compartilhada de escoamento do gás do Pré-sal.
No entanto, a resolução de alguns pontos essenciais para a reforma do mercado de gás está com andamento mais lento, provavelmente justificada pelo foco dos esforços das instituições governamentais de lidar com a atual crise sanitária e seus impactos imediatos no setor energético. Um dos principais pontos que necessita revisão e maior debate é sobre o modelo desenhando para o acesso ao transporte. Depois da tentativa frustrada de estabelecer novos compradores de capacidade para o Gasbol, não se apresentaram soluções ainda para os impasses evidenciados no processo.
A agenda regulatória da ANP, no âmbito do PNMG, prevê que em 2020 seriam endereçadas as questões de interconexão de gasodutos, os critérios de autonomia e independência dos transportadores e a Revisão da Resolução ANP nº 15/2014, relativa a tarifas de transporte (ANP, 2019). Como as audiências e consultas públicas da agência estão suspensas devido à crise sanitária é possível que a agenda regulatória atrase, o que dificulta o andamento da reforma.
Os incentivos para aprimoramento da regulação estadual também não têm sido amplamente endereçados, tendo algumas iniciativas pontuais em alguns estados, mas ainda longe de estar harmonizado em condições que incentivem a criação do mercado livre.Uma das diretrizes do PNMG era a privatização de distribuidoras sob controle estatal e alguns estados estão organizando o processo de privatização (como Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Sergipe, Maranhão e Mato Grosso do Sul), mas ainda distantes de concretizarem o plano.
Mais importante que a privatização está o estabelecimento de regulação para o mercado livre, que está avançando em alguns poucos estados. Por exemplo, no estado do Rio de Janeiro, a Agenersa divulgou a nova regulação referente as condições para o mercado livre criando tarifas especificas para consumidor livre e consumidores com gasodutos dedicados. No Amazonas também se iniciou o processo de abertura do mercado de gás, mas vem enfrentando muita dificuldade política para avançar.
Outra questão relevante é que alguns pontos chave que necessitam de solução regulatória, como a expansão de malha de transporte, acesso de terceiros a infraestruturas essenciais, estabelecimento de armazenamento de gás; só podem ser endereçados através da Nova Lei do Gás. A lentidão no processo, que está desde 2016 em andamento, prejudica fortemente o setor, que necessita de segurança jurídica para realizar os investimentos necessários.
No médio prazo, é possível que muitas das questões regulatórias se resolvam. No entanto, a lentidão traz um risco relevante para a dinâmica do mercado em si. O contexto mudou e a grande disponibilidade de GNL no mercado internacional a preços muito competitivos pode criar um risco para o desenvolvimento do Pré-sal.
Conclui-se assim que em princípio a crise do COVID não desestruturou o processo de reforma que continua andando. Pelo contrário, os impactos macroeconômicos nos Estados e a pressão da concorrência do GNL deveriam incentivar o processo de abertura no plano federal e estadual. Entretanto, o ritmo lento da reforma passou a ser um risco importante para a indústria brasileira de gás.
Edmar de Almeida é professor (licenciado) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do IEPUC
Yanna Clara Prade é sócia da Prysma E&T Consultores, mestre e doutoranda em Economia Industrial do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especializada nos mercados de energia, com foco no gás natural e GNL
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