
Opinião
O papel das cidades na difusão dos veículos elétricos
Se os VEs se tornarem o padrão tecnológico global, como tudo parece indicar, o mercado de veículos a combustão no Brasil será visto pelas montadoras como mais um nicho de mercado para tecnologias do passado

A rápida difusão dos carros elétricos vem superando todas as expectativas. Esta difusão vem ganhando corpo com o processo de desenvolvimento tecnológico e industrial liderado pela China. De acordo com a Agência Internacional de Energia, as vendas de veículos elétricos plug‑in (BEVs + PHEVs) atingiram 20 milhões de unidades no mundo em 2024. E veículos elétricos (VEs) responderam por cerca de 48% das vendas totais de carros na China e 20% das vendas mundiais.
Gráfico 1 – Vendas Globais de Veículos Elétricos
Fonte: IEA (2025). Global EV Outlook 2025.
Este processo de participação nas vendas tende a se acelerar com a redução do custo dos veículos elétricos, impulsionada pela rápida queda no preço das baterias e por inovações no processo de fabricação dos veículos. Já existem fábricas de VEs na China totalmente automatizadas. Sem utilização de mão de obra humana nas linhas de produção.
No Brasil a difusão dos veículos elétricos ainda é incipiente, mas avança rapidamente. Os veículos elétricos plug in representaram 6% das vendas no Brasil entre janeiro e abril de 2025. Segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos, existem cerca de 135 mil veículos totalmente elétricos ou híbridos plug in rodando no país.
No caso brasileiro, a grande barreira ainda é o custo dos veículos, na sua grande maioria importados. Entretanto, a partir deste ano esta realidade tende a mudar com a inauguração da fábrica de BYD na Bahia, com capacidade inicial para 150 mil veículos por ano.
Outras montadoras chinesas também têm planos para produzir VEs no país. Este é o caso da Great Wall Motors (GWM) que anunciou investimento de R$ 10 bilhões no Brasil e a produção de carros elétricos em Iracemápolis, no interior de São Paulo. Montadoras já instaladas no Brasil, tais como Stellantis, GM, Toyota e Volkswagen também anunciaram planos de inserirem veículos elétricos no seu portfólio no país.
Contrariamente ao caso da China, Europa e Estados Unidos, os veículos elétricos estão se difundindo no Brasil sem uma política pública assertiva de apoio à esta tecnologia. No Brasil o Governo Federal optou por uma política tecnológica de mobilidade agnóstica do ponto de vista tecnológico. O importante papel dos biocombustíveis no país tem sido uma barreira para a difusão de políticas especificamente voltadas para os veículos elétricos, em particular no que se refere à infraestrutura de carregamento dos veículos.
Diante da tendência de aceleração do processo de inovação e redução do custo dos veículos, a grande barreira para o aumento da difusão desta tecnologia no Brasil tende a ser a infraestrutura de carregamento.
A maioria dos proprietários de veículos elétricos no país carrega seus veículos através de carregadores lentos instalados na própria residência. A difusão de carregadores em espaço público vem ocorrendo de forma espontânea, com investimentos de empresas privadas (montadoras ou do setor de energia) em eletropostos e pontos de carregamento em shoppings e estacionamentos privados.
No Brasil, não existe uma política pública para instalação de infraestrutura de carregamento em espaço público e praticamente não existe este tipo de infraestrutura de abastecimento. O primeiro eletroposto exclusivo para veículos elétricos e híbridos em espaço público do Brasil foi inaugurado no Rio de Janeiro na Barra da Tijuca. Trata-se de um projeto experimental de instalação de estação de recarga rápida, o Projeto Eletroposto Carioca, desenvolvido pela empresa EZVolt, em parceria com a Prefeitura do Rio e a rede C40 Cities.
O fato deste projeto ter sido anunciado como uma grande novidade no Brasil é revelador do atraso brasileiro no tema da infraestrutura de carregamento. Este tipo de projeto já é rotina na Europa e outros países desenvolvidos.
Até mesmo a instalação de carregadores em prédios residenciais tem se tornado um desafio importante. Na falta de uma regulação específica para o tema, o conflito entre proprietários de VEs e outros condôminos é crescente muitas vezes resultando em judicialização.
Tanto no caso da difusão do carregamento nos espaços públicos, quanto nos condomínios, as prefeituras são atores chave para desenvolvimento da regulação e políticas públicas.
Para viabilizar o uso do espaço público para investimentos por atores privados em infraestrutura de carregamento de carros elétricos é necessário desenhar políticas públicas sofisticadas, para determinar quais espaços públicos poderão ser reservados para esta finalidade, qual o processo para qualificar e selecionar investidores e quais serão as regras de uso deste espaço que poderão ser incorporadas nos aplicativos de reserva de pontos de carregamento.
A experiência internacional mostra que a elaboração de políticas de carregamento de VEs em espaço público exige um grande engajamento e esforço de qualificação dos agentes públicos envolvidos. Ressalte-se que estamos falando de mais de 5.000 prefeituras no país, já que as políticas necessariamente devem ser implementadas no âmbito local.
O problema dos conflitos e judicialização de disputas entre condôminos sobre os custos de instalação de carregadores de veículos elétricos nos condomínios não é diferente. Este problema está acontecendo porque as autoridades locais estão atrasadas na inclusão desta questão nos códigos de obras das edificações.
Esta questão também apresenta uma grande complexidade, uma vez que envolve discussões sobre regras de segurança e definição do que são custos que devem ser arcados pelo condomínio e o que deve ser coberto pelo proprietário da vaga.
Sem uma política voltada para criar uma ampla infraestrutura de carregamento será muito difícil a eletrificação da mobilidade no país atingir patamares elevados dos países avançados. Entretanto, boa parte dos stakeholders e autoridades do setor energético e automotivo nacional não acha que este é um problema importante. Afinal, o país já consegue descarbonizar a mobilidade com biocombustíveis. Se esta visão prevalecer o país pode estar contratando um grande problema.
Primeiro, porque o custo e o preço dos carros elétricos estão caindo de forma muito rápida. Na China vários modelos de carros elétricos já são mais baratos que os veículos a combustão. Assim, mesmo não atingindo os mesmos patamares de difusão dos países avançados, a difusão dos VEs no país será muito relevante, com milhões de consumidores enfrentando dificuldades para garantir seu abastecimento em condições e custos aceitáveis. A inoperância das autoridades na promoção da rede de abastecimento terá um custo político importante à medida que um número crescente de proprietários enfrenta mais dificuldades para abastecer.
Segundo porque ao não promover a política de abastecimento, o país pode estar condenando os consumidores nacionais a permanecer com tecnologias mais caras e menos performantes. Vale ressaltar que a indústria automobilística é uma indústria global. A estratégia tecnológica dominante é global e não local.
Se os VEs se tornarem o padrão tecnológico global, como tudo parece indicar, o mercado de veículos a combustão no Brasil será visto pelas montadoras como mais um nicho de mercado para tecnologias do passado.